OS MUTANTES

Teresa Villaverde assinou um dos filmes mais incómodos e comoventes do cinema português, sobre a perversão da adolescência.

Pedro e Ricardo, dois adolescentes como muitos outros em Portugal nos finais dos anos 90, sem qualquer estabilidade familiar, vivem numa instituição de reinserção social. Os dois são grandes e inseparáveis amigos que se evadem constantemente do centro social para viver de forma errante e livre na rua, roubando ou aceitando fazer o que quer que seja para comer. Andreia, uma rapariga com problemas semelhantes que não pode contar com a mãe, uma mulher irresponsável e desiquilibrada, também acaba na rua, grávida de um namorado que não consegue encontrar. Todos três acabam por se cruzar na tristeza e na miséria. Ela dá à luz na casa de banho de uma estação de serviço e abandona o bebé, enquanto Pedro tenta em vão regressar ao seio de uma família desprezível e Ricardo é morto de forma violenta na sequência de um roubo.

Teresa Villaverde assinou, em 1998, um dos filmes mais incómodos, amargos e comoventes de sempre do cinema português. Retomando, como parece ser recorrente nos seus filmes, personagens de jovens desenraizados num universo urbano e social degradado, Villaverde em "Os Mutantes" recria o percurso de um punhado de adolescentes, vítimas de famílias em decadência, que erram sem sonhos, objectivos e soluções num Mundo de marginalidade. Raramente um filme terá captado com tanta justeza, realismo e amargura, a solidão e a tristeza dos garotos abandonados à sua sorte, e ao abuso alheio, num país moderno e europeu nos finais do século XX. Com uma segurança admirável, um envolvente sentido narrativo e uma inteligente direcção de actores, quase todos amadores, onde se destaca Ana Moreira, Villaverde constrói um filme surpreendente, que oscila entre a beleza poética das amizades adolescentes forjadas na maior das adversidades e a brutalidade absoluta da perversão da sua ingenuidade, de que a célebre cena do parto solitário e com dor numa casa de banho é exemplar.