Pedro Costa assina um dos filmes portugueses mais incómodos de sempre, que constitui um surpreendente manifesto sobre a pobreza
Num bairro crioulo de Lisboa, um bebé sobrevive a várias mortes. A sua jovem mãe, Tina, desespera e liga o gás. Socorrido pelo pai, dorme na rua e bebe leite da caridade. Por duas vezes, quase que é vendido. Mas Tina não o esquece e procura vingança.
Num dos miseráveis bairros de lata de Lisboa, Clotilde e a sua família partilham uma barraca com Tina e o seu companheiro. Clotilde, como todas as manhãs, deixa o bairro para trabalhar como mulher a dias, enquanto Tina dá à luz numa maternidade. O seu companheiro não a vai buscar e é Clotilde que acompanha Tina a casa. Esta tenta suicidar-se com gás, na companhia do bebé, e o seu companheiro leva a criança com ele, na esperança de conseguir mais atenção nas ruas de Lisboa, onde pede esmola. Conhece Eduarda, uma enfermeira de meia idade que decide ajudá-lo e a quem ele tenta vender o bebé. Por fim encontra uma nova mãe para a criança na pessoa de uma prostituta, enquanto Clotilde e Tina se amparam e ajudam no seu quotidiano de miséria.
Premiado em Veneza e Belfort, "Ossos", de Pedro Costa, é um dos mais singulares e impressionantes filmes portugueses de sempre. Crónica urbana de miséria e tristeza, "Ossos" está filmado em atmosfera de documentário forjado, onde Pedro Costa, com espantosa economia narrativa, se limita, quase, a filmar comportamentos até aos limites do suportável. Raramente se terá captado com tanta crueza e violência emocional a dolorosa apatia dos sem recursos, sem estatuto, sem cidadania e sem perspetivas. Um surpreendente "manifesto naturalista" sobre os estados de pobreza dos nossos dias, filmado com inteligência e sensibilidade, onde se refletem todas as contradições da sociedade urbana portuguesa. Um filme incómodo, sombrio e quase provocador, no vergonhoso e preciso retrato que dá da realidade quotidiana de um país europeu no limiar do século XXI.