O estado da nação em 1918. Em que se apoiava o esforço de guerra

por RTP

Os casos de vários jovens mobilizados em 1917 para a Flandres reflectem, por um lado, o atraso e a ruralidade do país, mas também, por outro, um desejo presente em muitos de deixar o horizonte pobre da aldeia, num momento em que o mundo está a mudar.

Em vésperas do descalabro sofrido pelo Corpo Expedicionário Português (CEP), Portugal é um país rural, atrasado, com uma população em grande parte analfabeta e que permanece, apesar da implantação da República, profundamente influenciada por uma Igreja pouco entusiasta da guerra na Europa.

Por outro lado, mais até do que o sobressalto político de 1910, esse país real foi sacudido pelas ondas de choque do conflito mundial. A paisagem económica e social está a mudar, sob o efeito convergente das restrições ao consumo próprias da guerra e das terapias de choque decretadas pelas autoridades republicanas.

Os recrutas mobilizados para África e, depois, para França reflectem esta realidade contraditória.
O país de 1918 no espelho dos seus soldados
Na aldeia de António Santos, havia um modo de viver que parecia em muitos casos recém-saído da Idade Média. A mãe teve vinte filhos, dos quais dez sobreviveram.

António era o mais velho. Ao ser incorporado, foi para Bragança, fazendo a pé o trajecto de Chaves para Mirandela - com equipamento pesado às costas, cerca de 50 quilómetros. Só depois, de Mirandela para Bragança, se deslocou de comboio, tal como de Bragança para Tancos.
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João Augusto Calapez, nascido em 1892 em Cercal do Alentejo, viveu até 1973. Rosa Leitão recorda das conversas com seu avô que o antigo combatente da Flandres, já com a idade de 23 anos à data da incorporação, foi voluntariamente para o CEP e recebeu treino militar em Tancos. Mas esse treino era muito rudimentar.
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O percurso seguinte, de Tancos para Lisboa, daí num navio até França, e de Paris num comboio até à Flandres é descrito, bem como a marcha a pé até ao local onde deveriam ocupar posições na frente, sob o controlo britânico. Este último segmento do caminho foi já o mais duro - para alguns soldados do CEP demasiado duro.
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Manuel Leandro Revez, nascido em 1898 em Morientes, perto das Minas de S. Domingos, Alexandre Leandro conta que o avô viu o serviço militar quase como uma escapatória para a pobreza do ambiente em que vivia.

Quando o avô vai para a tropa, encara esse passo com naturalidade, como quem procura emprego.
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Pensa que irá para as colónias e recebe instrução militar em Tancos. Só depois vem a saber que irá, afinal, para a Flandres.
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Como recorda a historiadora Ana Paula Pires, a população portuguesa era em 1914 maioritariamente rural e analfabeta. A propaganda republicana nunca conseguiu ganhá-la plenamente para a guerra.

Muitos dos jovens convocados para as fileiras receberam a convocação apreensivos; mas outros viram nela a oportunidade para irem além do horizonte limitado da sua aldeia, ver a cidade, ver o mar, viajar num navio.
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Na correspondência dos soldados para casa, minuciosamente analisada pelo historiador Manuel Albino Penteado Neiva, muitas vezes surgem referências às devoções religiosas e à ideia de que um ser superior os protegerá dos perigos da guerra.
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Um dos exemplos da fé religiosa é o de um soldado, que encontrou um conterrâneo de Lúcia, a pastorinha de Fátima, e, ao ser informado por este que a jovem conta com uma nova aparição, escreve ao pai dela, sr. António Abóbora, a pedir-lhe que transmita à anunciada visitante o seu pedido de protecção face aos perigos, para si e para os seus camaradas, e de um rápido fim da guerra.
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A Igreja, por seu lado, manifestara alguma antipatia pela participação portuguesa na guerra, especialmente na Flandres. Também isso teria de ter os seus efeitos sobre a disposição de um contingente em que havia largo número de crentes.
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A República e a economia de guerra
Ana Paula Pires tem investigado de forma sistemática o impacto da Primeira Grande Guerra na economia portuguesa e assinala a existência de uma economia de guerra em Portugal, antes mesmo da declaração formal de beligerância, em 1916.

Logo em 1914, diz-nos Ana Paula Pires, o Governo presidido por Bernardino Machado tem a noção clara de que a economia vai ser afectada. Admite-se que pode haver fenómenos de escassez de bens de primeira necessidade e criam-se organismos reguladores que acautelem o abastecimento desses bens, desde logo e em primeiro lugar do trigo. Logo na primeira semana de guerra, começam a tomar-se medidas nesse sentido.
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O fenómeno nada tem de especificamente português. A Primeira Guerra Mundial distingue-se das anteriores por envolver não só os militares, mas também o conjunto da sociedade, com implicações profundas no dia a dia da população civil.
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Naturalmente, o preço do trigo é uma pedra angular de qualquer política económica de guerra. Há cem anos atrás, o trigo era a base da alimentação do povo. Sem trigo faltava o pão, multiplicavam-se os protestos, as greves, os tumultos.

O tabelamento do preço do pão leva ao desenvolvimento de uma economia paralela, que atesta o fracasso das medidas administrativas adoptadas.




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