AMÁLIA RODRIGUES por João Carlos Callixto

1968 - Programa Estúdio C, “Partindo-se”

Se o Século XX musical no nosso país só tivesse um nome, muito provavelmente esse nome seria o de Amália Rodrigues. Possuidora de um talento inato para cantar, são também de sua autoria muitos dos textos que conhecemos na sua voz ou na voz de outros, como “Estranha Forma de Vida”, “Grito”, “Lágrima” ou “Ó Gente da Minha Terra”.

Numa carreira iniciada em 1939 e que se estendeu até à sua morte, em 1999, Amália começou no fado tradicional mas rapidamente rompeu barreiras. Quando grava no Brasil os seus primeiros discos, em 1945, no selo Continental, inclui desde logo um texto seu – “Corria Atrás das Cantigas”, que não vinha creditado no 78 rpm original – ou ainda um poema de um autor do final do séc. XIX - “As Penas”, de Fernando Caldeira, e que durante décadas surgiu como se fosse de Guerra Junqueiro.



Amália apresentou-se várias vezes em programas da RTP, desde o início da estação pública, e muitos são os que sobreviveram até aos dias de hoje. Esta emissão de “Estúdio C”, de 1968, mostra-a ao lado do Conjunto de Guitarras de Raul Nery, com a sua formação clássica: Raul Nery e Fontes Rocha, nas guitarras portuguesas, Júlio Gomes, na guitarra, e Joel Pina, no baixo.

“Partindo-se” é um poema do séc. XVI, de João Roiz de Castelo Branco, compilado por Garcia de Resende no seu “Cancioneiro Geral”, e que já em 1962 tinha sido gravado por Celeste Rodrigues, irmã mais nova da fadista. No mesmo ano, o cantor coimbrão Barros Madeira inclui a sua versão deste poema num álbum que grava para a etiqueta americana Monitor, onde também surgia pela primeira vez José Afonso sem o acompanhamento de guitarras portuguesas. Em 1963, seria outro nome ligado a Coimbra, Adriano Correia de Oliveira, a gravar o poema, com música de Fernando Machado Soares.



Quando a Valentim de Carvalho publica o single “Amália Canta Poesia Medieval Portuguesa”, a 29 de Abril de 1968, inclui “Partindo-se” no lado B, sendo que tanto essa composição como o lado A – “Nós as Meninhas”, esta sim com um texto do autor medieval Pero de Viviães – tinham música de Alain Oulman. O grande transformador da carreira de Amália logo desde o início dos anos 60 tinha sido também o responsável por Amália ter cantado Camões, o que três anos antes causara enorme alarido pelo carácter de ineditismo.

Mas Amália nunca se fecharia em modas e a poesia da Idade Média e do Renascimento surge noutros trabalhos seus, tal como todos os outros grandes poetas e compositores que já o eram antes de chegarem à sua voz e/ou que o passaram a ser precisamente por essa sua forma de os elevar ao povo.