Pedro Nuno Santos atira ónus da crise política para o primeiro-ministro

por Paulo Alexandre Amaral, Andreia Martins - RTP
Foto: João Marques - RTP

Em entrevista à RTP, o líder do PS explicou que o partido só decidiu avançar para uma comissão parlamentar de inquérito apenas após o primeiro-ministro, Luís Montenegro, se ter mostrado incapaz de dissipar dúvidas quanto ao caso da sua empresa familiar. O secretário-geral do PS esclareceu a posição dos socialistas no Telejornal, naquela que foi a primeira de uma série de entrevistas da RTP aos líderes dos partidos com assento parlamentar.

Quase uma semana depois do chumbo da moção de confiança, o secretário-geral do PS explicou na RTP que durante duas semanas o seu partido acreditou que o primeiro-ministro daria as explicações devidas.

No entanto, depois das duas moções de censura, considerou que apenas uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) iria dar os instrumentos que permitiriam obter essas informações e dissipar dúvidas.

"A partir de determinado momento, nós precisávamos mais do que a mera resposta a perguntas orais ou escritas, precisávamos de prova documental, precisávamos de poder inquirir testemunhas", sustentou o líder socialista na entrevista ao Telejornal, apontando que essa perceção aconteceu não apenas no que respeitou à questões deixadas pelo PS, mas também pelos outros partidos.
Veja aqui a entrevista completa a Pedro Nuno Santos.

Questionado sobre se a inquirição não estaria a entrar na vida privada do primeiro-ministro, distorcendo a funcionalidade da comissão, Pedro Nuno Santos explicou que, "neste caso, a vida privada e profissional cruza-se com a atividade política de primeiro-ministro e era fundamental perceber a natureza da empresa e a influência do primeiro-ministro naquela empresa e o potencial de conflitos de interesse (...) dúvidas que existiam na sociedade portuguesa e em todos os analistas".

E, sublinhando que apenas uma CPI permitiria essa inquirição, o líder socialista acrescentou que, "ao contrário do que se diz não era abrir um precedente, no caso da CPI ao caso das gémeas, atingia direta ou indiretamente o presidente da República".
"PS nunca exigiu uma moção de confiança"

Quanto ao sentido de voto na moção de confiança, Pedro Nuno Santos afirmou desde logo que era impossível para os socialistas viabilizarem, fosse através do voto a favor, fosse através da abstenção.

"Se fosse em janeiro e fosse apresentada uma moção de confiança por parte do Governo, nós também a chumbaríamos", declarou, explicando que esse voto significaria "um grau de compromisso com a governação que o PS nunca poderia ter", porque "o PS é um partido de oposição".

"O que aconteceu nas últimas semanas foi o acrescentar de razões para chumbar, não diminuir essas razões" e isso foi explicado ao primeiro-ministro, que iria chumbar e "o PS nunca pediu" uma moção de confiança.
"Estamos em crise por causa do primeiro-ministro"

Sobre a questão da necessidade de estabilidade política no país, Pedro Nuno explicou que essa questão não deve ser colocada aos socialistas, já que o PS "foi o partido que contribuiu de forma ativa para a estabilidade política no último ano".

"Nós permitimos a investidura do Governo quando votámos contra a moção de rejeição do programa de Governo, permitimos a eleição do presidente da Assembleia da República, viabilizámos o Orçamento do estado e chumbámos duas moções de rejeição".

"Estamos em crise política por causa de uma pessoa", atirou o líder socialista, para apontar ao primeiro-ministro, que considera ter-se esquivado às explicações devidas.

À questão sobre se teria havido alguma conversa com Luís Montenegro antes do debate e votação da moção de confiança, Pedro Nuno Santos respondeu negativamente, que num aparte considerou "um espetáculo degradante" o decorrer da sessão no plenário da Assembleia da República.
Governo usou moção para condicionar CPI, acusa Pedro Nuno

Pedro Nuno Santos lamentou ainda que o PS esteja a ser questionado sobre a narrativa de que foram dez dias a inviabilizar a CPI: "Na realidade, essa pergunta deve ser feita ao primeiro-ministro".

"Não há memória de um inquirido condicionar ou determinar os prazos de uma CPI", disse, para acrescentar que não faria sentido "o presidente da República condicionar a comissão parlamentar ao caso das gémeas (...) ou Ricardo salgado a determinar os prazos da comissão parlamentar ao BES".

"O Governo quis usar a moção de confiança para condicionar a CPI", acusou.

Ainda sobre a necessidade de evitar a crise política, Pedro Nuno Santos disse que o PS tentou que houvesse uma reunião com o Governo. Acrescentou que teve ainda contactos com o presidente da República e recusa responsabilidades partilhadas com o Executivo para o desencadear da crise.

A razão para exigir a CPI tem a ver com a inexistência de clarificações de Luís Montenegro mas nega ter informações de alguma coisa que o primeiro-ministro esteja a esconder.
A empresa do pai

Sobre o caso da empresa do seu pai, Pedro Nuno Santos rejeita que, sendo um dia eleito primeiro-ministro, venha a ser questionado com dúvidas semelhantes às que enfrenta o atual chefe do Governo.

Lembrando que algumas questões já foram colocadas quando era ministro das Infraestruturas, o líder da oposição acrescentou que o caso seria completamente diferente, já que "não podemos fazer de conta que estamos a falar da mesma coisa, a empresa é do meu pai, não sou sócio dele, não é da minha mulher, do meu filho, eu não controlo nem a paternidade nem a empresa para a qual não arranjei um único cliente".

