Terramoto político, queda do Governo e novas legislativas. O que esperar até 18 de maio?
Para o presidente da República, "não havia meio caminho" para resolver a crise política instalada sem ser a antecipação das eleições, pouco mais de um ano após as anteriores legislativas, igualmente antecipadas. Marcelo Rebelo de Sousa oficializou o regresso às urnas para dia 18 de maio. Espera-se para os próximos meses uma agenda política agitada, a começar com as eleições regionais na Madeira, passando depois à campanha para as legislativas. Até lá, o Governo em gestão não deve protagonizar mudanças profundas.
Apesar de o Parlamento ser dissolvido, até novo sufrágio e a tomada de posse da administração que for eleita, o atual Governo fica em funções, embora com menos poderes. De acordo com a Constituição da República, o Governo limita-se “à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a estão dos negócios públicos”, o que significa que podem não ser tomadas decisões que tenham grande impacto e continuidade no Executivo sucessor.
Constitucionalmente, os portugueses têm de ser chamados às urnas entre 55 e 60 dias depois do ato de dissolução do Parlamento. O país estará, por isso, mais de dois meses com o Governo em funções, mas a meio gás no que toca a implementação de políticas, o que pode impactar a população em todos os setores, principalmente social e economicamente.
"A data preferida pela maioria dos partidos" para as novas eleições foi 18 de maio, depois de se pronunciarem “por unanimidade pela dissolução da Assembleia e a convocação de eleições legislativas”. Fazendo um resumo da discórdia entre Governo e oposição que levou à queda do Governo, Marcelo falou num “panorama” que surgiu pela primeira vez em democracia e que “todos os esforços de entendimento se revelaram impossíveis”. A campanha eleitoral arranca oficialmente a 4 de maio e o país vai a votos duas semanas depois. E se tudo correr dentro dos prazos médios, Portugal poderá ter um novo Governo um mês depois das legislativas. Com as campanhas à porta, o presidente apelou a um debate eleitoral “frontal mas sereno” e admitiu esperar uma transição “se possível, tão pacífica como a vivida em 2024”.
“Impõe-se que haja um debate eleitoral claro, frontal, esclarecedor, mas sereno, digno, elevado, tolerante, respeitador da diferença e do pluralismo e que fortaleça e não enfraqueça a democracia”, apelou, avisando que seria "um desperdício imperdoável" não discutir os problemas do país.
O Parlamento está em contrarrelógio. Num cenário de crise política em Portugal e com o presidente da República em conversações com o Conselho de Estado, a Assembleia da República antecipou todas as votações para quinta-feira. O objetivo era evitar que diplomas importantes ficassem pelo caminho, perante a dissolução do Parlamento, entretanto confirmada por Marcelo Rebelo de Sousa.
Com o Governo em gestão, não há votações de projetos de lei nem de projetos de resolução mas os deputados continuam em funções até serem eleitos novos deputados para a Assembleia da República.Se as legislativas tiverem um resultado claro, o impasse político que resultou da rejeição da moção de confiança ao Governo poderá resolver-se em pouco mais de dois meses, com um futuro executivo a tomar posse em junho. Mas até lá há ainda um calendário político para percorrer.
A marcação de eleições legislativas antecipadas para 18 de maio fixa o prazo limite de entrega de listas de deputados a 7 de abril, devendo a formalização de coligações pré-eleitorais junto do Tribunal Constitucional decorrer até um dia antes. E o período de campanha oficial será entre 4 e 16 de maio, uma vez que a lei fixa que esta se inicia no 14.º dia anterior e termina às 24 horas da antevéspera do dia designado para as eleições.
Desde que se começou a adivinhar a antecipação das Legislativas, o presidente da República foi relembrando que é fundamental que “a economia, a sociedade e a vida das pessoas continuem”, num período que não será “mais longo do que dois meses” e “antes ainda daquilo que possam vir a ser as eleições autárquicas e as eleições presidenciais em normalidade”. Marcelo, contudo, nunca escondeu a preocupação com a antecipação das eleições num cenário de crise internacional.
Tal como aconteceu há um ano, as sondagens indicam um cenário de incerteza quanto ao resultado das próximas eleições, uma vez que nem o PSD nem o PS parecem ter uma vantagem clara. E à semelhança do último sufrágio, parece improvável qualquer partido conseguir uma maioria absoluta. Com a dissolução do Parlamento, o Governo entra em funções apenas para gestão corrente, ficando impedido de tomar decisões estruturais até à formação de um novo Executivo.
Portugal entrou agora num novo ciclo eleitoral, com uma conjuntura política e internacional tensa e um cenário partidário fragmentado.
Ainda o presidente da República não tinha ouvido o Conselho de Estado nem oficializado a dissolução do Governo, Luís Montenegro já dizia não ter dúvidas de que o caminho seria o de eleições. No Conselho Nacional do PSD, na quarta-feira, o ainda primeiro-ministro afirmou que só se pedia aos portugueses para irem às urnas novamente por inveja do sucesso governamental.
“A principal razão pela qual vamos ter uma dissolução da Assembleia da República e eleições antecipadas, (…) a grande razão, aquela que não é assumida, mas verdadeiramente está por detrás do comportamento dos partidos que derrubaram o Governo, é simples e facilmente explicável: a razão para esta situação é o sucesso do atual Governo e a popularidade do primeiro-ministro”, afirmou, garantindo que o Executivo que até agora liderou era bem visto fora do país.
