Postal da Grande Guerra: Serviço Postal de Campanha I

Escrever uma carta ou um postal foi, em tempo de Grande Guerra, muitas das vezes a única forma de fazer chegar a Portugal boas novas de quem estava lá, bem na frente de batalha, em terras estranhas, em França. Registos escritos, que chegavam a terras lusas, por vezes em meias palavras, por falta de espaço, por falta de tempo, chegando mesmo alguns a perder-se no trajeto, nos meandros da censura militar.


Decorriam tempos difíceis e a guerra isolava. A correspondência escrita era a única forma de aliviar a dor e a saudade dos que partiam em missão pela pátria.

Os Serviços Postais de Campanha nasceram muito antes dos primeiros homens viajarem para França, em 14 de Dezembro de 1912, mas não foi criada qualquer medida para dar forma a este tipo de serviço.



Tudo estava desenhado no sentido do exército operar sempre em território nacional, metrópole e colónias, e nunca se equacionou que este serviço viesse a ser necessário a partir das fronteiras lusas.

A primeira vez que se levantou a questão e se realizou um ensaio decorria o ano de 1916, aquando das manobras militares do Corpo Expedicionário Português (CEP), em Tancos.

Dentro dos serviços do CEP, dotado de 17 repartições e chefias de serviços, estava o Serviço Postal de Campanha (SPC), que viu a militarização dos funcionários telegrafo-postais suportado pelo Decreto n.º 3.327/1916.

Serviços postais que dependiam diretamente do Subchefe do Estado Maior do CEP, por intermédio da Repartição dos Serviços Postais.

No pedido de recrutamento, à Administração Geral dos Correios e Telégrafos, coube então ao Engenheiro Humberto Serrão dirigir o SPC, devido a este ter a menor idade de serviço.
A rede de comunicações postais
Com a necessidade de deslocação de 55 mil homens para França teve de ser organizado um serviço postal militar português em ligação com Portugal, mas integrado no CEP.



O projeto inicial, entre o Exército Português e o Exército Britânico em território francês, não contemplava a utilização do serviço postal inglês, junto das unidades militares portuguesas, razão pela qual é criada de raiz, em 1917, o SPC.

O movimento da correspondência escrita estava dividido em dois fluxos, receção e expedição.

A Portugal (receção) chegava diariamente, via caminho-de-ferro (Espanha), malas carregadas de correspondência e encomendas postais, provenientes da rede civil francesa e da Base Postal Inglesa, contígua à nossa Estação de Central da Base Postal (E.C.B.P.).



Com a permanente necessidade de fazer chegar a correspondência em zonas servidas pela rede britânica, como por exemplo, o Batalhão de Sapadores de Caminhos-de-ferro, eram intensas as relações entre os serviços postais dos dois exércitos.

Muito embora o sistema geral adotado, nos dois serviços postais, fosse idêntico nas linhas gerais, havia alguns detalhes em que estes divergiam, sendo necessário estabelecer normas para a ligação entre os dois serviços.

Uma das diferenças existentes entre os dois serviços postais era que as encomendas postais na rede do S.P.C. eram consideradas registadas e na rede britânica como ordinárias.

A ligação entre os serviços postais portugueses e britânicos estabelecia-se normalmente na estação civil de Boulogne-sur-Mér onde as duas Estações Centrais se encontravam e entre as Estações Testa de Etapas e as correspondentes do exército britânico.

As relações postais com o exército francês e, em geral, com a organização postal militar francesa, realizou-se desde 16 de Outubro de 1917, por meio de malas diretas permutadas entre a E.C.B.P. e o Bureau Central Militaire em Paris, contendo correspondências para França, para países neutros e para o exército francês, sujeitas a determinado regime de censura militar, na Base Portuguesa, antes de serem expedidas.

A censura

Executar um serviço de troca de informações, quer militares quer civis, em zona de conflito, não era propriamente igual a um serviço normal de troca de correspondência.



Havia a necessidade de deslocações diárias das unidades e muito frequentes das estações, devido ao avanço e recuo da frente de batalha, que implicavam a modificação da forma como a própria rede do SPC trabalhava.

Era por isso obrigatório uma fiscalização permanente, de modo a manter, quanto possível, a unidade de métodos de trabalho e a reparação de irregularidades.

Isto porque em todas as operações militares o segredo é uma das mais importantes vertentes para o sucesso de qualquer operação.

Além disso, as ordenanças e encarregados do serviço postal das unidades, não possuindo estes instruções técnicas e não tendo, na maioria, cuidados especiais com o serviço a seu cargo, exigiam uma vigilância contínua, mesmo para discriminação entre as responsabilidades próprias e as do serviço interno do SPC.

Razão pelas quais foram estabelecidas fiscalizações do serviço, em que a fiscalização do serviço postal das unidades e formação do CEP era feita, periodicamente, pelo Chefe do Serviço respetivo ou por um seu delegado, e consistia no exame de toda a escrituração e na averiguação sobre se eram observadas as disposições regulamentares, bem como na instrução das ordenanças e respetivos encarregados.

Havia inspeção das estações postais uma vez por semana, na 1.ª linha, e uma vez por mês, na Base, pelos respetivos Chefes de Serviço.







Os Chefes de Serviço da Base e das Divisões eram fiscalizadas pelo Chefe do SPC do CEP, que também tinha o direito de inspecionar qualquer estação, e estes inspecionados por alguém do Estado-Maior do CEP e a Administração Geral dos Correios e Telégrafos determinassem.

As regras ditavam ainda que após cada inspeção deveria fazer-se um relatório sucinto.

Apesar das fortes regras e exigências, nem todas foram completamente postas em prática, isto porque não havia meios de transporte suficientes para o SPC, apesar de insistentemente pedidos.



Muita da correspondência dos militares, transportada pelo SPC, teve que ser censurada para que através dela não fossem passadas notícias com informações importantes para o inimigo.

Apesar de estranho ao SPC, o Serviço de Censura impôs novas instruções a que o regulamento postal teve que se adaptar.
As dificuldades de organização e de execução do serviço foram inúmeras: enquanto a Administração Geral pretendia que eu cumprisse estritamente os regulamentos do tempo de paz, as exigências militares obrigavam-me a passar por sobre diversas disposições legais, principalmente por motivos imperiosos da censura militar “(SERRÃO, 1948, p. 28).

Em 1916 foi profícua a publicação de legislação relativa à Censura, assuntos a censurar, nomeação e gratificações de censores, línguas e carimbos utilizados, etc., com reflexos nas ordens de serviço e circulares militares.
De acordo com o Decreto n.º 2.352 de 20 de Abril de 1916, a correspondência postal tinha que passar pelo crivo da fiscalização e censura.