Ás vezes recordava-se do seu antigo patrono Vaz Correia. A vida de deputado corria sonolenta. Foi talvez por isso que teve a sensação que o Ministério de Cardoso Torres, e que ele apoiava, estava por um fio. Quando um governo dá sono, é sinal que está moribundo e Alípio Abranhos decidiu que chegara a hora de mudar de bancada parlamentar. Era notória a simpatia do rei pela partido nacionalista de Guedes de Navarro. Depois, deputado por Freixo de Espada á Cinta não lhe assegurava grande estabilidade. Como costumava dizer, a política só faz sentido se se arriscar. Ora ficar naquela bancada que apoiava o moribundo governo era esperar sem esperança. Os melhores lugares estavam ocupados. Havia muitos familiares e amigos à espera de um lugar na política ou na administração. Precisava de dar nas vistas e assim preparou o salto. Se a coisa corresse bem, não só garantia um lugar de deputado para todo o sempre, como podia pensar mais alto. Um ministério, por exemplo.
E pronto. Medidos os prós e os contras, um dia em que menos esperavam, deu a golpaça. Depois de uma introdução em falava da sua profunda dor em separar-se dos seus amigos, como um Egas Moniz justificou a passagem para o outro partido : no dia em que vejo que eles impelem a minha Pátria - esta Pátria que amo mais do que amei minha mãe- para os abismos e para a ruína.
A confusão no Parlamento foi de arrasar e Zagalo ainda não refeito da surpresa, comentava: Gostei daquela parte em falou do amor da pátria maior do que o amor de mãe. Mas não tinha dito V.Exª que nunca conhecera a sua mãe?
- E quem te disse, Zagalo, que para amar a mãe, é preciso tê-la conhecido?
A pergunta era profunda. Tal como profundo foi o desgosto entre a família Amado. Logo agora que Alípio tinha sido pai. Logo agora que toda a corte que se juntava na sua casa, desde a Fradinho ao Doutor, passando pelo Coronel e pelo bacharel Tavares esperavam algumas nomeações de prestígio antes das próximas eleições. O desembargador voltou á antiga fórmula: "Eu sempre disse. É um banana!" enquanto Virgínia, a quem a maternidade deixara mais fogosa, paradoxalmente, lhe começou a virar as costas quando chegava a hora da cama.
Alípio resistiu ao desprezo, e até ao duelo que teve de travar com um deputado do seu antigo partido e do qual saiu sangrando um pouco de uma orelha e vomitando descontroladamente do medo que sentira.