Trump não exclui exibir músculo militar para somar Canal do Panamá e Gronelândia aos EUA

por Cristina Sambado - RTP
Tom Brenner - Reuters

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, reiterou na terça-feira as ambições de anexar o Canal do Panamá e a Gronelândia, em conferência de imprensa divagante e provocadora, que suscitou respostas firmes dos países em causa.

Na conferência de imprensa realizada em Mar-a-Lago, o presidente eleito dos Estados Unidos recusou-se explicitamente a dar garantias contra o recurso à coerção militar ou económica, quando questionado sobre os seus planos em relação ao Panamá e à Gronelândia.

“Não posso garantir-vos nada sobre nenhum dessas duas zonas”, afirmou Trump em resposta à pergunta de um repórter. “Mas posso dizer que precisamos deles para a segurança económica”.O duplo enfoque no Panamá e na Gronelândia representa uma tentativa enigmática de expandir o controlo territorial dos EUA em nome da segurança nacional e económica. Enquanto o Canal do Panamá estava anteriormente sob o controlo dos EUA, a Gronelândia continua a ser um território autónomo da Dinamarca.

Os comentários foram feitos durante uma sessão de divagação com os jornalistas na sua casa na Florida e irão provavelmente fazer soar alarmes diplomáticos em todo o mundo, numa altura em que Trump se prepara para regressar à Casa Branca no final deste mês com uma agenda de nacionalismo americano musculado.

O encontro com a imprensa deveria ser sobre um investimento dos Emirados para a construção de novos centros de dados nos Estados Unidos. No entanto, Trump expulsou rapidamente este assunto para abordar um vasto leque de temas durante mais de uma hora.Canal do Panamá

Os comentários de Trump vêm na sequência de uma série de declarações cada vez mais conflituosas sobre o canal, incluindo uma ameaça recente de que os EUA “exigiriam que o Canal do Panamá fosse devolvido aos Estados Unidos da América - na íntegra, rapidamente e sem questionamentos”.

Segundo Trump, o Canal do Panamá, que foi transferido para o controlo do Panamá em 1999 ao abrigo de um tratado de 1977, estava a ser “operado pela China”, uma afirmação que surge no meio dos seus repetidos apelos para que a via fluvial estratégica seja devolvida ao controlo dos EUA. O presidente eleito já tinha afirmado em várias ocasiões que pretende recuperar o Canal do Panamá, construído pelos Estados Unidos e inaugurado em 1914, se o preço das portagens para os navios americanos não for reduzido.

“O Canal do Panamá foi construído para os nossos militares”, acrescentou Trump. “O Canal do Panamá é vital para o nosso país. Está a ser operado pela China. A China! E nós demos o Canal do Panamá ao Panamá, não à China”.


Na terça-feira, o futuro inquilino da Casa Branca voltou a criticar o acordo assinado em 1977 pelo então Presidente Jimmy Carter, que levou à transferência do controlo do canal para o Panamá em 1999.

O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, já rejeitou as exigências de Trump, declarando que “cada metro quadrado” do canal permaneceria sob a soberania panamiana.


A troca de palavras marca uma escalada dramática na retórica sobre a passagem marítima crucial, que os EUA construíram originalmente em 1914 e operaram durante a maior parte do século XX. A posição de confronto reflete as tensões que levaram à invasão do Panamá pelos EUA em 1989.

Em dezembro de 1989, os EUA lançaram a Operação Causa Justa, enviando nove mil soldados para se juntarem aos 12 mil militares americanos já presentes no país, com o objetivo de derrubar o ditador militar panamiano Manuel Noriega. A invasão, que resultou na morte de 23 militares americanos e de cerca de 500 civis panamianos, foi condenada pela Organização dos Estados Americanos e pelo Parlamento Europeu como uma violação do direito internacional.

O resultado foi o afastamento de Noriega, que mais tarde seria condenado a 40 anos de prisão nos EUA por tráfico de droga.
“Make Greenland Great Again”
Pouco antes do Natal, o presidente eleito tinha afirmado que o controlo da Gronelândia era “uma necessidade absoluta” para “a segurança nacional e a liberdade em todo o mundo”.

Na conferência de imprensa de terça-feira, Trump ameaçou com retaliações económicas contra a Dinamarca, afirmando que se este país resistisse às suas ambições territoriais, ele “iria tarifar a Dinamarca a um nível muito elevado”. E instou Copenhaga a “renunciar” a este território autónomo.

Trump falava na Florida enquanto o seu filho, Donald Trump Jr., aterrava na capital da Gronelândia, Nuuk, onde terá distribuído chapéus com a inscrição “Make Greenland Great Again”, apesar de ter afirmado que a sua visita era apenas turística.A Gronelândia é a maior ilha do mundo e alberga mais de 56 mil pessoas. Antiga colónia dinamarquesa e atual território autónomo da Dinamarca, ocupa uma posição geopolítica única, situando-se entre os EUA e a Europa. A sua capital, Nuuk, está mais próxima de Nova Iorque do que da capital da Dinamarca, Copenhaga.

Imagens de vídeo mostram Trump a dirigir-se a um grupo durante o almoço, durante uma chamada para o telemóvel do filho, dizendo: “Vamos tratar-vos bem”.

