Rio ou Rangel. Guia das eleições internas do PSD

Rui Rio e Paulo Rangel são os dois candidatos que vão este sábado a votos para a presidência do PSD. Apesar de ambos convergirem em vários pontos, nomeadamente no combate à corrupção, na redução da carga fiscal e aumento dos salários, os dois candidatos apresentam pontos de vista diferentes em diversas questões. O principal ponto de discórdia consiste na perspetiva de governabilidade após as legislativas de 30 de janeiro.

Cerca de 46 mil militantes vão poder votar nestas eleições, o segundo menor número de eleitores inscritos desde que existem eleições diretas.

Depois de Nuno Miguel Henriques ter desistido da corrida à liderança do PSD, a hipótese de uma segunda volta (agendada para 1 de dezembro) fica praticamente de lado
, dado que apenas se justificaria se Rui Rio e Paulo Rangel recebessem o exato número de votos, o que seria uma bizarria estatística.

Decorridas as eleições, o 39.º Congresso reúne-se entre 17 e 19 de dezembro, em Lisboa, para apresentação das listas de candidatos à Assembleia da República.
Quem são os dois candidatos?

Rui Rio

- Nasceu no Porto, a 6 de agosto de 1957 (64 anos);

- Licenciou-se em Economia na Universidade do Porto;

- Foi eleito deputado (pelo círculo do Porto) à Assembleia da República em 1991, onde permaneceu durante dez anos;

- Entre 1996 e 1997 assumiu o cargo de secretário-geral do PSD, quando o líder do partido era Marcelo Rebelo de Sousa;

- Foi Presidente da Câmara Municipal do Porto entre 2002 e 2013.

Rui Rio anunciou a candidatura à liderança do PSD a 11 de outubro de 2017. Nas eleições diretas do partido, a 13 de janeiro de 2018, defrontou o ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, tendo saído vitorioso, com 54,37% dos votos dos militantes do PSD.

Em 2020, Rui Rio recandidatou-se a presidente do PSD, concorrendo contra Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz na primeira volta, que teve lugar a 11 de janeiro. Rio reuniu 15.546 votos num universo de 32.082 votantes. Na segunda volta, a 18 de janeiro, Rui Rio conseguiu o segundo mandato, com 17.157 votos, contra os 15.086 de Luís Montenegro. Rio tomou posse no 38.º Congresso, que se realizou de 7 a 9 de fevereiro de 2020.


Paulo Rangel

- Nasceu em Vila Nova de Gaia, a 18 de fevereiro de 1968 (53 anos);

- Licenciou-se em 1991 na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa;

- Foi incluído nas listas do PSD para as legislativas de 2005 e eleito deputado à Assembleia da República, pelo círculo do Porto;

- Em 2009, foi a escolha de Manuela Ferreira Leite para encabeçar a lista do partido às eleições para o Parlamento Europeu, das quais saiu vencedor;

- Em 2010, disputou com Pedro Passos Coelho e Aguiar-Branco a liderança do PSD, tendo saído derrotado. Em 2017, voltou a ser apontado para a liderança do PSD, mas acabou por não concorrer.
O que defendem nas moções?

Na passada segunda-feira, os dois candidatos entregaram as candidaturas à liderança do PSD e as respetivas moções de estratégia que vão levar a congresso, no sábado. A começar pelo número de páginas (a moção de Rui Rio, intitulada “Governar Portugal”, conta com 18 páginas, já a de Paulo Rangel, designada “Portugal: Ambição e Esperança”, conta com 66 páginas), as duas moções são muito diferentes entre si e transmitem visões que chegam a ser antagónicas, tanto para o país, como para o próprio partido. Já em questões como o combate à corrupção, a redução da carga fiscal e o aumento dos salários, Rio e Rangel estão em uníssono.

Resumimos aqui as ideias fundamentais defendidas por cada um em seis pontos.1. Governação
O ponto onde os dois candidatos mais divergem é na perspetiva de governabilidade, caso o PS venha a vencer as eleições legislativas de 30 de janeiro.

Rui Rio, que tem admitido ser desejável um entendimento com o PS para a viabilização de eventuais governos minoritários que saiam das legislativas, defende que “importa construir uma nova maioria sem linhas vermelhas, assente no diálogo e no compromisso, à esquerda ou à direita, cujo único limite será a da moderação, do respeito pelas instituições constitucionais e a do superior interesse nacional”.

Na sua moção, intitulada “Governar Portugal”, o atual líder dos social-democratas insiste que “as próximas eleições decidir-se-ão ao centro”, embora rejeite um bloco central.

