Poiares Maduro adverte que reforma do sistema eleitoral não resolve problemas de confiança no sistema político

por Lusa

O coordenador do Observatório de Política da SEDES, Miguel Poiares Maduro, alertou hoje que a reforma do sistema eleitoral não resolve "os problemas de perda de confiança no sistema político", apesar de haver razões legítimas para a fazer.

Na sessão de encerramento de uma conferência promovida pela SEDES -- Associação para o Desenvolvimento Económico e Social e pelo Conselho das Comunidades Portuguesas, que decorreu hoje na Assembleia da República, Miguel Poiares Maduro referiu que se tem "vindo a assistir a uma diminuição, expressa pelos cidadãos, de satisfação pela democracia".

"Há muitas vezes a tendência de pensar que, vamos reformar o sistema eleitoral, e, reformando o sistema eleitoral isto vai tudo correr muito bem, e as pessoas vão estar muito contentes com os atores políticos, com o sistema político. Isso não é necessariamente assim. (...) Aliás, diria que a probabilidade dessa causalidade ser verdadeira é diminuta", afirmou.

O antigo ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional do XIX Governo Constitucional, liderado por Pedro Passos Coelho, frisou no entanto que, apesar de a reforma do sistema eleitoral não estar necessariamente ligada a um reforço da confiança nas instituições políticas, isso não significa que não haja razões legítimas para a fazer.

"Pode haver muito boas razões para nós alterarmos o nosso sistema eleitoral: porque queremos melhorar a qualidade de funcionamento do nosso sistema político, independentemente de termos a expectativa de que isso vai gerar um grau maior de satisfação dos cidadãos eleitores com a política", indicou.

Abordando a questão do voto eletrónico `online` -- referida durante a sessão, designadamente no que se refere às modalidades de votação nos círculos da emigração -- Poiares Maduro ressalvou que é necessário equilibrar a "facilitação da participação eleitoral" com os "riscos para a integridade do sistema eleitoral".

O antigo governante sublinhou que, no que se refere às questões de fraude ou de pirataria dos sistemas de votação eletrónica à distância, essa questão, em termos técnicos, "oferece cada vez maior garantias", mas alertou para a importância de se abordar o "contexto cultural e político" antes de se introduzir essa modalidade.

"Continua a existir um problema fundamental, sobretudo em determinadas culturas políticas, que é muito difícil de resolver: (...) o caciquismo, que é basicamente as pessoas tomarem controlo, pressionando o voto de outras pessoas", sublinhou, antes de considerar que é preciso ponderar a introdução de certas medidas - como a utilização de câmaras para se assegurar que as pessoas votam sozinhas - para mitigar o risco de usurpação do voto.

Poiares Maduro afirmou ainda que, no que se refere a Portugal, existe ainda outro problema quando se aborda a introdução do voto eletrónico, que se prende com o facto de esse sistema só funcionar "do ponto de vista da paz social e da confiança política no sistema político onde existir uma enorme confiança nas instituições públicas que serão responsáveis pela gestão desse sistema".

"Tenho receio de que, se isso fosse introduzido agora em Portugal, as questões que se iam colocar, as dúvidas sobre o controle, a verdadeira independência das entidades, iam contaminar de forma extraordinariamente grave o próprio resultado de qualquer eleição. Para nós evoluirmos nesse sentido não é apenas uma questão técnica, é uma questão de gerar nas instituições públicas que vão ser responsáveis por assegurar e auditar a integridade do sistema", frisou.

Intervindo depois de Poiares Maduro, o presidente do Conselho Coordenador da SEDES, Álvaro Beleza, defendeu que a questão da reforma do sistema eleitoral serve para "melhorar a democracia para que as pessoas possam todas votar mais facilmente".

"Gostava de saber, de facto, porque é que não se começa a pensar verdadeiramente na introdução de voto por correspondência, de voto antecipado, de voto eletrónico. (...) Eu não estou a dizer que isso se faça de um dia para o outro, mas o mundo está a andar muito depressa, a revolução digital teve um avanço absolutamente extraordinário com a pandemia e, portanto, temos que utilizar todas as ferramentas, garantido todos os cuidados (...) para que as pessoas possam votar", frisou.

O antigo dirigente do PS acrescentou que a necessidade de tornar o voto "mais confortável" não se deve fazer apenas para "diminuir a abstenção" ou "para que as pessoas votem mais", mas sobretudo para "melhorar a democracia".

"Nós devemos melhorar o nosso sistema democrático, como também fazemos para melhorar nas universidades, nas aulas que damos, nas empresas que temos. A nossa vida é feita de melhoria contínua e, portanto, temos de melhorar continuamente a nossa vida", disse.

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