O governo de Cardoso Torres finalmente caiu. Não foi por votos que o deitaram abaixo mas por uma revolução. O General decidiu fazer mais um golpe militar e pronto, o exército em armas e o ministério corrido a pontapé para os respectivos lares. Alípio era um parlamentar, um defensor da Carta e como se pode imaginar, a tropa á solta pelas ruas de Lisboa foi qualquer coisa que lhe deu volta ao estômago e decidiu resistir. Se fosse necessário tornaria á Bandeira para defender os velhos princípios constitucionais contra a arbitrariedade das armas e dispôs-se a morrer pela causa da democracia e do parlamentarismo. Quer dizer, pôs a correr que estava disposto a morrer por essa causa, muito embora a dimensão do golpe não fizesse prever derramamento de sangue. Por outro lado, na sua casa estava decidido que ninguém poderia apoiar o golpe do general senil e os discursos contra o militarismo subiram de tom. Porém, de repente, tudo esmoreceu. Um enviado do general entrou pela sua roda de amigos parlamentaristas com uma carta dirigida a Alípio onde o convida a ser ministro da Justiça. Parecia milagre. O inimigo da ordem constitucional era agora o grande herói que sob a força as armas depusera o governo corrupto de Cardoso Torres e reconhecia as grandes qualidades de Alípio. Cresceu a vozearia e o entusiasmo e não deixou de causar espanto a firmeza de Alípio: Não, não aceito!
Ninguém percebia. Recusar o lugar de ministro? A reacção foi dura. O sogro tornou a tratá-lo por banana, a Fradinho arrastou o marido e o amante para fora de casa e Luísa Amado lamentou a desdita da filha de ter casado com criatura com tão pouca ambição. Virgínia foi mais radical. Deixou de lhe entrar no quarto. A única pessoa que agradeceu a determinação de Alípio foi o Doutor. Agora as noites eram menos solitárias na companhia da fogosa amante.
Na noite dessa recusa começou o período mais negro da vida de Alípio Abranhos. Valeu a pena. Anos mais tarde haveria de ufanar-se de todas as humilhações sofridas.