Personagens bíblicos são sempre temas sensíveis, quando o objectivo é explorá-los literariamente. Pascoaes não teve receio de arriscar e eis uma biografia singular do arauto do Cristianismo: São Paulo. Homem complexo, que viu na perseguição dos cristãos o grande objectivo da sua primeira etapa de vida, Paulo converteu-se num dos maiores crentes das palavras que um outro homem, Jesus de Nazaré, legou à Humanidade. Na estrada de Damasco, em plena caça ao cristão, a queda do cavalo e a luz imensa que o cegou por momentos deram origem a uma missão que poucos poderiam prosseguir. Dessa revelação, em que ecoaram perguntas fundamentais ("Paulo, Paulo... porque me persegues?"), surgiu um novo homem e uma nova esperança para a religião que grassava pelo Império Romano, como um rastilho de pólvora sem falhas. Depois de Paulo e das suas viagens pelos cantos mais recônditos de um Império que tentava reprimir as ideias de Jesus, o Cristianismo floresceu e espalhou-se pelo mapa. Pascoaes, à semelhança de outras biografias que constroem a sua obra (Napoleão, São Jerónimo, são outros exemplos), teve no seu "São Paulo" um máximo lírico: cada frase soa a aforismo, numa poética construção da biografia de um santo. Se a revelação de Paulo lhe queimou os olhos e a alma, também Pascoaes nos consegue queimar a mente e regressar a cada frase para lhe extrair mais um pouco de beleza.