O Teatro Também Se Lê: Luísa Cruz lê Sophia de Mello Breyner Andresen
15 nov. 2023
Dois textos fundamentais de Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja carreira de 60 anos está intimamente ligada às ondas e ao sal dos oceanos. Profundamente mediterrânica na sua tonalidade, a linguagem poética de Sophia de Mello Breyner denota uma sólida cultura clássica, onde se inscreve a sua paixão pela cultura grega quase sempre presente e onde a relação do signo com o mundo circundante é uma relação de transparência e luminosidade, como podemos ver em Homero. Em o Retrato de Mónica, feito sob a forma de caricatura e com um leve tom irónico, assistimos à personificação de tudo o que ideológica, religiosa e literariamente constitui um reverso do modelo de relação do homem consigo mesmo, com o seu semelhante e com o mundo elementar. "Para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade". Pela renúncia ao primeiro, Mónica "mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas" e "põe a sua inteligência ao serviço da estupidez"; pela renúncia ao segundo, Mónica e o marido "Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma"; pela renúncia à santidade, Mónica "está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo". Símbolo do triunfo do materialismo e imagem do poder temporal, o "Retrato de Mónica" constitui uma violenta acusação a um tempo indiferente a valores e princípios humanistas e cristãos.