"Fazer um Bloco Central, ou seja, um Governo em que há primeiro-ministro do PSD ou do PS e depois com ministros dos outros partidos, isso não. Não vejo nenhuma necessidade disso”,
disse Rui Rio em entrevista à RTP. “Outra coisa é eu ter um nível de responsabilidade para com o país que não inviabilize a governação do país. Todos os partidos, sem exceção, têm o dever de contribuir para a governabilidade", defendeu.

Já Paulo Rangel mostra-se focado na obtenção “de uma maioria absoluta ou na formação de uma maioria estável, aberta aos nossos parceiros naturais (CDS e IL), que sustente um governo com o horizonte da legislatura” e defende que o PSD “deve recusar a solução de bloco central ainda que de meia-legislatura”, assim como a “formação de coligações ou alianças com forças políticas radicais, sejam de direita ou de esquerda”.

"O líder do PSD tem sempre de ser o candidato a primeiro-ministro, não se reduzindo a ser um proto-candidato a vice-primeiro-ministro, ou a um apoio de recurso ao PS e a António Costa", sublinha a moção de Rangel, intitulada "Portugal: Ambição e Esperança".

Sem esclarecer, na moção, o que fará no caso de não conseguir a tão desejada maioria absoluta, Rangel salvaguarda apenas que irá respeitar "a vontade expressa pelos eleitores" no quadro que resultar das legislativas.
2. Combate à corrupção
Por sua vez, o combate à corrupção é um dos pontos onde os dois candidatos parecem estar em sintonia. Para o recandidato à presidência social-democrata, este tema é uma das suas bandeiras e defende que o partido “tem de centrar-se na eliminação dos contextos que favorecem essa corrupção”.

“Temos de afirmar a nossa independência face às oligarquias, eliminar a lógica clientelar no acesso aos cargos públicos e contrariar a ação das parentelas na ocupação do aparelho do Estado, das autarquias e empresas públicas, especialmente nos órgãos executivos de nomeação”, concretiza.

O eurodeputado também coloca o combate à corrupção como uma prioridade, mas ao contrário de Rio, avança com uma proposta concreta: a “criação de uma agência anticorrupção altamente especializada e com poderes efetivos de investigação, prossecução criminal e sensibilização
, dando um sinal visível de combate à criminalidade de colarinho branco praticada em Portugal”.
3. Justiça
Para Rui Rio, a justiça é um setor que necessita de uma “reforma urgente”
. “O PSD já apresentou as suas propostas para a Reforma da Justiça. Se mais não se avançou foi única e simplesmente por falta de vontade política do Partido Socialista e das forças à sua esquerda. Será decisiva a construção de uma maioria inequívoca para que esta e outras reformas possam produzir os efeitos esperados”, sublinha na sua moção.

No programa eleitoral apresentado pelo candidato às legislativas de 2019, Rui Rio expõe uma longa lista de propostas de reformas neste campo, que passam, desde logo, pela melhoria do funcionamento dos órgãos de governo das Magistraturas, pela generalização do acesso do cidadão à justiça, pela qualificação dos seus profissionais e pela simplificação e celeridade processuais.

A morosidade da Justiça é, precisamente, o principal ponto crítico por parte de Rangel, que destaca o impacto que tem na economia.


"É necessário não permitir o uso meramente dilatório de normas e instrumentos jurídicos que visam a proteção do arguido, mas não isentar de punição certos comportamentos. As garantias do Estado de Direito não se devem transformar numa cobertura para, em nome do Estado de Direito, se atacar esse Estado de Direito, promovendo uma sujeição diferente ao Direito consoante se é rico ou pobre, poderoso ou frágil", refere a moção do eurodeputado.

Para Rangel, a prioridade deverá ser a “simplificação processual e de gestão dos processos associada, quer a um choque tecnológico, quer a um maior poder dos juízes na condução dos processos”.
4. Saúde
Na moção de Rui Rio, o quarto desafio que representa uma situação de bloqueio é a degradação dos serviços públicos, sendo a mais grave a situação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “O SNS é vítima de uma gestão sem critério, sem autonomia nem responsabilidade que a transforma em ineficiência estrutural”, lê-se na moção.

O atual presidente do PSD defende que “não há alternativa a considerarmos os serviços de saúde, públicos e privados, como um todo, mobilizando todos os recursos disponíveis para a concretização do objetivo principal: assegurar um bom serviço de saúde, em tempo e com qualidade”.


Também Rangel descreve a situação atual do SNS como “preocupante” e atira grande parte da responsabilidade “à ausência de investimento por parte da governação socialista e à contaminação ideológica que promoveu na política de saúde”.

Neste âmbito, Rangel considera que o “pilar fundamental tem de ser a garantia de acesso universal a cuidados de saúde para todos os portugueses”, seguindo-se por um reforço da transição digital do SNS e num investimento na saúde e não apenas em cuidados de saúde.

