Personalidades continuam a entrar e sair de Belém

por Paulo Alexandre Amaral - RTP
Rafael Marchante - Reuters

O Presidente Aníbal Cavaco Silva continua a fazer as suas auscultações com vista a tomar uma decisão sobre o futuro governo, com as vozes da esquerda a levantarem-se contra o que consideram uma demora que o país não está em condições de suportar. Em situação semelhante, há 11 anos, o então Presidente Jorge Sampaio levou 10 dias a decidir, prazo que Cavaco já não vai a tempo de igualar. Depois de ter ouvido na véspera a banca, esta quinta-feira foi a vez de ouvir sete conhecidas personalidades da vida económica, entre as quais vários antigos ministros das Finanças que ocuparam o cargo na última década.

Ex-ministros das Finanças João Salgueiro e Campos e Cunha ouvidos às 11h30 e às 12h15. Na ronda da tarde, às 15h00, o ministro das Finanças de José Sócrates, Teixeira dos Santos; Bagão Félix às 15h45 e o ex-ministro da Economia Augusto Mateus às 16h30.O primeiro a ser ouvido foi Vítor Bento, conselheiro de Estado, economista dos quadros do Banco de Portugal e uma das personalidades públicas em quem Cavaco Silva deposita enorme confiança.

À saída da audiência com o Presidente, Vítor Bento pouco adiantou aos jornalistas: “As pessoas precisam de uma economia que prospere para poderem melhorar as suas vidas, para prosperar a economia precisa de estabilidade política e estabilidade de propósitos para poderem planear a prazo, de rigor e estabilidade financeira, de flexibilidade e de baixos custos de contexto”.

Vítor Bento declarou ainda que "é razoável esperar e desejar que a sociedade política consiga produzir as soluções políticas, nomeadamente governativas, que assegurem essas condições".

Menos explícito foi Daniel Bessa . À saída do encontro com o Chefe de Estado, o antigo ministro e atual presidente da COTEC apontou à necessidade de salvaguardar o rumo das contas públicas.

"A única questão que se tem vindo a discutir com a qual eu posso estar menos de acordo tem que ver com a importância que do meu ponto de vista se está a conceder ao consumo e ao mercado interno que me parece, do meu ponto de vista, excessiva", declarou Daniel Bessa, reconhecendo que a situação da economia continua "bastante difícil".

De tarde o Presidente da República ouviu os ex-titulares da pasta das Finanças Teixeira dos Santos e Bagão Félix e da Economia Augusto Mateus.

O antigo ministro das Finanças João Salgueiro disse, por seu turno, que o único objetivo comum da convergência de esquerda é "ver-se livre do Governo de direita".

"É difícil ver ali um programa de desenvolvimento nesta estratégia conjunta, é uma estratégia de oportunidade", afirmou João Salgueiro no final da audiência com o Presidente da República.
Campos e Cunha aponta "estabilidade governativa"

Última personalidade a ser ouvida durante a manhã, Campos e Cunha defendeu a necessidade de "estabilidade governativa" e apelou ao fim dos ataques pessoais que diz não contribuírem para esse clima de estabilidade.

"A estabilidade governamental é necessária para garantir outro tipo de estabilidade muito mais fundamental para a economia portuguesa, a estabilidade das leis fiscais, a estabilidade das leis laborais, sem as quais não pode haver previsibilidade e não havendo previsibilidade não há investimento e a economia portuguesa poderá entrar novamente em recessão", declarou aos jornalistas Campos e Cunha.

O antigo ministro deixou ainda um conselho aos actuais governantes: "É necessário que também haja uma acalmia e que a reputação da classe política seja restabelecida e para isso é preciso que eles próprios tenham calma e saibam discutir questões políticas sem ataques pessoais".
Teixeira dos Santos e as "finanças públicas sãs"
Também o antigo ministro das Finanças de José Sócrates esteve em Belém no âmbito das auscultações para uma decisão de Cavaco Silva.

