Pergunta: Quais são as suas origens portuguesas?
Resposta: O meu pai era português. Ele veio para a guerra de 1914-18, casou com a minha mãe e depois vim eu.
P.: Sabe como é que ele veio para a Primeira Guerra, em França?
R.: Bem, a guerra era em França, portanto ele veio como todos os soldados portugueses que vinham para França. Desembarcou em Cherbourg e chegou a Blessy. Mas era mecânico. O meu pai dizia sempre: “Eu nem sequer sei o que é uma espingarda”. Ele nunca tinha tocado numa espingarda, imagine! Ele estava numa oficina em Blessy, estavam lá dois mecânicos, e eles ainda lá ficaram cerca de dois anos.
P.: Quando é que ele chegou, sabe?
R.: Em 1917. Ele veio de barco, desembarcou em Cherbourg.
P.: E depois de Cherbourg?
R.: Depois de Cherbourg, como veio para Blessy e era mecânico, cada um deles tinha uma moto para irem arranjar veículos. Como ao meu pai não lhe agradava o guiador, cortaram o guiador, e o colega dele fez o mesmo com a sua moto. O estribo não lhe agradava, então eles acabaram por transformar um pouco a mota.
Quando finalmente se aperceberam de que tinham destruído material que pertencia ao exército – talvez o meu pai exagerasse a contar isto - meteram-nos na prisão.
Mas, contou-me ele, só lá ficaram uma hora porque havia material para reparar e então foram logo libertados. Esta é história que posso contar, e que me lembro de ele me contar frequentemente.
P.: O que é que ele fazia? Seria importante para o exército porque era mecânico?
R.: Sim, li numa revista que os mecânicos do exército português eram os “queridos” do exército, também ouviu falar nisso? Que os mecânicos eram os “queridos” do exército. É verdade que nessa época não havia muitos mecânicos, de qualquer forma. Enfim, é assim.
'Trusty Triumph' modelo 'H' - Foram fornecidas aos aliados 30.000 motas deste modelo (20.000 para as forças inglesas).
P.: E ele já era mecânico antes de ir para a guerra?
R.: Sim, sim, ele contou-me que em Portugal, já era aprendiz numa oficina, com 14, 15 anos.
P.: Ele veio com que idade?
R.: Ele veio em 1917, nasceu em 1895, teria 22 anos.
P.: Ele veio de que parte de Portugal?
R.: Alcobaça é o que estava no seu bilhete de identidade.
P.: Ele falava consigo sobre Portugal?
R.: Nós falávamos muito, muito. Ele tinha amigos portugueses aqui, que se naturalizaram. E ele nunca quis naturalizar-se, sempre disse que era o que lhe restava do seu país, e isso fez com que fosse todos os anos obrigado a ir a Bolonha para tratar do seu contrato de trabalho.
Tudo isto lhe causou muita chatice. A minha mãe era portuguesa. Como ele não mudou a nacionalidade, ela tornou-se portuguesa, portanto ela tinha um bilhete de identidade como o meu pai.
P.: Então a sua mãe era francesa?
R.: Sim, ela era francesa, mas por se ter casado com um português, na altura ela tornou-se portuguesa. Foi como eu, quando fiz 20 anos, na idade do serviço militar, sempre me disseram que podia optar pela nacionalidade portuguesa ou francesa.
P.: E como é que o seu pai conheceu a sua mãe?
R.: Isso, não sei de todo. Bem, ele deve tê-la conhecido quando estava em Witternesse, uma pequena aldeia a 3 Km de Blessy. Talvez em Blessy existissem menos raparigas do que em Witternesse, então todos os portugueses iam lá parar.
Poderiam também lá existir mais cafés do que em Blessy. Então eles estavam frequentemente em Witternesse, onde também havia muitos ingleses e até indianos. Eu era jovem quando ele me contava tudo isto.
Mas certo é que os meus pais se conheceram quando o meu pai era soldado em Witternesse, e depois casaram-se em 1920, quando ele foi desmobilizado.
P.: Ele voltou a Portugal depois do 11 de novembro, do armistício?
R.: Sim, ele voltou depois de se ter casado com a minha mãe. Ao que parece, eu fui feito no comboio. Mas, enfim, eram os amigos do meu pai que contavam isso, e eu fingia não ouvir. No entanto, ouvia tudo.
P.: Para ser desmobilizado, ele teve necessidade de voltar a Portugal?
R.: Isso não sei, não creio que tivesse sido necessário. Ele voltou a Portugal, essa vez, com a minha mãe. E depois voltou lá uma outra vez, sozinho, de moto.
P.: E a família da sua mãe, como reagiu ao casamento dela com um português e ao facto de perder a nacionalidade francesa?
R.: A minha mãe vivia na aldeia, ela aceitava tudo o que o meu pai lhe dizia, disso estou certo. E o meu pai disse-lhe que era necessário tomar essa opção. E depois havia os sogros dele, o pai da minha mãe e a mãe da minha mãe, que no fundo estavam felizes porque o meu pai sempre tratou a minha avó pelo seu nome. Chamava-se Angèle, e ela gostava muito do meu pai. A minha avó vinha aqui todas as quartas-feiras, porque eles moravam aqui em 1920.
Eles compraram esta casa. Nem sei como é que o meu pai fez. Ele instalou-se, sem saber uma palavra de francês. Instalou-se primeiro em Witternesse, na pequena vila, e fazia bicicletas, reparava as motos, poucos carros. Depois mudou-se para aqui e tratava dos carros, das motos, das bicicletas e tinha imensa clientela, todos iam à oficina do português.
O meu pai era encantador, sempre sorridente, sempre com uma palavra amável. Ainda me lembro de pessoas dizerem “nós gostávamos muito do senhor Barbara”. E depois também gostavam muito do sotaque dele.