No caso de negócios dessa empresa com o Estado, Pedro Nuno santos considera que "isso a lei clarifica. A lei resolve esses riscos de incompatibilidade ou dúvida".

Essa suspeição foi lançada enquanto era ministro - lembrou - e o Tribunal Constitucional esclareceu, considerou Pedro Nuno Santos, lembrando que no caso de Luís Montenegro a empresa era sua e os clientes eram mantidos devido a ele, agora primeiro-ministro. 

Questionado sobre a declaração de voto do ex-ministro das Finanças, Fernando Medina, aquando da moção de confiança, o líder do PS salientou que o partido é “aberto” e que os militantes expressam “a sua opinião livremente”.

Pedro Nuno Santos assegurou no entanto que a forma como o PS geriu este processo partiu de uma decisão “consensual”, mas que a opinião de Medina é “respeitável”.
“PS não se imiscui na justiça”
Outro dos temas desta entrevista foi a Operação Marquês, que esta segunda-feira voltou às primeiras páginas com a marcação do início do julgamento. Pedro Nuno Santos recusou-se a fazer comparações entre José Sócrates e Luís Montenegro. “Não me vou pronunciar. (…) As realidades são diferentes e não vou fazer nenhum juízo de comparação”, vincou.

Rejeitou ainda que tenha faltado crítica ao seu partido e insistiu que o PS “já resolveu esse tema”. De resto, advogou que o partido “não tem medo de olhar para o que fez” e destacou, a título de exemplo, que “não correu tudo bem” no último Governo do PS.

Questionado sobre a necessidade de separação entre política e justiça, Pedro Nuno Santos referiu que esse é “um pilar fundamental” e que o PS não se imiscui no trabalho da justiça. Argumentou ainda que uma comissão parlamentar de inquérito é “um instrumento do Parlamento”.
Governar sem maioria de esquerda?
O secretário-geral do PS não se quis alongar nos cenários pós-eleitorais, mas disse que espera reciprocidade por parte do PSD em caso de vitória do PS, mesmo com uma maioria relativa.

“O PSD também governou sem uma maioria de direita”, afirmou perante a possibilidade de haver um resultado eleitoral que não permita formar uma maioria de esquerda.

É essa a atitude que espera por parte da oposição, apesar do deteriorar do discurso entre os líderes. Pedro Nuno Santos garantiu, no entanto, que continua a ter “uma relação institucional” com o primeiro-ministro e recusou-se a ver o combate político ou a exigência de transparência como “um problema”.

Questionado sobre uma eventual vitória da AD nestas eleições, Pedro Nuno Santos foi perentório: “Só trabalho num cenário de vitória”, vincou, insistindo que o PS “tem fortes possibilidades de ganhar estas eleições”.

Uma vez que passou apenas um ano desde a última eleição, Pedro Nuno Santos assume que o PS irá apresentar ao país “uma atualização” desse mesmo programa com “novas propostas.”

“Mas obviamente não vamos deitar ao lixo o programa”, admitiu perante o tempo curto entre eleições que não permitiu os Estados Gerais que pretendia levar a cabo.
Economia, Saúde e Habitação são as prioridades
Pedro Nuno Santos elencou as três áreas prioritárias para o PS neste campanha: economia, saúde e habitação. Em relação à saúde, o líder socialista considera que o processo das cinco parcerias público-privadas anunciadas pelo Governo não foi “implementado”.

Foi apenas “uma fuga para a frente” e um “anúncio panfletário” ainda sem qualquer aplicação e que, por isso, o PS não estaria propriamente a recuar na medida. No entanto, garante que não há no PS “nenhum dogma” com PPP’s.

A nível de Defesa, assumiu o compromisso por parte do PS em atingir os 2 por cento do PIB de gastos em Defesa
, sem referir no entanto de onde será retirado o investimento em falta.

Pedro Nuno Santos realça que “não existe nenhuma dificuldade orçamental por cumprir” mas que o investimento em Defesa não pode colocar em causa o Estado Social.

“Temos de conseguir equilibrar e garantir que não há recuos em matéria social”, vincou, destacando a necessidade de um investimento em defesa que beneficie a Economia
Presidenciais. “Não estou à espera de ninguém em particular”
Por fim, sobre as eleições presidenciais que se realizam no próximo ano, Pedro Nuno Santos adiantou: “Continuamos à espera da disponibilidade dos diferentes candidatos da área do PS”.

“Não estou à espera de ninguém em particular”, afiançou, quando questionado sobre a eventual candidatura de António Vitorino.

O líder do PS recusou-se a reconhecer que a atual crise possa beneficiar a candidatura de Gouveia e Melo, visto como um candidato com maior distanciamento dos partidos políticos.

“Não é político a partir do momento em que decide ser candidato à presidência da República?”
, rematou o secretário-geral socialista, reiterando ainda que os partidos são essenciais à democracia parlamentar.

Pedro Nuno Santos desdramatizou ainda esta ida a eleições e eventuais culpas que o eleitorado possa atribuir aos políticos pela situação atual. “Ainda bem que vivemos num país que pode resolver uma crise política com eleições”, reiterando que essa é uma conquista do 25 de Abril.
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