JANITA SALOMÉ por João Carlos Callixto

4 Fev 1984 - "Tardes de Casablanca"

Se as músicas de expressão árabe têm em Portugal algum pequeno destaque em termos de reconhecimento de um público generalista, um dos grandes responsáveis por tal é o cantor alentejano Janita Salomé. É ele a voz e o talento em destaque neste “Gramofone”, com um videoclip de 1984 para a canção “Tardes de Casablanca”, feito então pela RTP.

Irmão mais novo de Vitorino, Janita surgiu primeiro integrado no Grupo de Cantadores de Redondo, que em 1978 publicou na editora Orfeu o álbum “O Cante da Terra”. Em paralelo, surge também ao lado do irmão nos primeiros álbuns deste, publicados na histórica editora fundada por Arnaldo Trindade mais de vinte anos antes. Seria também pela Orfeu que em 1980 Janita publica o seu primeiro disco a solo, “Melro”, um trabalho que une o cante alentejano (que ocupava todo o lado A do LP, com canções como “Os Homens do Largo” ou “Alvorada em Abril”) e a canção de Coimbra (no lado B, que abria com uma guitarrada de Octávio Sérgio e Durval Moreirinhas e que depois era composta por cinco canções do reportório de António Menano). Sérgio e Moreirinhas marcariam aliás presença no álbum de José Afonso do ano seguinte, “Fados de Coimbra e Outras Canções”, onde Janita era também convidado. Até 1983, ano do seu segundo álbum, participa ainda nos novos discos do irmão Vitorino, no álbum de estreia do espanhol Antonio Portanet e ainda no histórico álbum “Ao Vivo no Coliseu”, de Zeca.

Seria precisamente com o segundo álbum, "A Cantar ao Sol", que abria com estas “Tardes de Casablanca”, que se inaugurava publicamente o fascínio de Janita pelas músicas do mundo árabe. Os arranjos com instrumentos como o alaúde, a taarija e o bendir e a poesia de Hipólito Clemente ou Luís de Andrade, para não falar da colocação vocal de Janita, remetiam para um raro cruzamento entre universos musicais e que se viria a tornar uma das características definidoras da sua obra até aos dias de hoje. A letra de “Tardes de Casablanca” é precisamente do livreiro, pintor e poeta Hipólito Clemente, a quem Janita voltaria a recorrer e que na mesma altura chegou a ser musicado também por Mário Piçarra para o grupo Terra a Terra.

Ao longo dos trabalhos seguintes e até aos dias de hoje, Janita tem privilegiado sempre a grande poesia, desde Fernando Pessoa a Herberto Helder ou desde o árabe Al-Mu'Tamid ao americano Charles Bukowski (que Janita, que até fora vocalista de um conjunto de baile, canta de forma inédita em inglês no seu mais recente disco, “Valsa dos Poetas”). Nos anos 90 e já no séc. XXI, integrou projectos como a Lua Extravagante ou Muxima (este de homenagem ao Duo Ouro Negro), ambos com Filipa Pais, mostrando que a sua arte está sempre ao serviço de uma causa maior – a da Música. Privilegiados nós por podermos escutá-lo!