Dia 9 de março de 1916 foi uma quinta-feira, a primeira da
quaresma. Um facto notado no Postal - este também ficcionado, com base em
factos reais.
Como nos dias anteriores, estava mau tempo e chovia. No
Teatro República retomava-se a exibição da peça "A maluquinha de Arroios", "o
grande sucesso destes últimos dias" e a "festejada" peça de Júlio Dantas "A
ceia dos Cardeais", interrompidas pelo carnaval e por uma récita.
Politicamente a notícia era a possível formação de um
ministério nacional, que agrupasse as forças políticas portuguesas. A 7 de
março, A Capital definia as dificuldades de tal empreitada.
Lisboa fervilhava de rumores desde o dia 23 de fevereiro,
data em que uma flotilha da Marinha de Guerra liderada pelo
capitão-de-mar-e-guerra Leote do Rego se tinha apossado dos navios mercantes
alemães, sem qualquer ato de violência de parte a parte. Os
navios tinham agora bandeira e tripulações portuguesas.
Os navios alemães tinham sido entregues à comissão
administrativa, sendo retirados da alçada militar, que se manteve somente em
questões de disciplina e de organização militar. As autoridades estudavam a
melhor forma de instituir a vigilância da foz do Tejo e também da do Douro.
Cinco dias depois do apresamento, dia 28 de fevereiro, falava-se
que Berlim tinha enviado a Lisboa uma carta enérgica em que exigia que a
bandeira alemã fosse hasteada de novo nos navios e as suas tripulações - alemãs,
austro-húngaras e chinesas, que tinham sido alojadas a expensas do governo
português - reenviadas para os seus postos. O Governo negava.
João Chagas, ministro de Portugal em Paris, descrevia no seu
diário dia 1 de março, a reação alemã conforme foi informado "pelo Negreiros":
"A Alemanha ameaça tirar-nos não sei se as orelhas se a independência", refere.
Ver março de 1916
Ao mesmo tempo, a comunidade alemã movimentava-se. Muitos alemães, incluindo os mais abastados, levantavam as suas economias e preparavam-se para partir logo que possível, para Espanha, que se mantinha neutral. No Porto, o representante do Império austro-húngaro teria dito aos alemães daquela cidade para se porem a salvo.
Dizia-se ainda que o sr Rosen tinha mandado indagar da
possibilidade de um comboio especial para Madrid, para o levar a ele, aos
membros da legação alemã e a outros cidadãos da mesma nacionalidade. Outros
rumores afirmavam que o ministro alemão já tinha deixado Lisboa e seguia para
Madrid pela Beira Alta.
O ministro alemão era seguido por jornalistas que lhe
espiolhavam cada passo, à espreita de novidades. A imprensa refere dia 9 de
menhã que as luzes estiveram acesas até de madrugada na legação alemã na Rua do
Século e a Capital especulava que o sr Rosen tinha estado a queimar papéis.
Também dia 9, na seção últimas notícias, os jornais dão
conta de movimentações.
O Século admitia o rompimento, baseando-se no êxodo dos
alemães e em notícias que circulavam no estrangeiro.
Passou despercebido contudo o pedido do sr Rosen ao ministro
Augusto Soares, para ser recebido em audiência no próprio dia, durante a tarde.
O ministro "fixou as 18 horas" e o Sr Rosen cumpriu escrupulosamente o horário.
A reunião durou não mais de 20 minutos.
A novidade surge assim na secção últimas notícias de A
Capital, que já faz
parangonas com a notícia da convocação do Parlamento, das movimentações políticas
que marcaram o dia 9, que o Século também refere mas numa nota mais breve. E dos pormenores da visita -
o sr Rosen "vestia de preto, sobrecasaca e chapéu alto", tendo "sido
introduzido pelo secretário do ministro, o sr Eugénio Tavares".
Dia 10 amanhece com todo o país avisado que a Alemanha
declarou guerra e que o Congresso da República deverá reunir durante a tarde,
de emergência. O decreto a convocar o plenário foi assinado na véspera pelo
Presidente Bernardino Machado, noticia O Século, numa edição que esgota
rapidamente.
O êxodo dos alemães intensificou-se igualmente nos dois
comboios do dia, noticia o mesmo jornal. O sr Rosen, acompanhado da sra Rosen,
dos membros da legação e de numerosa bagagem, parte nesse mesmo dia à noite,
num comboio especial que tinha fretado dias antes. No mesmo trem vão numerosos
membros da comunidade alemã. Muitos, contudo, recusam partir.
Politicamente, intensificam-se os rumores da formação de um
governo de união dos principais partidos republicanos, que virá a ser formado e
passará à história como "A União Sagrada".
Inclui o líder do partido Evolucionista, António José de
Almeida, o chefe do partido democrático, Afonso Costa, que permanecerá primeiro-ministro,
e Brito Camacho, chefe do partido unionista.
Depressa se junta uma multidão dentro e fora do edifício da
Assembleia. Os parlamentares acabam por ter de abrir caminho à cotovelada para
entrarem na sala. A sala dos deputados está "repleta de congressistas", muitos
deles chamados por telegrama.
Na galeria do corpo diplomático vêem-se os ministros de
Inglaterra, Sir Carnegie, acompanhado de Lady Carnegie, e de França, - ambos
muito ovacionados à chegada ao hemiciclo. Presentes igualmente os
representantes da Bélgica, da Rússia, da Venezuela, de Cuba, do Uruguai e de
Itália.
Ao centro Bernardino
Machado
A sessão parlamentar inicia-se com meia hora de atraso em
relação à hora marcada - 16 horas - e em tom de confusão geral, incluindo
desacatos entre aqueles que pretendem ter acesso às galerias. Até a seção
reservada às senhoras é invadida. Os únicos com espaço para se sentar
confortavelmente são o Presidente da República, Bernardino Machado, que assiste
de camarote e os deputados e senadores.
Todos os jornais descrevem minuciosamente o que se passa
nessa tarde, desde a reação das galerias à carta alemã, entregue no dia anterior pelo sr Rosen ao ministro Augusto
Soares - descrita de forma inesquecível n' A Capital - até aos discursos dos líderes e à decisão de
recomendar ao Presidente a formação de um ministério nacional, a que todos os
partidos aderem.
No dia seguinte Afonso Costa apresentará a demissão, ficando
a cumprir as funções interinamente até ser nomeado um novo chefe de governo. A
questão não é fácil e vários nomes convidados declinam a honra. Entre eles
Augusto José da Cunha, Brancaamp Freire e Guerra Junqueiro.
Tal como na altura do apresamento, os jornais estrangeiros
aplaudem a entrada de Portugal na guerra. Mas a forma como esta se irá
concretizar está ainda por decidir. Portugal limita-se a reforçar a vigilância
das barras do Tejo e do Douro com novos vasos de guerra - alguns os antigos
"vapores" alemães entregues à força naval e apetrechados rapidamente de
artilharia.
Ilustração Portuguesa
Já antes havia sido proibida a entrada no porto de Lisboa
depois do por do sol, obrigando-se todos os navios a apresentarem-se na
capitania de Cascais para requererem autorização de entrada.