LUÍS CÍLIA por João Carlos Callixto

"Sou Barco" - 6 Out 1981

Um dos músicos mais prolíficos em Portugal nas décadas de 60 a 80, Luís Cília é o nome que hoje chamamos ao “Gramofone”. A sua carreira começa em grupos de pop rock, tendo integrado na viragem dos anos 50 para 60 os Golden Boys, ao lado de dois futuros membros do Conjunto Mistério e dos Sheiks, Luís Waddington e Edmundo Silva.

Será em França, país para onde parte em 1964, que Luís Cília grava o seu primeiro disco. “Portugal-Angola – Chants de Lutte” é publicado na prestigiada editora Chant du Monde, com a ajuda da amiga e cantora Colette Magny.

Nesse trabalho, Cília musica poemas de vários autores contemporâneos portugueses e africanos, como Daniel Filipe, Jonas Negalha, Manuel Alegre ou António Borges Coelho, que não receiam pôr os dedos nas feridas de uma guerra colonial que arrastava consigo uma geração de jovens.



“Sou Barco”, a nossa música de hoje, é um texto de Borges Coelho, poeta e historiador, e que nesse mesmo ano de 1964 publicava a obra “Raízes da Expansão Portuguesa”. O poema tinha sido escrito na prisão de Peniche, onde o autor permanecera detido mais de seis anos, e é também em frente à fortaleza que Luís Cília a canta, num programa apresentado por Manuel Alegre e gravado para a RTP em 1981.

Até hoje, “Sou Barco” conheceria pelo menos mais três versões: logo em 1967, Adriano Correia de Oliveira grava aquela que se torna porventura a mais conhecida, várias vezes reeditada; em 1970, surge uma versão inesperada, pelo cançonetista Valério Silva, que a inclui num EP gravado para a Alvorada; mais recentemente, em 2007, Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero, grava a sua versão para a colectânea “Adriano Aqui e Agora”, que o radialista Henrique Amaro produz como homenagem ao cantor desaparecido em 1982.

Luís Cília permaneceria em França até 1974, editando uma trilogia de álbuns consagrada à poesia portuguesa clássica e contemporânea no selo Moshé-Naïm, para onde gravava outro músico e amigo, o espanhol Paco Ibáñez. Na segunda metade da década de 60, escreve a música “Avante Camarada”, que foi gravada na União Soviética por Luísa Basto e que se tornaria depois o hino do Partido Comunista Português.



Já na década de 70, Luís Cília seria pioneiro na introdução de técnicas da composição electroacústica no campo da música popular, tendo a sua obra sido apresentada nos Encontros Gulbenkian de Música Contemporânea. Continuando a gravar ininterruptamente até finais da década de 80, Cília produziu ainda discos de Manuel Freire, de Mário Viegas ou de Né Ladeiras. A escrita de música para filmes, peças de teatro e dança tem sido a sua principal actividade desde essa altura, permanecendo por reeditar a quase totalidade da sua obra, uma das mais vastas e distintas do panorama nacional dos últimos cinquenta anos.