A segunda parte do documentário da RTP - "Sampaio, Salazar, Caetano: O Confronto de 62" acompanha os acontecimentos da crise estudantil em Lisboa e Coimbra desde a segunda proibição do Dia do Estudante, no dia 5 de Abril até ao fim do conflito em Junho de 62
Em Maio de 1968 uma revolta de estudantes universitários em França espantou o mundo e tornou-se um dos acontecimentos emblemáticos do século XX. À greve académica dos estudantes juntaram-se os trabalhadores que paralisaram a França numa greve geral que pôs o regime democrático francês à beira do colapso.
Mas seis anos antes, em 1962 deu-se em Portugal um acontecimento semelhante. Greve de estudantes, intervenções violentas da polícia de choque, seguidas de manifestações intensas de trabalhadores, em Lisboa e no Porto e da luta pelas 8 horas dos trabalhadores agrícolas.
O regime de Salazar sofre um profundo abalo, mas quase ninguém soube, nem no país nem no mundo, porque praticamente não houve imagens nem noticias na comunicação social.
A crise académica começou no dia 24 de Março de 1962, quando o Governo de Salazar para impedir a realização do Dia do Estudante, decidiu ocupar, com uma força da polícia de choque, toda a cidade universitária. Seguiu-se a decisão tomada em plenário da RIA (Reunião Inter-Associações) de avançar para o luto académico, uma forma de apelar aos estudantes para não irem às aulas e que não se podia chamar greve porque esta era ilegal.
Quem liderou a contestação foi um jovem estudante de direito chamado Jorge Sampaio. Sampaio era o presidente da RIA um organismo semiclandestino que federava todas as associações de estudantes de Lisboa. Sampaio vencera em 1960 as eleições para a Associação de Estudantes de Direito com uma coligação de apoios que iam desde os comunistas às juventudes católicas. A primeira vez que Jorge Sampaio foi presidente de alguma coisa foi com uma coligação que unia toda a esquerda. Repetiu o feito em 89 quando se candidatou à Camara de Lisboa e em 2005 quando foi eleito pela primeira vez presidente da República.
Devido ao sucesso da greve o Ministro da Educação Lopes de Almeida recua e aceita uma nova marcação do Dia do Estudante para 7 e 8 de Abril. Mas no dia 5 de Abril depois de um Conselho de Ministros, Salazar obriga Lopes de Almeida a dar o dito por não dito ,proibindo a segunda celebração do Dia do Estudante e desautorizando também o reitor da Universidade de Lisboa, Marcelo Caetano.
Seguem-se novos plenários, manifestações e uma greve de fome.
Durante dois meses e meio estudantes de Lisboa e Coimbra usaram meios democráticos como plenários ao ar livre e decisões tomadas por maioria, comunicados distribuídos à mão e que contavam o que a comunicação social do país não relatava, ou seja armas para lutar contra os fortes meios ditatoriais do Estado Novo - a PIDE, a Polícia de Choque e a Censura.
Aproveitando esta luta realizaram-se também as maiores manifestações populares de rua, no tempo do Estado Novo em Lisboa e no Porto, nos dias 1 e 8 de Maio. Nos campos do Alentejo os trabalhadores agrícolas pararam aos milhares exigindo as oito horas de trabalho.
Foi o despertar de uma geração que surgiria com protagonismo depois do 25 de Abril de 74.
Em 1962 eram estudantes académicos, Jorge Sampaio, Cavaco Silva, Medeiros Ferreira, António Barreto, Jorge Miranda, Isabel do Carmo entre muitos outras figuras que foram depois os protagonistas políticos da democracia.
Na Academia Militar estudavam também alguns dos futuros capitães de Abril como o coronel Vasco Lourenço e Diniz de Almeida, na Escola da Exército ou o Almirante Martins Guerreiro na Escola Naval.
A crise académica de 62, o impacto no regime e nas mentalidades é o tema deste documentário que apresenta documentos, entrevistas e imagens inéditas.