Como um emigrante descobriu os "graffitis" das tropas portuguesas em França

por Sofia Leite, António Louçã, Sara Piteira
RTP

Afonso Maia é um emigrante português que vive em França, na região onde estiveram aquarteladas as tropas portuguesas. O seu avô foi um dos milhares de soldados portugueses que participaram na Primeira Guerra Mundial.

Partindo da história pessoal do seu avô, Afonso Maia tem-se dedicado com obstinado empenho a pesquisar o percurso e os vestígios das tropas portuguesas em França.

Pergunta: Como se lembrou de procurar inscrições portuguesas nas igrejas?

Resposta: Tinha encontrado várias inscrições inglesas e canadianas na região de Arras [cidade perto de Lille, Norte de França]. Como encontrei inscrições dessas tropas, pensei que também poderia encontrar inscrições portuguesas em monumentos e comecei a procurar na retaguarda do exército português a ver se encontrava alguma coisa e, um dia, deparei-me com esta igreja e encontrei estas inscrições.

Tinha começado pelas canadianas por terem sido as primeiras que encontrei. Era mais perto da minha casa, e foram as primeiras que encontrei. Logo a seguir isso deu-me a ideia de procurar as inscrições portuguesas.

P: Como procede a essa busca, por exemplo, em mais ou menos quantas igrejas já procurou inscrições?

R: Vejo todas as igrejas construídas em pedra branca e vejo se há inscrições portuguesas. Das portuguesas encontrei em cinco ou seis igrejas, nada mais.

P: Essas igrejas estão perto dos locais onde estavam estacionadas as tropas portuguesas?

R: Perto. Estavam mesmo aqui a seguir a esta igreja, uns 10 quilómetros mais ou menos.

P: O que significam estas inscrições?

R: Tínhamos a prova de que os portugueses estiveram aqui. E isso é o mais importante para mim. Porque marcas dos portugueses, aqui, não encontrava nada, e isto foi a maneira de eu mostrar um pouco ao povo francês que os portugueses estiveram aqui. Foi sobretudo isso.

E penso que aqui deveria ser um local mais calmo, tiveram tempo de fazer inscrições, há locais onde as tropas passavam uma semana ou 15 dias e não dava tempo para fazerem inscrições. Aqui, havia a oficina de reparação de automóveis, estava a funcionar aqui e os homens teriam tempo de vir aqui fazer umas inscrições. E, pronto, foi mais ou menos a história destas inscrições.

P: As inscrições eram uma prática comum no meio de outros soldados de outras nacionalidades?

R: Há os ingleses, e os canadianos, nada mais. Os canadianos deixaram muitas inscrições na região de Arras com a batalha de Vimy, aí deixaram muita coisa.

Mas eu penso que eles quiseram marcar a presença deles. Encontrei muitas inscrições canadianas, na região de Arras, porque os canadianos, antes da batalha de Vimy no 9 de Abril de 1917, sabiam que seria uma batalha muito importante, e penso que quiseram marcar a passagem deles, porque muitos pensavam que não iam voltar dessa batalha e é por isso que se encontram muitas inscrições dos canadianos nesta região de Arras.

Penso que o caso português seja diferente, mais uma maneira de dizer “estivemos aqui”. Estamos muito longe da frente da batalha. Por isso, eu penso que aqui era mais um passatempo, sobretudo um passatempo, penso eu.

P: E a primeira vez que descobriu uma inscrição dum soldado português ...

R: O coração bateu muito, muito forte, porque tinha encontrado muitas inscrições de soldados de outras nacionalidades e há muito tempo que andava à espera das inscrições portuguesas. E então quando encontrei esta, foi uma felicidade. Para mim foi o fim do mundo. A partir daí continuei a pesquisar e logo a seguir encontrei noutras igrejas mais duas ou três inscrições e foi uma grande alegria.

P: O que dizem as inscrições que estão aqui?

