Sempre que Saramago avança(va) com a publicação de um romance histórico, existem duas certezas pré-leitura: a investigação do passado recriado é rigorosa, mas a História funciona como catapulta para o tom irónico e altamente crítico que define o autor. Em "Memorial do Convento", a sua obra-prima ou, segundo dados mais concretos, a sua ficção mais conhecida / mediática, esta regra não é quebrada... e temos uma narrativa singular sobre um "tal" Palácio Nacional de Mafra e as vidas que se coseram em torno desse "monstro" marmóreo. Os monarcas do Portugal do início do século XVIII são figuras centrais e, como não podia deixar de ser, das mais ridicularizadas. A infertilidade, as intrigas da corte e os próprios hábitos de higiene (incluindo a sua inexistência) servem de mote para o retrato de uma época importante da história portuguesa: a chegada do ouro do Brasil e a sua utilização "magnânima". D. João V e a sua rainha D. Maria Ana Josefa convergem e separaram-se nos corredores imensos do Convento (o verdadeiro protagonista da narrativa), envoltos em casacas douradas, em querubins rechonchudos pintados de fresco e em insectos minúsculos que sugam as suas peles sebentas.
Mas é a arraia-miúda que avança a história e que, pela sua singularidade, deixa um rastro de perfeição ficcionada. Se o padre Bartolomeu de Gusmão (entidade real que criou o objecto voador conhecido como "Passarola") permite essa identificação com a realidade histórica, o casal principal assume essa função de fuga da verdade (embora sempre discutível). Baltasar e Blimunda, mais do que seres complementares, são um espelho da plebe lusitana numa época de corrupção aos mais altos níveis. Ele, operário na im