PSD recusa "entendimentos" com Chega sobre acesso de estrangeiros ao SNS

por João Alexandre

Fotografias: Gonçalo Costa Martins

Sociais-democratas negam aproximação ao partido de André Ventura. Chega pede diálogo. PS aponta "populismo" e pede mais dados

No dia em que o parlamento debate as propostas sobre o acesso de cidadãos estrangeiros não residentes ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), o PSD garante que não há qualquer aproximação ao Chega e avisa o PS que vai defender os méritos da proposta com argumentos constitucionais.

Em declarações à Antena 1, no programa Entre Políticos, o deputado social-democrata Miguel Guimarães afirma que o PSD quer mudar a lei, mas insiste que as mudanças não implicam qualquer acordo com o partido de André Ventura: "Não há entendimento nenhum com nenhum partido político", diz.
Segundo o deputado e vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, os sociais-democratas avançam de "forma genuína" para regular uma situação que é "totalmente injusta" e que o PSD quer ver regulada. "O que vai acontecer hoje [na Assembleia da República] é muito simples. Nós vamos apresentar a nossa proposta, o Chega tem várias propostas e o PS também tem várias propostas. E estas propostas vão ser votadas. A nossa é uma proposta genuína, que não altera muitas outras coisas que, por exemplo, o Chega pretende alterar", sublinha Miguel Guimarães.

O deputado e ex-bastonário da Ordem dos Médicos adianta ainda que a proposta do PSD e do CDS-PP defende uma "alteração de fundo" que distinga os "beneficiários" do SNS das "pessoas que podem utilizar" o SNS. "O número de utentes estrangeiros com morada estrangeira em Portugal, neste momento, é de 166.772 mil. E, o número de utentes estrangeiros para os quais não existe informação da morada é de 242.551 mil", assinala ainda Miguel Guimarães, que insiste: "Não é pouco".

"É óbvio que é necessário fazer alguma coisa, porque é assim em todos os países da Europa", diz o deputado, que rebate ainda as afirmações de Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, sobre uma alegada inconstitucionalidade na proposta apresentada pelos partidos da maioria: "Independentemente dos números, nós temos de ter regras, ou seja, as regras têm de existir e a nossa Constituição é muito clara nesta matéria (...) Eu vou responder no plenário à líder parlamentar do PS".

Chega salienta "pequena vitória" com propostas do PSD e do CDS-PP

Rita Matias, deputada do Chega, lamenta o que diz ser o "afastamento" que o PSD "tenta fazer" em relação às propostas do Chega, mas mostra-se satisfeita com o facto de os sociais-democratas entrarem no debate sobre o acesso de cidadãos estrangeiros ao SNS.

"Podemos olhar para o copo meio cheio ou meio vazio. Há uns meses era impossível estarmos a ter este debate com propostas do PSD - e até do PS. Portanto, de repente o Chega conseguiu criar uma consciência mais alargada de que realmente a imigração traz vários desafios. Os desafios que a imigração traz são transversais a quase todas as áreas da sociedade, mas, é uma pequena vitória que devemos celebrar termos um PSD finalmente a assumir que, de facto, há cidadãos estrangeiros que utilizam de forma indevida os nossos recursos públicos", afirmou a deputada na Antena 1.
Para a dirigente e vice-presidente do grupo parlamentar do Chega, é, no entanto, preciso ter em conta a possibilidade de o PSD ter uma "estratégia eleitoralista" para "tentar esvaziar o discurso" do Chega: "Não sei se é essa a estratégia ou não, mas o que sei é que hoje temos um debate muito importante".

"Eu acho que nós não precisamos de muito mais números para compreender que isto é um fenómeno. Aliás, na Assembleia da República temos neste momento a decorrer uma comissão parlamentar de inquérito que trata precisamente da utilização - e aparentemente, na opinião da Chega, absolutamente indevida - de recursos por cidadãos estrangeiros que vêm ao SNS e que, neste caso, obtêm um tratamento que não era merecido", insiste Rita Matias, que admite a possibilidade de os projetos de lei poderem seguir para a comissão de especialidade sem votação - com o objetivo de prolongar o debate no parlamento.

PS aponta "populismo" de PSD e Chega e pede mais dados

O PS insiste que os dados sobre o acesso de cidadãos estrangeiros ao SNS são escassos e acusa o Chega e os partidos da maioria de quererem legislar sem factos que comprovem qualquer tipo de problema concreto.

"O PSD, CDS-PP e o Chega pretendem legislar perante um problema - ou seja, que identificam como problema - sem informação suficiente", critica o deputado socialista João Paulo Correia, que salienta: "O Diretor-Executivo do SNS chamou a atenção na comissão parlamentar de saúde que tivemos uma Jornada Mundial da Juventude com um milhão e 500 mil cidadãos estrangeiros não-residentes em Portugal (...) O relatório da IGAS - Inspeção-Geral das Atividades em Saúde não desagrega informação. Nós não sabemos exatamente quantos daqueles cidadãos puderam pagar ou, até, quantos receberam uma nota de cobrança por parte dos centros hospitalares".

Segundo o coordenador do PS na comissão de saúde, que sublinha o voto contra dos socialistas às propostas de PSD, CDS-PP e Chega, só com mais dados e maior detalhe será possível pensar em eventuais alterações à lei.
"A presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde deixou claro que o sistema informático dos hospitais tem todas as condições para que sejam cobrados os custos de tratamento de saúde prestados a cidadãos estrangeiros não-residentes que se enquadram naquilo que é a orientação que a própria Administração Central deu já há anos aos hospitais. Portanto, do nosso ponto de vista, esse assunto ficou esclarecido", afirma.

João Paulo Correia, antigo secretário de Estado do Governo de António Costa, critica ainda a "estratégia" do PSD e acusa o partido de querer desviar o debate público dos "reais problemas" do Serviço Nacional de Saúde.

"Continuamos a ter uma crise no acesso às urgências e a ter utentes em lista de espera acima do tempo máximo de resposta - incluindo mais de mil doentes oncológicos à espera de cirurgia -, temos uma crise nos médicos de medicina geral e familiar, e o Governo não consegue diminuir o número de utentes sem médico de família. Há uma estratégia do PSD de desviar o debate público na saúde para este tema e também de disputar com o Chega um campo ideológico que não é só na área da saúde, mas que também é na área da saúde".
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