O século XIV foi, à falta de melhor termo, uma das épocas mais complicadas, difíceis e indecisas por que Portugal passou. Uma nova dinastia, muito sangue derramado, a ameaça castelhana e, pela primeira vez, um tal primor na intriga política são motivos de sobra para que esta(s) história(s) merecesse(m) um lugar de destaque na literatura portuguesa... porque alguém a registou e porque os seus escritos nos chegaram. Mas Fernão Lopes, nome desse incansável escrivão, foi mais do que um mero registador de acontecimentos. Com um faro jornalístico, uma curiosidade incansável e um precoce rigor na recolha e tratamento dos dados, as suas Crónicas são um tesouro não só literário como historiográfico. D. Pedro, D. Fernando, D. João e D. Duarte foram quatro monarcas portugueses, mas, depois de Fernão Lopes, surgem-nos como quatro homens, com responsabilidades imensuráveis sobre os ombros, rodeados por amigos, inimigos, traidores e mártires. Momentos como a Batalha de Aljubarrota, além das informações que apresenta e que seriam impossíveis de obter de outra forma, são épicos pintados por pinceladas de humanidade, em que o medo é representado pelo que é e a coragem é devida aos heróis que a distribuíam. Depois de Fernão Lopes, a literatura portuguesa teve heróis humanos e uma técnica narrativa sublime pela sua abrangência.