"Perigo claro". Nomeação de Kennedy Jr. para secretário da Saúde gera críticas

por Cristina Sambado - RTP
Carlos Barria via Reuters

A nomeação de Robert F. Kennedy Jr. por Donald Trump para secretário da Saúde e dos Serviços Humanos dos EUA suscitou críticas generalizadas. Trata-se de um ativista anti-vacinas que abraçou uma série de outras teorias da conspiração relacionadas com a saúde e entretanto desmentidas.

Robert F. Kennedy Jr. é um perigo claro e presente para a saúde da nação. Ele não deveria ser autorizado a entrar no edifício do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS), muito menos ser colocado no comando da agência de saúde pública da nação”, afirmou a a Public Citizen, uma organização progressista sem fins lucrativos centrada na defesa do consumidor, numa resposta à nomeação de Kennedy.


Para a organização, “a má gestão da política de saúde pública de Donald Trump durante a pandemia de covid custou centenas de milhares de vidas. Ao nomear Kennedy como seu secretário do HHS, Trump está saudando outra catástrofe de saúde pública orientada por políticas”.

Apu Akkad, médico especialista em doenças infeciosas da Universidade do Sul da Califórnia, considerou o anúncio um “dia assustador para a saúde pública”.


“Estou a dizer isto vezes sem conta - mas será da maior importância tomar APENAS decisões ou mudanças de saúde pública com base em provas sólidas. Espero que tenhamos aprendido pelo menos isto com a covid”, acrescentou Akkad no X.

O advogado conservador George Conway também comentou a nomeação de Kennedy, bem como a de Tulsi Gabbard e Matt Gaetz.


Muito pouco do que Trump faz hoje em dia me surpreende. Qualquer uma das três últimas escolhas de Trump para o Gabinete (Gabbard para DNI, Gaetz para AG, RFK Jr para HHS), por si só, teria sido a pior da história americana. O facto de Trump ter feito as três num espaço de cerca de 24 horas é espantoso”, escreveu Conway.

Já o representante democrata da Califórnia, Robert Garcia, classificou a nomeação de “insana”.


Ele é um negador das vacinas e um teórico da conspiração. Vai destruir as nossas infraestruturas de saúde pública e os nossos sistemas de distribuição de vacinas. Isto vai custar vidas”, escreveu Robert Garcia na rede social X.

Para Alastair McAlpine, médico pediátrico do hospital pediátrico da Colúmbia Britânica, “é difícil exagerar a terrível decisão que está a ser tomada. RFK Jr não tem formação médica. É um anti-vacinas de primeira linha e um vendedor de desinformação. A última vez que se intrometeu nos assuntos médicos de um Estado (Samoa), 83 crianças morreram de sarampo”.


De acordo com o FactCheck.org, em 2018, dois bebés em Samoa morreram quando as enfermeiras prepararam acidentalmente a vacina MMR (sarampo, papeira e rubéola) com um relaxante muscular fora de validade em vez de água.
Após a morte dos bebés, o governo de Samoa suspendeu temporariamente o programa de vacinação.

A suspensão temporária levou Kennedy e a sua organização sem fins lucrativos anti-vacinas Children's Health Defense a espalharem várias falsidades sobre a vacinação em toda a ilha, o que, por sua vez, resultou num declínio drástico das taxas de vacinação.Um ano mais tarde, um surto de sarampo na ilha, causado por um viajante doente, acabou por infetar mais de 57 mil pessoas e matar 83, incluindo crianças.

Numa entrevista para um documentário, Shot in the Arm, Kennedy afirmou não ter qualquer responsabilidade pelo resultado.

Noutra questão de saúde, Kennedy afirmou que Trump faria pressão para eliminar o flúor da água potável, um mineral que fortalece os dentes e reduz as cáries, de acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças.

Ao longo da sua campanha independente, Kennedy defendeu também a eficácia do leite cru e da ivermectina, um medicamento antiparasitário que foi desmentido como cura para a covid.
Para além das conspirações relacionadas com a saúde, Kennedy admitiu ter decapitado uma baleia encalhada e recolhido a sua cabeça, e ter largado uma cria de urso morta no Central Park de Nova Iorque, há uma década, por não ter tido tempo de a esfolar e comer mais tarde.

Kennedy também disse que tinha um verme no cérebro que “comeu uma parte dele” e prometeu “comer mais cinco vermes cerebrais e ainda vencer” Trump e Joe Biden num debate encenado no início deste ano.

Grande parte do clã Kennedy virou-lhe as costas por causa das teorias da conspiração que começou a espalhar durante a pandemia de covid-19 sobre as vacinas, como a de que este vírus tinha como objetivo atacar caucasianos e negros e que as pessoas mais imunes são os chineses e os judeus asquenazes.


Kennedy Jr. relacionou ainda os tiroteios em massa nas escolas com antidepressivos como o Prozac, denunciou que os democratas recebem muito mais dinheiro das empresas farmacêuticas do que os republicanos e está convencido de que as vacinas causam autismo.Formado como advogado ambientalista, Kennedy, 70 anos, é filho do antigo procurador-geral e candidato presidencial Robert F. Kennedy e sobrinho do presidente John F. Kennedy.

Kennedy tentou ganhar a Casa Branca durante as eleições presidenciais de 2024, mas a sua candidatura nunca vingou nas sondagens. Depois de terminar a sua tentativa, acabou por apoiar Trump, que prometeu colocá-lo numa posição influente no que diz respeito à política de saúde.

Kennedy tornou-se um dos principais substitutos do candidato republicano durante a campanha presidencial, o que foi uma surpresa para alguns observadores, uma vez que é descendente de uma famosa dinastia democrata e tem uma longa história de ativismo ambiental, muitas vezes em causas que Trump provavelmente prejudicará muito.
“Tornar a América saudável novamente”
O magnata republicano prometeu que o Departamento da Saúde desempenhará um papel importante para garantir que a população está protegida "de produtos químicos nocivos, poluentes, pesticidas, produtos farmacêuticos e aditivos alimentares que contribuíram para a esmagadora crise sanitária" no país.

De acordo com Trump, Kennedy Jr. irá garantir que estas agências voltem a cumprir os mandatos da ciência "para acabar com a epidemia de doenças crónicas e tornar a América grande e saudável novamente".

"Durante demasiado tempo, os americanos foram esmagados pela indústria alimentar e pelas empresas farmacêuticas que se envolveram em enganos e desinformação quando se trata de saúde pública", frisou o presidente eleito, através da sua rede social Truth Social.

O futuro inquilino da Casa Branca frisou ainda que o novo secretário da Saúde “irá restaurar estas agências às tradições da investigação científica de excelência e aos faróis da transparência, para acabar com a epidemia de doenças crónicas”.


Trump tinha garantido a Kennedy Jr que teria um cargo relacionado com a Saúde no seu futuro executivo: "Promessa cumprida", frisou na rede social X Donald Trump Jr., filho mais velho do ex-presidente (2017-2021) e magnata nova-iorquino.


A nomeação de Kennedy Jr. junta-se à polémica lista com que Trump prepara o seu segundo mandato, que inclui como procurador-geral o congressista conhecido por posições políticas polarizadoras Matt Gaetz, acusado de tráfico sexual de menores, o proprietário da X, Elon Musk, como responsável pela eficiência governamental, ou o apresentador da Fox News Pete Hegseth como chefe do Pentágono (Departamento de Defesa).
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