Uma autêntica parábola lisboeta, grave e cínica mas ao mesmo tempo romântica e surrealista, sobre o prazer da liberdade de costumes, numa das mais notáveis realizações de João César Monteiro
A Comédia de Deus, de João César Monteiro, é a segunda obra da trilogia de aventuras de João de Deus, que se inicia em Recordações da Casa Amarela e termina com As Bodas de Deus.
Vencedor do prémio do júri do Festival de Veneza em 1995, "A Comédia de Deus" é um filme corrosivo e irónico. João de Deus, embora acedendo a um novo estatuto social, acaba uma vez mais por não se integrar na sociedade, quebrar as regras e ir além do pudor e dos bons costumes.
Com a ajuda de Judite (Manuela de Freitas), uma antiga prostituta, João de Deus (João César Monteiro) é gerente do "Paraíso do Gelado", uma gelataria de Lisboa para a qual inventa diversas especialidades como o famoso gelado "Paraíso". A proprietária não gosta do gerente mas depende do seu talento para criar sabores novos e exóticos. Homem de meia-idade, solitário, João de Deus continua a seduzir jovens raparigas e dedica-se a colecionar pelos púbicos femininos, que guarda no precioso álbum a que chama "Livro dos Pensamentos". Um belo dia convence a linda Joaninha (Cláudia Teixeira) de olhos verdes, filha do corpulento talhante do bairro (Rui Luís), a ir a sua casa. O Sr. Evaristo não perdoa e deixa João de Deus quase em estado de coma. Hospitalizado de urgência, consegue escapar à morte mas Judite não se compadece e João de Deus é despedido por justa causa e posto na rua: "não são vocês que me expulsam, sou eu que vos condeno a ficar!".
Prémio do Juri no Festival de Veneza de 1995, A Comédia de Deus, é uma das mais notáveis realizações de João César Monteiro, que retomava, assim, a sua emblemática personagem de ficção, João de Deus, poeta, vagabundo e libertino lisboeta, num filme de irresistível ironia e servido pelos belos tons da magnífica fotografia de Mário Barroso, pelos diálogos saborosos e sardónicos de Monteiro, pela sua precisa e inteligente "mise en scène" e pela segurança do seu pitoresco, jovem e belo elenco, que a sua figura esquelética, lacónica e voraz domina, apesar de tudo. Uma autêntica parábola lisboeta, grave e cínica mas ao mesmo tempo romântica e surrealista, sobre o prazer da liberdade de costumes, em que João de Deus, tal como há muitos anos Chevallier num célebre musical americano, também agradece aos céus a existência das garotas.