R: Aqui lê- se bem Alcochete Companhia Artilharia Pesada. Acolá ele escreveu a sua terra natal, Vale do Paraíso o soldado português José António Manuel da Companhia de Artilharia Pesada. Aliás deveriam ser sobretudo da Artilharia, que estavam aqui em descanso, ou à espera de fazer instrução.




P: Porque lhe veio este interesse pelos soldados portugueses na Primeira Guerra Mundial?


R: É uma história muito complicada mas vou tentar contá-la em duas ou três linhas. O meu avô combateu na Primeira Guerra Mundial. E falou-me um pouco desta guerra aqui. Eu venho para França em 1960. E nessa época pensava sempre que o meu avô tinha combatido no Marne, que nunca estivera aqui, que tinha estado mais para Sul, e portanto não pesquisei nada, a coisa ficou adormecida. Aos quarenta e tal anos, voltei a Portugal e, na cidade onde ele estivera aquartelado, vi o monumento aos mortos portugueses e vi no monumento marcadas as aldeias de Flambé, Laventie, Richebourg, La Couture, etc.. E foi aí que soube que o meu avô tinha estado aqui.

Dessa maneira quis saber onde é que o meu avô andou durante a batalha de La Lys e foi assim que comecei esta pesquisa. E esta pesquisa começou em 1994 e consegui confirmar que o meu avô esteve na batalha de La Lys. Desde então continuo a pesquisar e agora quero sobretudo encontrar a história individual de cada soldado, pois a história do Corpo Expedicionário Português já conheço mais ou menos.

Quero é descobrir a história particular de cada soldado, isso é que é importante. Não as posso juntar todas, mas de vez em quando lá encontro uma e é muito interessante. E encontro as histórias desses soldados tanto em França como em Portugal.

P: Mas são cerca de 55.000 homens ...

R: 55.000 homens, e mais. Gostaria de descobrir a vida do homem, da família, etc.. é mais interessante. A história geral do Corpo Expedicionário Português, os historiadores já a trataram. Bom a coisa está bem feita, mas eu agora quero uma coisa mais humana, mais perto desses homens.

P: E também procura descendentes desses soldados em França?

R: Sim, foi aqui que comecei essa história desses descendentes, foi aqui que encontrei fotografias, vários documentos, correspondência, etc.. Foi assim que começou esta minha paixão pelos nossos soldados.

P: Destaca algum local ou algum soldado, no âmbito da sua pesquisa?

R: Para mim, o homem mais importante é o general Tamagnini, que era o Comandante do Corpo Expedicionário Português, que fez um trabalho muito difícil e que não tinha grandes meios para trabalhar. Também as moradas, as casas onde ele esteve, como em Chateau d'Arse. Há também os cemitérios, o cemitério de Richebourg, o cemitério de Boulogne Est, onde estão sepultados os nossos soldados. É, para mim, muito importante. E também há vários outros cemitérios onde encontrei portugueses sepultados, como o de Salomé, e o cemitério de Beauvin, no norte.

A história dos nossos homens, é uma coisa sem fim, penso que vou morrer sem chegar a metade, nem um décimo da história desses homens.

P: Como faz a sua pesquisa?


R: - Pesquisa é ler os livros que escreveram os oficiais, ou os soldados da época, sobre a sua presença em França. Tenho uma exposição de fotografias que consegui montar para divulgar aqui em França a presença do Corpo Expedicionário Português. Porque a história dos nossos soldados era um pouco feia, não gostava muito do que ouvia contar. Por isso tento divulgar o mais possível a história dos nossos soldados, e estou nos arquivos, ando nos arquivos a pesquisar, ou nos jornais das unidades ou os relatórios de soldados, de batalhas, etc., etc..

Vou sempre dar uma vista aos locais à volta dos aquartelamentos portugueses, ver se encontro alguma coisa. As igrejas é mais em Novembro, o sol é mais baixinho, já se vê melhor as inscrições nos muros. Faltam-me mais umas 10 ou 15 e a volta fica completa. Atualmente tenho a história de 50 soldados. Ainda me faltam muitas histórias, muitas histórias.

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