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Varela Gomes sobre o 25 de Novembro: "A direita preparava a guerra civil"

por RTP
Páraquedistas de Tancos, durante uma votação em assembleia DR

No dia em que se completam 37 anos sobre o 25 de Novembro, o coronel Varela Gomes comentou como "fanfarronice" as declarações ontem proferidas pelo general Pires Veloso, segundo as quais este teria, na altura, aviões preparados para bombardearem navios da Armada portuguesa. Já a afirmação do general, segundo a qual distribuiu armamento para ser utilizado nessa altura, é vista por Varela Gomes como confissão da direita militar sobre a sua disposição de avançar para a guerra civil.

O general Pires Veloso, na época alcunhado de "vice-rei do Norte", afirmara ontem à agência Lusa que tivera notícias de um suposto compromisso dos fuzileiros de Vale de Zebro no sentido de atacarem a base aérea de Cortegaça. Na entrevista, Pires Veloso relata como reagiu a essas notícias: "Liguei ao comandante marítimo do Norte e avisei-o de que vários aviões se encontravam já carregados de bombas para afundarem qualquer navio que passasse o paralelo de Peniche. E proibi que qualquer navio de guerra do Norte saísse do porto de Leixões".
A acusação de "fanfarronice" dirigida a Pires Veloso É esta afirmação que Varela Gomes, em declarações hoje prestadas ao site da RTP, desvaloriza como "uma fanfarronice", na linha de outras da direita, que na altura "ameaçava bombardear a chamada 'Comuna de Lisboa'".

Em entrevista concedida em 1976 ao jornalista francês Dominique Pouchin, Mário Soares acusara Varela Gomes de ter tentado, com outros oficiais da Vª Divisão, restabelecer no 25 de Novembro a coordenação da esquerda militar, decapitada quando Otelo abandonou o COPCON (Comando Operacional do Continente), indo para casa dormir.

Instado por Dominique Pouchin a explicar-se melhor, Soares recuara, dizendo sobre Varela Gomes: "Conheço e respeito o seu passado de anti-fascista". E afirmara também: "Sei que [Varela Gomes] interveio firmemente durante uma dessas loucas assembleias do MFA para responder a alguém que havia pedido a minha cabeça". Sobre o 25 de Novembro, Soares admitiu também, em resposta a Pouchin: "Talvez não tenha havido um 'chefe supremo'". Mas admitiu-o apenas para insistir: "É evidente que ordens precisas partiram do COPCON".
À direita, a controvérsia sobre o protagonismoSe, à esquerda, o papel determinante de Varela Gomes é, em retrospectiva histórica, indiscutido, à direita há uma controvérsia inesgotável, que ontem foi reavivada pela entrevista de Pires Veloso à Lusa. Aí lamentou o general que haja uma tendência para subestimar o papel da Região Militar do Norte na vitória dos chamados "moderados". Segundo Pires Veloso "naquele dia, o comando da Região Militar do Norte tinha a situação totalmente sob controlo", podendo assim oferecer-se para acolher um governo provisório "moderado" e tornar-se a mola decisiva para o desfecho da crise.

O general Ramalho Eanes, que o bloco novembrista em breve levaria à presidência da República, emergira daquele dia como aparente líder da coligação de forças vencedoras. Na entrevista à Lusa, Pires Veloso questiona mais uma vez o papel de Eanes no 25 de Novembro.

Varela Gomes vê neste passo das declarações do general mais um episódio da luta já antiga pelo protagonismo entre os vencedores do 25 de Novembro. E lembra que ele próprio organizou, no 25º aniversário do 25 de Novembro, com outros vencidos desse dia, uma "descomemoração" da data, em que se explicou com coerência a atitude da esquerda militar. E que, no mesmo dia, a direita militar se reunia em Oeiras para decidir quem tinha sido o "herói do 25 de Novembro, sem conseguir pôr-se de acordo sobre o tema, por ter havido uma inesperada proliferação de candidatos".

Do mesmo modo, sublinha Varela Gomes, reabre-se agora uma discussão sobre quem é o "pai da democracia", visando questionar a habitual atribuição desse título a Mário Soares, desta feita em benefício de Melo Antunes.
A questão da distribuição de armasDos argumentos de Pires Veloso sobre o protagonismo do Norte, o que Varela Gomes considera mais digno de ser levado a sério é o que diz respeito à distribuição de armamento. Na entrevista, o general justificara a distribuição sustentando que "talvez milhares de comunistas aguardavam [sic] armas que lhes haviam de ser entregues para começarem uma guerra que tinham a certeza de que ganhariam". Para esse "talvez", invocava o testemunho que disse ter colhido da ex-dirigente do PCP, Zita Seabra.

Pelo seu lado, Pires Veloso admite na entrevista ter distribuído armas a agentes da PSP e ter disponibilizado terrenos e edifícios, como a Universidade do Minho, para propósitos relacionados com a campanha militar que se adivinhava. Varela Gomes considera "um pleonasmo" falar em distribuição de armas à PSP - "por natureza, uma força armada".

E admite que tenha tido lugar a distribuição referida por Pires Veloso, mas inserida numa panóplia muito mais vasta de iniciativas visando armar "milícias populares da direita, recrutadas no bas fonds, e por vezes entre pides e outros caceteiros, como sucedeu em Coimbra por iniciativa do [brigadeiro] Franco Charais, e em Lisboa por iniciativa de Eanes, com a participação de Manuel Alegre, em episódio recentemente relatado no livro de memórias de Edmundo Pedro".

Segundo Varela Gomes, estas várias iniciativas, apontando todas no mesmo sentido, "mostram como os 'moderados' caíram na imoderação de distribuir armas a civis" e indicam a sua disposição de avançar para a guerra civil.
A "incongruência" da crítica novembrista à política neo-liberalFinalmente, Varela Gomes classificou como "uma incongruência" de Pires Veloso, a de assimilar a situação actual à do PREC e de criticar a política actual "como se não tivessem sido os vencedores de Novembro a torná-la possível". O conselho que dá o conhecido antifascista a Pires Veloso e à generalidade dos vencedores de Novembro é o de "porem a mão na consciência e perguntarem a si próprios que responsabilidades têm nesta deriva marcada pelo capitalismo selvagem".

Pires Veloso afirmara ontem à Lusa que "tal como naquele período [o chamado Processo Revolucionário Em Curso, PREC], a situação atual é de anarquia, aparentemente menos violenta, mas mais insidiosa". E acrescentara que temos hoje "uma pseudo-democracia, onde as leis se eliminam ou se fabricam consoante os interesses de A, B ou C, contrariando as regras mais elementares que uma verdadeira democracia exige".

Segundo o general, "os cidadãos, quando elegeram estes governantes, pensaram certamente que escolhiam entre os mais competentes, os mais honestos, os que não regateiam esforço e sacrifício para cumprirem a sua missão com nobreza e os que consideram a verdade uma coisa sagrada". Mas, ainda segundo Pires Veloso, "tudo leva a crer" que hoje os portugueses já não estarão convictos de terem feito uma "escolha acertada".

Pires Veloso acrescentara ainda que hoje "Portugal se vê, de novo, com uma terrível ameaça à estabilidade enquanto nação soberana. Ontem, o inimigo era a ideologia comunista, hoje, passou a ser a ganância dos mercados não regulamentados, que afoga vários países em austeridade e desemprego". E deixara uma recomendação no sentido de "aclarar caminhos para bem do povo, evocando a memória do 25 de novembro de 1975".
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