Alípio formou-se em Coimbra. É bacharel de direito e desenvolve a sua actividade como advogado no escritório do Dr. Vaz Correia, sendo seu colega o Dr. Pimentel. Para além da advocacia, Alípio dedica-se ao jornalismo numa folha mensal que se chama A Bandeira e cujo director é o conselheiro Gama Torres, homem, segundo se diz de prodigiosa inteligência e profunda cultura mas que por razões de sovinice intelectual apenas se lhe conhece a seguinte e sempre repetida argumentação sempre que se debate algum tema social: Ele há nuitas questões! Questões terríveis: a pobreza, a prostituição! São grandes questões! Questões terríveis!...
Subordinado ao poder que dimana dos dois homens - Vaz Correia no escritório, Gama Torres no jornal - Alípio Abranhos vê-se constrangido aos limites mais estreitos da sua
actividade: como advogado apenas defende causas menores, como jornalista escreve artigos de menor importância e sempre com a preocupação de não ferir a sensibilidade do conselheiro.
De amores a vida não corre melhor. Sem conseguir penetrar na alta sociedade lisboeta, onde passeiam as filhas dotadas das famílias ricas e poderosas, Alípio conforta-se de afectos e sexualmente com criadas de servir e muito particularmente com a Alice, mulher de um correeiro da Rua das Portas de Stº Antão, sabendo que dessas aventuras clandestinas não vem mal ao mundo e, sobretudo, não representam qualquer perigo para a carreira que ambiciona. Nesta fase da sua vida, ninguém se iluda sobre o que ele pensa sobre uma carreira: é um homem simples, de ambição limitada e, por isso, carreira para Alípio Abranhos é casar rico. Depois logo se verá.
Na Revolução trabalha um velho redactor, antigo copista, que Lisboa não conhecia outro igual. Quando era novo, das suas mãos saíram os mais belos pergaminhos e o melhor abecedário gótico de que havia memória. A chegada do papel, a obscena e suja actividade do tipógrafo, arrumando letras de chumbo a eito, a transformação radical da imprensa tinham-lhe retirado o prazer da escrita e era com algum enfado que redigia as suas crónicas mundanas para o periódico que lhe matava a fome. Chamava-se Zagalo, mais tarde secretário do Conde d¿Abranhos e o homem que decidiu compilar as ilustres memórias daquele que viria a ser um ilustre serviço do Rei e da Pátria.