Para Trump possuir a Gronelândia é vital para a segurança dos EUA, mas os especialistas dizem que ele também pode estar de olho noutros aspetos da Gronelândia, como os seus recursos embora a prospeção de petróleo e a extração de urânio sejam proibidas - e pela sua importância geoestratégica. Os Estados Unidos já têm uma base militar no país.

A Groenlândia é vista há muito tempo como fundamental para a segurança dos EUA, especialmente para repelir um potencial ataque da Rússia.
A rota marítima da Passagem do Noroeste passa ao longo da sua costa e a ilha faz parte do fosso entre a Gronelândia, a Islândia e o Reino Unido, uma região marítima estratégica.

Trump não é o primeiro Presidente dos EUA a lançar a ideia de comprar a Gronelândia. Em 1867, quando o Presidente Andrew Johnson comprou o Alasca, também considerou a hipótese de comprar a Gronelândia. No final da Segunda Guerra Mundial, a administração Truman ofereceu à Dinamarca 100 milhões de dólares pela ilha, de acordo com documentos divulgados pela primeira vez pelos órgãos de comunicação social dinamarqueses.

No entanto, nenhuma das ofertas se concretizou, mas ao abrigo de um tratado de defesa de 1951, os EUA obtiveram uma base aérea, atualmente denominada Base Espacial de Pituffik, no noroeste da Gronelândia. A meio caminho entre Moscovo e Nova Iorque, é o posto avançado mais a norte das forças armadas americanas e está equipado com um sistema de alerta de mísseis.

A Gronelândia é nossa. Não estamos à venda e nunca estaremos”, escreveu o chefe de governo da Gronelândia, Mute Egede, no Facebook antes do Natal, após uma sugestão inicial de anexação.

Para a primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, “a Gronelândia pertence aos gronelandeses”.

“Não creio que seja um bom caminho combatermo-nos mutuamente com meios financeiros, quando somos aliados e parceiros próximos”, acrescentou Mette Frederiksen.

A representante da Groenlândia no Parlamento dinamarquês, Aaja Chemnitz, também já recusou a oferta de Trump, com um “ não, obrigada”.

“É inacreditável que algumas pessoas possam ser tão ingénuas ao ponto de pensar que a nossa felicidade pode ser alcançada ao tornarmo-nos cidadãos americanos”, escreveu Aaja Chemnitz no Facebook, recusando-se a ‘ser um peão nos sonhos ardentes de Trump de estender o seu império ao nosso país’.

Esta quarta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês afirmou que a União Europeia não vai tolerar ataques de outras Nações às suas fronteiras soberanas em resposta aos comentários de Donald Trump.

“É óbvio que não há dúvida de que a União Europeia deixaria que outras nações do mundo atacassem as suas fronteiras externas, sejam elas quem forem. Somos um continente forte”, afirmou Jean-Noel Barrots.
Tornar o Canadá o 51.º Estado
O discurso de Trump também se estendeu para norte, ao reiterar o seu interesse em utilizar a “força económica” para transformar o Canadá num Estado norte-americano e ao criticar o apoio militar dos EUA a um dos seus aliados mais próximos.

O Presidente eleitos dos EUA, sugeriu que o Canadá poderia tornar-se “o 51.º Estado” e referindo-se, de forma jocosa, ao primeiro-ministro cessante, Justin Trudeau, como “governador”.

Na terça-feira, numa publicação da rede social X, Trudeau reagiu fortemente à sugestão de Trump, escrevendo: “O Canadá nunca, mas nunca fará parte dos Estados Unidos. Os trabalhadores e as comunidades de ambos os países beneficiam do facto de serem o maior parceiro comercial e de segurança um do outro”.

“O Canadá nunca recuará perante as ameaças”, garantiu a ministra canadiana dos Negócios Estrangeiros, Mélanie Joly.

O que não impediu Donald Trump de publicar, algumas horas mais tarde, na sua rede social Truth, um mapa dos Estados Unidos que incluía o Canadá.
NATO e México não foram esquecidos
Donald Trump também relançou as suas acusações contra a NATO, que nunca escondeu desprezar, repetindo vezes sem conta que os seus membros não pagam o suficiente em troca da proteção dos Estados Unidos.

Para Donald Trump, os Estados membros devem aumentar o seu orçamento de defesa para cinco por cento do seu PIB, contra os dois por cento atualmente exigidos. “Todos eles podem pagar”, acrescentou.

Outro anúncio surpreendente, aparentemente mais simbólico: Donald Trump afirmou que, quando regressasse à Casa Branca, a 20 de janeiro, os Estados Unidos mudariam o nome do Golfo do México para “Golfo da América”.

Donald Trump criticou ainda o México, que “tem de parar de deixar entrar milhões de pessoas no nosso país”, referindo-se aos milhares de imigrantes ilegais que atravessam a fronteira sul.

Donald Trump atacou também as turbinas eólicas offshore, que “enlouquecem as baleias”, e o aquecimento elétrico. Segundo ele, o calor do aquecimento a gás é “muito melhor” e não provoca “comichão”.

c/ agências
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