Entrou no Parlamento disposto a fuzilar aliados e adversários. Fuzilar era o termo correcto embora não se tratasse de matar ninguém. Queria fuzilá-los com a eloquência. Estudava retórica com afinco, conhecia Demóstenes e Catilina, na filosofia estava com S.Tomás de Aquino mas sobretudo estava contra os bárbaros. Na sua casa era proibido falar de Hegel ou de Proudhon enquanto sobre literatura quem decidia era D.Laura. O que ela autorizasse do seu terrível index era o que se lia.
Porém, Alípio precisou de pôr em dia alguns negócios terrenos. O primeiro foi acabar com a banca no escritório de Vaz Correia. O antigo patrão e o homem que lhe abrira as portas da política e do casamento, ainda lhe disse que não vinha a calhar, que era uma altura de muito trabalho, que se ele pudesse conciliar durantes mais dois meses a actividade de deputado com a actividade no escritório lhe dava imenso jeito. Ainda por cima, como deputado Alípio não tinha grande coisa para fazer.
O que o desgraçado do Vaz Correia disse! Quem fala assim da classe política, da mais nobre arte que qualquer país conhece, quem desprestigia desta maneira o trabalho de um deputado da Nação não é digno de ser amigo, pior, não é digno de ter amigos.
Vaz Correia ainda tentou ripostar. Explicar que não tinha intenção de ofender. De nada valeu. Alípio não aceitava tais desculpas que não o agrediam a ele, mas a Pátria. Por isso, que arranjasse outro bacharel e que não chateasse.
Resolvido o caso profissional, outro problema de não menor importância precisava dos seus cuidados. A Alice, a mulher do correeiro, estava irremediávelmente prenha. Era grave, mas mais grave é que o palerma do marido não se convenceu que era o pai da criança. É que dois meses de atraso e convencê-lo, tal como tinha sugerido Alípio, que a criança era de sete meses ainda vá que não vá. Mas o homem chegou fraquíssimo do hospital. Comida de dieta e a ressaca das bexigas arrumaram-no durante meses e quando Alice foi obrigada a dizer que estava grávida pois a barriga não parava de encher, o correeiro revelou a sua alma plebeia: Rua!
E a pobre desgraçada viu-se sem amparo. Foi então que se lembrou de Alípio mas este nunca
estava e as necessidades da vida fizeram com que Alice entrasse na vida. Quando nasceu a criança era desgraçadamente mulher da rua, ainda por cima sem estar matriculada. Era demais para o deputado. Mandou Zagalo dizer que não conhecia mulheres de vida fácil. Se tinha um filho que nele se inspirasse para ganhar juízo em vez de enveredar pelo caminho do pecado. Mais: que não tornasse a bater-lhe á porta que da próxima vez, não lhe mandava o secretário. Mandava-lhe os cães.