“Do ponto de vista interno, não quero ajuizar em nome do povo, mas é relativamente pacífico que as portuguesas e os portugueses têm uma apreciação positiva do trabalho do Governo, do líder do Governo, compreenderam o ímpeto transformador e a diferenciação deste ciclo face ao ciclo governativo anterior”, continuou. “A Europa vê Portugal como um exemplo, está atónita com aquilo que está a acontecer a Portugal. Mas a Europa, devo dizer-vos, está expectante para ver quão reforçado vai sair o Governo face à situação criada”.Neste momento, para Montenegro está em jogo não só a continuidade no poder como o próprio futuro político. Ao insistir na moção de confiança deixou o julgamento das suas capacidades para governar, considerando as questões pessoais e familiares, nas mãos dos eleitores.
Os partidos da oposição percecionaram o discurso do presidente da República como uma responsabilização de Luís Montenegro pela atual crise política. O líder socialista avisou que a ética não ficará fora da campanha e que as lideranças dos partidos vão discutir-se nestas eleições.
Pedro Nuno Santos considera que estas eleições "não podem ser encaradas como um estorvo" e sublinha que "são também uma oportunidade de clarificação".
"Temos de escolher um Governo duradouro e com condições para que não esteja a prazo", apelou o secretário-geral do PS depois de oficializada a decisão do presidente da República, insistindo que "esta crise tem origem no primeiro-ministro". Para o líder socialista, a confiança num projeto político "depende da confiança na liderança" e "será entre o PS e o PSD que se vai decidir a saúde da democracia e o desenvolvimento do país".Recorde-se que é a segunda vez que Pedro Nuno Santos concorre às legislativas em resultado de uma crise política - a primeira após a saída de António Costa. Mesmo que desta vez ganhe as eleições, tudo indica que não terá uma maioria de esquerda no Parlamento, o que pode pôr em causa novamente a estabilidade política do país.
Já para André Ventura, a declaração do presidente da República na quinta-feira "foi completamente diferente de todas as outras que fez até agora" a nível da dissolução da Assembleia da República. Na visão do líder do Chega, Marcelo Rebelo de Sousa quis transmitir ao país que o ónus da culpa para a convocação de eleições é "responsabilidade do primeiro-ministro".
Luís Montenegro "arrastou o partido e o país inteiro para uma crise política". Apesar de apontar culpas ao chefe de Governo, Ventura garantiu que a campanha não se irá cingir a este tema.Não se pode esquecer, no entanto, as próprias crises internas do partido nos últimos meses, que deixam em dúvida se o Chega conseguirá manter o eleitorado ou se os votos se podem dispersar.
A Iniciativa Liberal considerou essencial que se dignifiquem as eleições e o debate público, apesar no cenário de crise política em que acontece no novo escrutínio eleitoral. Em reação às declarações de Marcelo, Mariana Leitão afirmou que espera uma campanha "focada em apresentar soluções".
O caminho da IL nestas eleições também parece incerto, embora já se tenho identificado como possível parceiro da Aliança Democrática para a formação de um eventual Governo e até votou a favor da moção de confiança. Mas espera-se que se candidate de forma independente às legislativas.Os partidos mais à esquerda, que perderam eleitorado e deputados nas últimas eleições, são os que podem encarar as Legislativas com mais preocupação, principalmente se se candidatarem de forma independente ou não estiver em cima da mesa qualquer coligação, do tipo Geringonça.
Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, discordou de Marcelo Rebelo de Sousa e considerou que não está em causa um conflito de opiniões sobre conflito ético e sobre esclarecimentos dados ou por dar.
A coordenadora do BE afirmou haver, de facto, "um problema ético", designadamente o primeiro-ministro ter recebido avenças através de uma empresa que está na sua esfera pessoal, e que não forneceu dados e informações dessa empresa.
Rui Tavares considerou que a situação atual teve origem numa crise ética diretamente ligada à figura do primeiro-ministro, e que esta poderá resultar numa "crise de regime". O porta-voz do Livre apelou a ainda a que se evite o "debate de atirar culpas" durante a campanha e que se discutam os problemas dos portugueses e os desafios da Europa.
Paulo Raimundo sublinhou a ideia de Marcelo da "salvaguarda" da democracia, apelando a uma resposta aos problemas dos portugueses: "Estaremos prontos para assumir as responsabilidades que o povo entender".
Paulo Raimundo enfatizou ainda que a oposição do partido ao Governo não se limita ao caso concreto que levou à queda do Governo. Considerou ainda que, ao incidir uma parte da intervenção em torno do caso, o presidente da República sublinhou as responsabilidades que o Governo tem na sua queda.
"Não há nada que o primeiro-ministro possa vir a explicar que altere aquilo que não devia ter sido feito".
E Inês Sousa Real saudou a "sensibilidade" do presidente da República de convocar eleições para 18 de maio "e não para 11 de maio, como queriam os principais partidos do sistema". A deputada do PAN voltou a afirmar que o primeiro-ministro "é o responsável por esta crise política".