O eurodeputado defende ainda que a decisão sobre os regimes de gestão dos hospitais do SNS deve ser “um processo baseado na evidência e não em preconceitos ideológicos”.
5. Educação
"A desorganização do sistema de ensino, o envelhecimento, a desmotivação e a não renovação dos quadros docentes" são os principais problemas apontados por Rui Rio no setor da educação.

O atual presidente defende, deste modo, que a reforma na educação “tem de começar pelas bases”, com a educação de infância (creches e infantários) acessível a todas as crianças, a promoção do sucesso escolar, rigor e clareza curricular, diversidade pedagógica, entre outros.

Paulo Rangel define três prioridades no campo da educação. A primeira é garantir a oferta gratuita e universal do ensino pré-escolar entre os três e os cinco anos, “podendo mesmo estabelecer-se a sua obrigatoriedade”.

A segunda consiste na aposta no ensino e na formação profissional e técnico-profissional, seja no grau secundário, no nível superior, seja num nível independente de ambos ao longo da vida.

Como terceira prioridade, Rangel coloca “a garantia de exigência no ensino básico e secundário”.

Relativamente aos professores (assim como aos restantes funcionários públicos), o eurodeputado propõe a valorização da carreira, “seja através do ajustamento dos salários, seja da melhoria das condições de trabalho e da diferenciação e valorização dos melhores profissionais, criando ferramentas efetivas de gestão dos recursos humanos públicos que permitam reter e atrair talento para o Estado”.
6. Sistema político e PSD
Na sua moção, Rui Rio faz referência à reforma do sistema político, uma das reformas sempre defendidas pelo líder dos sociais-democratas. “No que respeita ao funcionamento do sistema político essa erosão expressou-se na degradação dos mecanismos de representação e no afastamento, lento, mas progressivo, dos cidadãos em relação às instituições políticas. Há que reconhecer que existe uma crise de representação”, defende.

"O afastamento dos cidadãos expresso no seu indiferentismo e o défice de confiança nas instituições são sinais que deveriam mobilizar todos os partidos para uma reflexão em torno da sua organização, da sua ligação à sociedade e dos mecanismos de representação", lê-se ainda na moção.

O atual líder dos social-democratas considera que a reforma deve começar nos partidos políticos e acabar “na própria reforma do Estado e das suas instituições centrais”.

Rio sustenta ainda que “face ao crescente risco de populismo e radicalismo na sociedade portuguesa é necessário encontrar respostas que contribuam para o reforço das instituições, para a sua maior transparência e escrutínio, para a sua capacidade para responderem aos problemas do País e dos Cidadãos”.

Relativamente ao seu partido, Rio faz um balanço positivo dos resultados do ultimado mandato e defende que o PSD “está em condições de governar Portugal”. “O PSD construiu a alternativa e preparou-se para Governar Portugal”, lê-se na moção do atual líder dos sociais-democratas, que coloca como objetivo chegar ao cargo de primeiro-ministro.

Rangel também diz querer ser candidato a primeiro-ministro, mas primeiro quer modernizar o PSD. Na sua moção, o eurodeputado defende que o partido “precisa de mudar de estratégia, precisa de mudar de líder e de direção, precisa de definir um rumo de alternativa clara e inequívoca à política e à governação socialista”.

No capítulo “Unir e modernizar o PSD para reformar a política portuguesa”, Rangel defende que o PSD “tem de ser ambicioso e assumir um conjunto de medidas que visem restaurar a confiança dos cidadãos na política, nas instituições políticas e nos políticos”. "Aquilo que pretendo que o PSD seja é uma alternativa. Uma alternativa ambiciosa e de esperança para os portugueses", disse Rangel em entrevista à RTP.

O candidato sugere, assim, a criação de uma comissão de ética, “composta por militantes independentes reputados e credíveis”, cuja principal tarefa será a de “fazer uma avaliação de eventuais incompatibilidades, por razões ou riscos éticos, dos candidatos que o partido esteja a ponderar candidatar aos diferentes cargos políticos”.

Outra das propostas consiste em lançar “um debate profundo e alargado no partido, envolvendo representantes da sociedade civil e especialistas em partidos e sistemas eleitorais, sobre a realização de primárias abertas” a simpatizantes. "Esse debate concluir-se-á com um referendo no partido sobre essas primárias", propõe a moção de Paulo Rangel.

Ainda com vista à modernização do PSD, a moção defende ainda a criação de uma academia política permanente e profissionalizada para a “capacitação dos novos quadros políticos", ligada a think-tanks nacionais e estrangeiros, designadamente europeus.

Rangel defende que deve também ser permitida a substituição do pagamento de quotas pela participação num determinado número de iniciativas da Academia do Partido.