Sócrates nega mão do PS no fim do Jornal de Sexta

por RTP
"Essa decisão é da exclusiva responsabilidade da administração da empresa", asseverou ontem o primeiro-ministro Paulo Novais, Lusa

O Governo e o aparelho do PS encaixaram ontem uma barragem de críticas de todas as forças da Oposição após o cancelamento do Jornal de Sexta da TVI e a demissão em bloco da Direcção de Informação da estação. José Sócrates considerou "injustas e infundadas" as acusações de "pretensa influência", mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social abriu um processo de averiguações.

O afastamento da jornalista Manuela Moura Guedes da apresentação do Jornal de Sexta da TVI, a três semanas das eleições legislativas, deu lugar a uma tempestade política que obrigou José Sócrates a assumir tarefas de controlo de danos no seio do Rato e no seu próprio gabinete em São Bento.

A demissão em bloco da Direcção de Informação e da chefia de redacção da estação de Queluz de Baixo, na sequência do cancelamento do Jornal de Sexta, foi conhecida ao início da tarde de quinta-feira, mas o primeiro-ministro manteve-se em silêncio até perto das 21h00. Quando finalmente falou, repetiu o "repúdio" de todas as acusações e críticas desferidas ao PS e ao Executivo, uma posição que já havia sido aventada por Augusto Santos Silva, negou ter "medo do Jornal de Sexta" e disse que a Media Capital, proprietária da TVI, "tem o dever de apresentar as razões" que ditaram o cancelamento do programa.

"Essa decisão é da exclusiva responsabilidade da administração da empresa. Nem eu, nem o Partido Socialista, nem o Governo tivemos nada a ver com essa decisão", afirmava ontem à noite, em Coimbra, o primeiro-ministro. José Sócrates confessava ainda esperar que o PS "não seja penalizado nas urnas", a 27 de Setembro.

Confrontado com as críticas públicas que apontou ao Jornal de Sexta -  em entrevista à RTP, José Sócrates classificou aquele bloco de notícias como um "espaço travestido de jornalismo" -, o primeiro-ministro disse não ter "medo" do programa: "Não o procurei evitar".

Moura Guedes "triste pela liberdade de informação"

A edição semanal conduzida por Manuela Moura Guedes deveria regressar esta sexta-feira com uma peça de investigação sobre o processo Freeport. Um trabalho, explicava ontem a jornalista, que reúne documentação "que contradiz as informações que têm sido publicadas". A sub-directora demissionária disse ainda estar "muito triste": "Não tanto por mim, mas pela liberdade de informação".

As palavras da jornalista levariam o ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, a insistir na ideia de que "o PS não tem absolutamente nenhum receio de qualquer informação ou rumor que possa ser divulgado".

Em comunicado, a administração da TVI argumentou que o cancelamento do Jornal de Sexta teve por base o "objectivo de homogeneizar e reforçar a consistência do Jornal Nacional ao longo de toda a semana".

"Desejamos manifestar expressamente que o respeito pelos valores da liberdade de expressão e o direito à informação constituem, juntamente com a independência, rigor e profissionalismo, os fundamentos sobre os quais se constrói a identidade da nossa estação e se baseia a qualidade de informação", frisaram os responsáveis pela administração da TVI.

Para a redacção da TVI, porém, "a administração põe em causa a seriedade e a competência de todos os seus profissionais" ao subtrair o Jornal de Sexta na véspera do seu recomeço.

"A redacção da TVI reprova quaisquer actos que ponham em causa a sua dignidade profissional e independência jornalística, bem como a liberdade de imprensa em geral", enfatizaram os jornalistas numa nota assinada após um plenário.

ERC abre processo de averiguações

A notícia de demissão em bloco na TVI foi também recebida com "estupefacção" pelo presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). No entender de José Azeredo Lopes, o cancelamento do Jornal de Sexta configura uma "total ausência de oportunidade".

"Tenho por absolutamente inaceitável e de uma total ausência de sentido de oportunidade, com uma consequência objectiva de interferência num processo eleitoral, a decisão que foi tornada pública e tomada pela administração da TVI", reagiu ontem o presidente da ERC, em declarações citadas pela agência Lusa.

