“Um ato ignóbil” é o que José Sócrates vê na postura do PS perante o que descreve como “abusos” no processo Marquês. Entrevistado pela revista Visão, o antigo primeiro-ministro considera mesmo que o partido foi “cúmplice” por via do “seu silêncio”. E declara que a relação com António Costa já “não existe”.
“Lamento que o PS se junte às vozes da direita numa condenação sem julgamento; isso é um ato ignóbil. Mesmo na questão do [antigo ministro da Economia] Manuel Pinho, o PS não se comportou como devia”, afirma José Sócrates numa entrevista que preenche seis páginas da edição desta semana da revista Visão, a publicar na quinta-feira.As declarações de José Sócrates à Visão são conhecidas a 48 horas do XXII Congresso dos socialistas, que vai decorrer na Batalha.
Revisitando a recente desfiliação do Partido Socialista, o antigo governante insiste na ideia de poupar o Rato a um “embaraço mútuo”.
“Não admito esse tipo de declarações a camaradas meus e tínhamos de acabar com esse embaraço mútuo”, vinca.
Sócrates sublinha que o “mal-estar já vinha de antes”.
“É sabido que eu tinha um incómodo com o PS, que este se devia ao facto de o PS, com o seu silêncio, ser, de certa forma, cúmplice de todos os abusos cometidos contra mim: a detenção para interrogatório, a prisão para investigação, a campanha de difamação baseada na violação do segredo de justiça. E o silêncio embaraçante que permitiu que um juiz assumisse, numa entrevista, uma posição de completa parcialidade”, enumera.
“Nada disse”
“E, sim, o mal-estar já vinha de antes. O PS foi cúmplice desses abusos. Tive essa consciência, mas nada disse. Eu próprio recomendei a distância. Só que este processo é excecional, teve uma motivação exclusivamente política. Teve e tem”, acentua o antigo chefe de governo.
Quando questionado sobre o estado da sua relação com António Costa, José Sócrates adianta que “está como há quatro anos: não existe”.
Sócrates é também questionado sobre a natureza da visita que o atual primeiro-ministro lhe fez quando esteve detido em Évora, designadamente se considera ter-se tratado de “uma encenação”.
“Desculpe lá! Presume mal! A minha relação com António Costa não existe, mas não pode dizer que a visita foi um gesto de hipocrisia! Permitir-se insinuar isso é obsceno! Eu tinha uma relação política e pessoal que estes anos extinguiram! É só isto!”, exclama.
Ao almoço
Foi no passado dia 4 de maio, em artigo de opinião no Jornal de Notícias, que José Sócrates anunciou a desfiliação do PS.
No último domingo, durante um almoço de apoio em Lisboa que juntou uma centena de pessoas, o antigo secretário-geral socialista afiançava que não decidira desfiliar-se do partido para o “atacar”.
“Não desejo fazer nenhum comentário mais sobre o assunto, mas se a alguém passou pela cabeça que eu ia agora começar a atacar o PS ou ferir a sensibilidade dos militantes socialistas que vão agora disputar o seu congresso, estão muito enganados. Nunca faria isso. Tenho grande afeto e ligação emotiva muito forte e tenho por eles o maior respeito”, dizia então.
c/ Lusa