A 28 de Outubro de 2006, o Caminho-de-Ferro público português assinala 150 anos sobre a sua primeira viagem
Não havia estradas, nem sequer bons caminhos. Os assaltos eram frequentes e até havia quem, com medo dos salteadores, ?antes de partir deixasse feito o seu testamento?.
De liteira, demorava-se pelo menos cinco dias para ir de Lisboa para o Porto. A mata cavalos, na mala-posta, seriam no mínimo trinta e quatro horas. Uma simples carta precisava de oito dias para chegar a Bragança...
Por isso, quando em 1856 D.Pedro V inaugurou o caminho-de-ferro até ao Carregado, foi enorme o melhoramento. Era mesmo uma autêntica revolução : vinte anos depois do resto da Europa, chegava finalmente a Portugal o progresso sobre carris.
Filho da dívida pública, corajosamente financiado por Fontes Pereira de Melo através de empréstimos a longo prazo, o comboio trazia com ele sonhos do desenvolvimento. Queria fazer-se de Lisboa a porta da Europa e quebrar um isolamento cultural e económico de séculos.
?Pelos caminhos-de-ferro que tinham aberto a península? ? resumiu Eça de Queirós ? ?rompiam cada dia (...) torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários.?
Foram os tempos gloriosos do ?Sud Expresso?, Paris de repente apenas a três dias de distância : ?Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fôsse novo...? (ainda Eça)
Não terá sido por acaso que um dos primeiros filmes de Aurélio Paz dos Reis fôsse, logo em 1896, a ?Chegada de um comboio americano a Cadouços?.
Durante mais de um século, para tudo quanto era importante em Portugal se ia, pois, de comboio.
De comboio partiu para o exílio Bernardino Machado, à porta de uma estação morreu Sidónio, por caminho-de-ferro embarcou para a I Guerra Mundial o Corpo Expedicionário Português, com o apoio dos ferroviários se fez o 28 de Maio.
E foi ainda de comboio que seguiu o funeral de Salazar ou que, depois do 25 de Abril, regressou do exílio Mário Soares.
Em Portugal coexistem hoje técnicas de última geração e procedimentos ferroviários de antanho. Passou-se quase directamente do século dezanove para o vinte e um.
Na novíssima estação de Meleças cruza-se a gestão informática integrada de comboios da Linha de Sintra com a automotora do Oeste. Tal e qual como há mais de cem anos, esta lá vai avançando penosamente, de autorização telefónica em autorização telefónica, estação por estação...
Sonha-se com o TGV, prepara-se uma nova linha de mercadorias para Espanha, mas subsistem arcaísmos quase encantadores: em Cuba, por exemplo, de cada vez que chega um comboio, ainda se usa uma bicicleta para ir movimentar manualmente as agulhas ...
É esta a história da evolução do caminho-de-ferro em Portugal, de persistências e inovações, que este documentário propõe contar.
Evolução da própria via, desde o carril curto em troços de cinco metros e meio com as suas barretas de ligação (que deram origem à onomatopeia do ?pouca-terra?) até à moderna barra longa soldada e às travessas monobloco. Evolução das máquinas e do material circulante, das pontes, dos sinais, dos bilhetes e das velocidades...
Uma grande aventura humana, na qual permanecem como protagonistas os quase sempre ignorados ferroviários. Orgulhosos nas suas velhas fardas, zelosos na pontualidade e na segurança, caldeados nas lutas operárias, foram sempre eles o garante de um serviço público mantido por vezes a duras penas.
De resto, em cento e cinquenta anos, mudou quase tudo no caminho-de-ferro português.
Ninguém o diria, mas o passageiro que hoje toma tranquilamente o ?Alfa? para ir de Braga a Faro exerce um direito ao transporte inimaginável pelos seus tetravós, que nasciam, viviam e morriam no mesmo lugar...
Imagem:Rui Capitão
Edição e pós-produção vídeo:Paulo Alexandre
Grafismo:Regina Freire
Imagem aérea:Jorge Humberto
Sonorização:Luís Mateus
Iagem de arquivo:Arquivo RTP, Bob Dockerty, ANIM ? Cinemateca Nacional, Gaumont-Pathé
Fotografia:Arquivo CP, DGTT
Pesquisa audiovisual:Paula Pebre
Asistência de programas:Paula Quitéria
Anotação:Regina de Morais
Locução:José Neto
Produção: João Barrigana
Um documentário do jornalista Paulo Silva Costa