Azeredo Lopes admitiu que a decisão dos administradores da estação pode assentar em questões "que podem vir a ser importantes do ponto de vista da liberdade de imprensa": "Há aqui um ponto que logo à partida é inaceitável, independentemente da razão, ou falta dela, para a decisão tomada pela administração e não vou tecer acusações sem que seja notificada a TVI para pronúncia sobre este assunto. É inaceitável que esta decisão tenha sido tomada em período eleitoral".

Em comunicado, a ERC revelou ter em marcha um processo de averiguações: "Perante a situação descrita e a eventual violação de valores com dignidade constitucional, de que é exemplo a liberdade de imprensa, o Conselho Regulador delibera, no âmbito das suas atribuições relativas à defesa do ‘livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa', a imediata abertura, com carácter de urgência, de um processo de averiguações".

"Volúpia de controlo"

O cancelamento do Jornal de Sexta da TVI esteve também em destaque no segundo debate televisivo para as eleições legislativas, que pôs frente-a-frente, na SIC, o coordenador do Bloco de Esquerda e o secretário-geral do PCP. Ambos lembraram o "incómodo" público de José Sócrates face à linha editorial do bloco noticioso apresentado por Manuela Moura Guedes.

"Eu não quero fazer juízos de intenções, mas a verdade é que há um histórico, tendo em conta as declarações no Congresso do PS, o bloqueio de ministros à TVI", sustentou ontem à noite Jerónimo de Sousa, acrescentando que "à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer".

Por sua vez, Francisco Louçã salientou a "coincidência" da supressão do Jornal de Sexta com o contexto de eleições. O primeiro-ministro, afirmou o dirigente do BE, "disse que não há interferências, mas algumas ocorreram". Louçã evocou o que disse ser uma longa história da "volúpia de controlo" da comunicação social para imputar ao Executivo de coligação entre PSD e CDS-PP o "primeiro grande episódio de asfixia democrática" - o afastamento de Marcelo Rebelo de Sousa do espaço de comentários na TVI.

"Portugal e a democracia portuguesa estão de luto"

Na reacção aos acontecimentos na TVI, a direcção do PSD responsabilizou directamente o Governo socialista, com o vice-presidente do partido José Pedro Aguiar Branco a ver no cancelamento do Jornal de Sexta "um dos maiores atentados à liberdade de informação de que há memória depois do 25 de Abril".

Para a direcção de Manuela Ferreira Leite, o processo que levou a Direcção de Informação da TVI a demitir-se em bloco constitui "a prova acabada de uma estratégia contínua e intencional de condicionamento, interferência e silenciamento de um órgão de comunicação social, próprio de uma sociedade que vive um cada vez mais insuportável clima de asfixia democrática".

"Temos um primeiro-ministro e um Governo que convivem mal, mesmo muito mal, com as liberdades e que não olham a meios enquanto não conseguem controlar ou silenciar quem os critica ou ousa pensar diferente", enfatizou o vice-presidente do PSD.

Já esta sexta-feira, após um encontro em Berlim com a chanceler alemã Angela Merkel, a presidente do PSD manifestou-se preocupada com a notícia da demissão em bloco na TVI, mas remeteu mais comentários para o regresso a Lisboa.

"Eu não vou fora do país fazer comentários sobre aquilo que se passa no país", sublinhou Manuela Ferreira Leite.

"Ordem socialista"

Também o presidente do CDS-PP, Paulo Portas, assaca responsabilidades à cúpula do PS, dizendo ser "evidente que se trata de um acto de censura a três semanas das eleições": "É uma ordem socialista através do seu aliado, a Prisa. É uma ordem vinda de Espanha, mas que afecta directamente uma liberdade essencial dos portugueses".

"Uma ordem de um certo poder económico que acha que pode controlar uma eleição política e democrática. A todos os títulos é grave. Goste-se ou não do tom e do estilo do Jornal Nacional, há uma coisa mais importante: a liberdade de pensar e a liberdade de expressão", declarou ontem Paulo Portas.

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