Tribunal Constitucional considera Lei da Eutanásia inconstitucional

por RTP
Pedro A. Pina - RTP

O Tribunal Constitucional acaba de anunciar a sua decisão em que considera a lei da eutanásia inconstitucional. A decisão do Palácio Ratton sai três semanas após o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa submeter o diploma aos juízes do Constitucional.

O anúncio foi feito a partir da sede do Tribunal Constitucional (TC), em Lisboa, pela juiza relatora, Maria Benedita Urbano, e depois foi explicado, em comunicado lido pelo presidente, João Caupers. A decisão foi tomada por maioria, de sete juízes contra seis.

Este foi o terceiro decreto aprovado no Parlamento sobre a eutanásia, sendo a segunda vez que o chefe de Estado, nesta matéria, requereu a fiscalização preventiva.

É a segunda vez que o TC chumba um decreto sobre o tema da morte medicamente assistida. A primeira vez foi em março de 2021, altura em que os juízes deram razão às dúvidas levantadas pelo Presidente quanto aos "conceitos excessivamente indeterminados, na definição dos requisitos de permissão da despenalização da morte medicamente assistida, e consagra a delegação, pela Assembleia da República, de matéria que lhe competia densificar".

O tribunal considera que foi criada "uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação" do decreto sobre a morte medicamente assistida, notando que o parlamento foi "mais além", alterando "em aspetos essenciais" o diploma anterior. Concluiu o TC que, ao caracterizar a tipologia de sofrimento em "três características («físico, psicológico e espiritual») ligados pela conjunção "e", são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto", disse o presidente do TC, João Caupers, ao ler um comunicado justificativo da pronúncia pela inconstitucionalidade do decreto hoje `chumbado´.

João Caupers sustentou que, dessa forma, o legislador "fez nascer a dúvida, que lhe cabe clarificar, sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)".

"Foi criada, desta forma, uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei", declarou.


João Caupers afirmou que o TC tinha considerado, numa anterior pronúncia, "que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias e que as condições em que é legalmente admissível a morte medicamente assistida têm de ser «claras, antecipáveis e controláveis» (Acórdão n.º 123/2021), cabendo ao legislador defini-las de modo seguro para todos os intervenientes". O juíz referia-se ao primeiro acórdão, de março de 2021, que também declarou inconstitucional uma anterior versão do diploma.

Na sequência daquele acórdão, notou João Caupers, a Assembleia da República aprovou uma nova versão da lei relativa à morte medicamente assistida não punível e "a expectativa do Tribunal era a de que nela tivessem sido introduzidas as modificações insinuadas naquele aresto".

"Comprovou o Tribunal que o legislador, tendo embora desenvolvido esforços no sentido da densificação e clarificação de alguns conceitos utilizados na versão anteriormente fiscalizada, optou por ir mais além, alterando em aspetos essenciais o projeto anterior", salientou.

Admitindo que, ao fazê-lo, o Parlamento "limitou-se a exercer as competências que a Constituição lhe atribui", João Caupers observou que tal opção "teve consequências, pois implicou que o Tribunal, chamado a pronunciar-se e aplicando a Lei Fundamental, houvesse de proceder a uma nova fiscalização, incidindo sobre as normas alteradas que foram objeto do pedido do Presidente da República", disse.
Chumbadas algumas normas do diploma

O prazo para o Constitucional se pronunciar sobre a lei da eutanásia terminava esta segunda-feira, depois de o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ter pedido a 4 de janeiro a fiscalização preventiva do texto aprovado no dia 9 de dezembro pela Assembleia da República.

Em resposta ao pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República, o TC declarou inconstitucionais algumas das normas do decreto que regula a morte medicamente assistida.

O Presidente tinha pedido aos juízes para avaliarem se o Parlamento “cumpriu as obrigações de densificação e determinabilidade da lei”.

Para justificar o envio do texto ao TC, o chefe de Estado recordou que “em 2021 o Tribunal Constitucional formulou, de modo muito expressivo, exigências ao apreciar o diploma sobre a morte medicamente assistida – que então considerou inconstitucional - e que o texto desse diploma foi substancialmente alterado pela Assembleia da República”. Presidente vetou o diploma por inconstitucionalidade

Na sequência desta pronúncia, Marcelo Rebelo de Sousa já vetou o diploma por inconstitucionalidade e deverá agora devolvê-lo à Assembleia da República.

Esta decisão foi anunciada através de uma nota no sítio oficial da Presidência da República na Internet depois de o Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucionais algumas das normas do diploma.

"Tendo-se o Tribunal Constitucional pronunciado hoje pela inconstitucionalidade de preceitos da nova versão do decreto da Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida, o Presidente da República vai devolver, de novo, o diploma à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do art.º 279.º, número 1, da Constituição, logo que publicado, no Diário da República, o acórdão daquele tribunal", lê-se na nota da Presidência. PS diz que questão é agora de semântica
O PS já anunciou que vai corrigir as normas declaradas inconstitucionais pelo Constitucional. Os socialistas sustentam que está agora em causa uma questão "semântica" e que a maior parte da argumentação do Presidente da República não vingou, uma posição transmitida pela deputada Isabel Moreira.

"Aparentemente, sem prejuízo de uma leitura muito atenta que terá de ser feita de um acórdão complexo e com muitas declarações de voto, pelo que se percebeu foi sete votos contra seis, a questão do TC é uma questão de uma palavra", sustentou a deputada socialista.

De acordo com Isabel Moreira, onde no decreto se define sofrimento de grande intensidade "diz-se sofrimento físico, psicológico e espiritual".

"E o TC quer que o parlamento explicite - aquilo que para nós está absolutamente explícito, mas temos de respeitar - se é cumulativo ou não", frisou.

No entanto, com este acórdão do TC, na opinião da constitucionalista do PS, "está encerrada de uma vez por todas a questão de se saber se a eutanásia é inconstitucional em si mesma". "Por outro lado, a maior parte da argumentação do senhor Presidente da República não vingou, nomeadamente a questão de se saber se o conceito de doença grave e incurável seria inconstitucional em face de um outro conceito que já existia em outro diploma referente a doença fatal", apontou Isabel Moreira.

Neste ponto, a constitucionalista do PS acrescentou que ficou também afastada a questão constitucional alusiva à antecipação da morte. Por isso, "essas questões terem sido deixadas de fora é uma grande", considerou.


c/ Lusa
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