Ouvido pelo Presidente, Teixeira dos Santos defendeu um quadro político de "respeito pelos compromissos europeus" e "um governo empenhado em manter as finanças públicas sãs".

"É importante que o país possa ser declarado pelos seus parceiros que saiu dessa situação de défice excessivo e isso não será possível se não tivemos um quadro orçamental definido o mais rapidamente possível para 2016 e para os anos seguintes", afirmou Teixeira dos Santos.

Já o antigo ministro das Finanças Bagão Félix defendeu após o encontro com Cavaco Silva que "o Presidente, não podendo impedir as queda de um Governo no Parlamento, não é também obrigado a aceitar qualquer solução governativa que lhe seja apresentada".

Bagão Félix deixou à saída, na sua declaração aos jornalistas, a ideia de que "o acordo à esquerda é um acordo a curto prazo".

Economia necessita de entendimentos
Augusto Mateus foi o último dos economistas a ser ouvido por Cavaco Silva. Ao Presidente, o ex-ministro do Governo de Guterres defendeu que não deveria haver tanta crispação como a que existe neste momento. “Há problemas que exigem um envolvimento alargado entre agentes económicos e agentes políticos”, argumentou.

O economista considerou que economia está em recuperação, mas ainda muito no início, com pouca margem de manobra e com necessidade de continuar a consolidação orçamental.

Sobre as propostas do programa de governo PS com apoio parlamentar da esquerda, Augusto Mateus considerou que ele “hipervalorização a margem de manobra” e, ao mesmo tempo, não aposta no desenvolvimento económico competitivo e na internacionalização como o economista defende. Além disso, considera errada uma aposta excessiva no consumo e no mercado interno.

Augusto Mateus disse que é tempo de o país se concentrar no futuro do país, mas apontou erros do passado. Defendeu que o ajustamento podia ter sido “menos financeiro, poderia ter tido mais atenção à economia, ter sido mais inteligente, poderia ter sido mais equilibrado socialmente”. Argumentou que agora é tempo de equilibrar a dimensão financeira e a dimensão económica.

Cavaco Silva receberá ainda esta quinta-feira o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa.

Trata-se de um grupo de personalidades, o desta quinta-feira, que em geral já manifestou a sua posição contrária face a uma solução de Governo PS.

Amanhã, sexta-feira, o Presidente vai receber os partidos políticos com assento parlamentar.
Cavaco já ouviu 24
Desde que o Executivo Passos-Portas foi chumbado - quando, a 10 de novembro, apresentou o Programa de governo ao Parlamento - Cavaco Silva já ouviu as confederações patronais, as associações empresariais e as centrais sindicais.

Depois das sete audiências marcadas para esta quinta-feira, o Presidente terá ainda de cumprir o habitual encontro semanal com o Pedro passos Coelho na qualidade de chefe do governo.Cavaco Silva deverá tomar uma decisão sobre o novo executivo no início da próxima semana.

Amanhã, sexta-feira, é a vez de escutar o que têm para dizer os partidos com assento parlamentar.

Cavaco Silva já ouviu, tirando os encontros agendados para hoje, 24 entidades: começou por ouvir, em nove audiências separadas, as confederações patronais, as associações empresariais e as centrais sindicais. Já esta semana, na quarta-feira, recebeu, em sete audiências separadas, os presidentes dos principais bancos a operar em Portugal e o presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

Em situação semelhante, em 2004, Jorge Sampaio reuniu-se com 17 personalidades e apresentou uma solução para o impasse criado pela saída de Durão Barroso em apenas dez dias.

A lista de Sampaio incluiu ex-primeiros-ministros e ex-Presidentes da República, constitucionalistas, políticos de esquerda e de direita. Cavaco Silva constava dessa lista. Sampaio optou então por não ouvir os parceiros sociais; chamou a Belém 17 personalidades da vida pública.
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