Eu tenho uma fatura de 1923. Ele escrevia bem. Poderei mostrar-vos? Bem, não há muitos erros, não. Ele não cometia muitos. Já foi talvez há uns quinze anos que um cliente me trouxe esta fatura, que tinha encontrado nas coisas do pai ou do irmão. Não sei, trouxe-ma e eu tenho-a nos arquivos, enfim.
P.: Qual era o nome do seu pai?
R.: José.
P.: Ele era conhecido como o mecânico português, é isso? A manutenção das motas ou motorizadas era especialmente importante na guerra de trincheiras, pouco dinâmica, com poucos transportes de tropas em camião, e com muitas mensagens trocadas por via de estafetas montados em veículos de duas rodas.
R.: Ah sim, era conhecido sobretudo em Witternesse, e aqui em Aire, porque ele tinha uma clientela assim. Os donos de grandes propriedades e todos as pessoas respeitadas iam à oficina dele, o que me agradou. Gostavam muito do José, toda a gente o dizia, toda a gente, até a minha vizinha, aqui.
P.: Houve muitos soldados portugueses que ficaram em França como ele?
R.: Houve alguns por aqui, e havia muitos em Mametz, que trabalhavam na fábrica, e por aqui havia um em Blessy, depois ... havia um em Witternesse...
P.: E porque ficou o seu pai em França?
R.: Porque tinha casado com a minha mãe e ela não queria ir para Portugal. Ela nunca tinha saído de Witternesse.
P.: Ele visitava outros soldados portugueses?
R.: Sim, muitos. Eu era garoto e todos os domingos íamos ver um, no domingo seguinte íamos ver outro. Ele tinha muitos amigos. Eles falavam português e também francês porque respeitavam a minha mãe, que não compreendia nada do que eles contavam em português.
Então, havia portugueses que tinham motas e que iam fazer passeios. Havia um de Lille, chamava-se Figueiredo, Manuel de Figueiredo. Até tenho uma fotografia dele e tudo.
P.: Como eram vistos pelos habitantes locais, franceses, os soldados portugueses que ficaram depois da guerra?
R.: Muito, muito bem. Muito bem. Toda a gente gostava deles, eram estimados. Havia muitos e toda a gente gostava deles.
P.: Havia a noção de divida para com os portugueses que tinham combatido em França?
R.: Sabe, quando cresci compreendi, ao saber o número de mortes que houve na guerra. E pensei: “Eles vieram porquê?” Quando eu era jovem chamavam-me “português”, e diziam-me que eram uns cobardes. Isso magoava-me muito e então eu batia-lhes.
Diziam que houve episódios, em La Couture, em que os portugueses fugiram. Diziam isso, de quando ocorreu a batalha e tudo o mais...
P.: A batalha de La Lys?
R.: Talvez, talvez seja isso. Diziam que eles tinham fugido. Repetiam isso, que eles bateram em retirada. E quando a guerra chegou aqui, em 1940, voltaram à carga, repetindo que os portugueses tinham fugido.
P.: Que respondia o seu pai?
R.: Se nós fugimos, é porque qualquer um teria fugido. Era fugir ou morrer. E isso eles sabiam.
(Entrevista traduzida por Mafalda Saraiva)
R.: Ah sim, era conhecido sobretudo em Witternesse, e aqui em Aire, porque ele tinha uma clientela assim. Os donos de grandes propriedades e todos as pessoas respeitadas iam à oficina dele, o que me agradou. Gostavam muito do José, toda a gente o dizia, toda a gente, até a minha vizinha, aqui.
P.: Houve muitos soldados portugueses que ficaram em França como ele?
R.: Houve alguns por aqui, e havia muitos em Mametz, que trabalhavam na fábrica, e por aqui havia um em Blessy, depois ... havia um em Witternesse...
P.: E porque ficou o seu pai em França?
R.: Porque tinha casado com a minha mãe e ela não queria ir para Portugal. Ela nunca tinha saído de Witternesse.
P.: Ele visitava outros soldados portugueses?
R.: Sim, muitos. Eu era garoto e todos os domingos íamos ver um, no domingo seguinte íamos ver outro. Ele tinha muitos amigos. Eles falavam português e também francês porque respeitavam a minha mãe, que não compreendia nada do que eles contavam em português.
Então, havia portugueses que tinham motas e que iam fazer passeios. Havia um de Lille, chamava-se Figueiredo, Manuel de Figueiredo. Até tenho uma fotografia dele e tudo.
P.: Como eram vistos pelos habitantes locais, franceses, os soldados portugueses que ficaram depois da guerra?
R.: Muito, muito bem. Muito bem. Toda a gente gostava deles, eram estimados. Havia muitos e toda a gente gostava deles.
P.: Havia a noção de divida para com os portugueses que tinham combatido em França?
R.: Sabe, quando cresci compreendi, ao saber o número de mortes que houve na guerra. E pensei: “Eles vieram porquê?” Quando eu era jovem chamavam-me “português”, e diziam-me que eram uns cobardes. Isso magoava-me muito e então eu batia-lhes.
Diziam que houve episódios, em La Couture, em que os portugueses fugiram. Diziam isso, de quando ocorreu a batalha e tudo o mais...
P.: A batalha de La Lys?
R.: Talvez, talvez seja isso. Diziam que eles tinham fugido. Repetiam isso, que eles bateram em retirada. E quando a guerra chegou aqui, em 1940, voltaram à carga, repetindo que os portugueses tinham fugido.
P.: Que respondia o seu pai?
R.: Se nós fugimos, é porque qualquer um teria fugido. Era fugir ou morrer. E isso eles sabiam.
(Entrevista traduzida por Mafalda Saraiva)