Partidos da oposição querem esclarecer contas públicas

por RTP
O primeiro-ministro procurou, nos encontros com os líderes da oposição, identificar pontos de consenso entre os partidos antes de avançar no processo relativo ao pedido de ajuda internacional Mário Cruz, Lusa

O presidente do PSD fez um “pedido de informação detalhada” ao Governo sobre o estado real das contas do país, prometendo que depois apresentará propostas concretas. O Bloco de Esquerda chegou mesmo a pedir uma auditoria à dívida externa, pública e privada. O CDS-PP e o PCP defendem que os compromissos só devem visar matérias urgentes, mas não devem condicionar o Governo que sair das eleições de 5 de junho.

O líder do PSD entregou ao primeiro-ministro demissionário uma lista com 35 pontos, relativos à receita e contabilidade nacional, bem como à despesa. O PSD quer, deste modo, obter mais informações sobre a situação financeira do país, incluindo as parcerias público-privadas, concessões e o impacto das medidas de austeridade já implementadas. Antes de avançar para negociações no sentido da ajuda externa, o PSD aguarda agora pela “informação detalhada” solicitada esta manhã a José Sócrates.

"O pior que pode acontecer a Portugal - num momento em que precisa como pão para a boca do financiamento externo e em que se vai desenhar o programa de ajustamento macroeconómico -, é que todas as situações financeiras não venham para cima da mesa. Não vale a pena partirmos para estas negociações com uma espécie de imagem de gato escondido com rabo de fora. Não precisamos de ter esqueletos no armário nos próximos três anos", disse Passos Coelho, após uma reunião com o primeiro-ministro demissionário em São Bento.

Sobre o encontro, em que esteve acompanhado por Eduardo Catroga, ex-ministro social-democrata das Finanças, Passos Coelho considera que serviu "para clarificar as condições em que o Governo vai liderar as negociações com o Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) e com o FMI, assim como a forma como entende dever informar os partidos da oposição sobre essas negociações".

Ainda segundo Pedro Passos Coelho, "o PSD está interessado em poupar o país a uma situação em que não houvesse acordo”, porque Portugal tem de honrar os “seus compromissos externos a partir de maio".

Passos Coelho desconhece margem negocial
O presidente do PSD insiste que os objetivos definidos para a redução do défice "serão mesmo alcançados, sendo arrumada a casa em termos financeiros", mas acrescenta querer evitar “a rutura social em Portugal".

"Há uma vasta camada da população que vive já numa situação de grande adversidade e que precisa de ser alvo de um cuidado extremo por parte dos poderes públicos, das próprias empresas e daqueles que têm responsabilidade social", disse Passos Coelho, para defender “um quadro de austeridade que se aplique mesmo ao Estado".

À observação dos jornalistas que o congelamento das pensões mais baixas faz parte do PEC IV, e que servirá de base nas negociações sobre a ajuda externa, Passos Coelho sustenta “que se deveriam preservar os rendimentos mais baixos, nomeadamente dos portugueses que vivem com pensões de 200 ou 300 euros". Deste modo, indiciou uma recusa em mexer nos escalões de rendimentos mais baixos.

Contudo, o presidente social-democrata admitiu desconhecer qual é a margem negocial do Governo português. Neste sentido, integra-se a lista hoje entregue a José Sócrates, que visa obter "todas as análises intermédias ao longo do processo realizadas pela Missão, nomeadamente no que respeita aos 'desvios' relativos aos valores do défice, dívida pública e necessidades de financiamento para 2011 e 2012, em relação às últimas estimativas do Governo".

Bloco de Esquerda quer auditoria às contas públicas
O líder do Bloco de Esquerda pediu mesmo uma auditoria à dívida portuguesa e considerou que as políticas recessivas do país levaram Portugal a uma situação de "vergonha".

Defendendo um “caminho” de transparência e que “não podemos viver no tempo da mentira”, Francisco Louçã propôs que se dê a “conhecer exatamente qual o nível de toda a dívida externa pública e privada, que é maior que a pública, através de uma auditoria (a ser feita pelo Tribunal de Contas) para que se saiba quem deve e o que deve, quanto deve, com que prazos deve e com que juros deve".

O coordenador político bloquista criticou a política económica e financeira adotada nos últimos anos e contestou que a base negocial seja o Programa de Estabilidade Crescimento (PEC) rejeitado pela oposição na Assembleia da República, alegando que este irá "aumentar a pobreza".

"Não há nenhum benefício que possa resultar para a economia portuguesa com a redução dos salários, a não ser diminuir a economia; não há nenhum avanço que possa resultar para a resposta aos problemas se a solução for facilitar os despedimentos. Todas essas medidas prejudicam a economia, acentuam a recessão e é absolutamente esclarecedor que o FMI esteja a prever que no próximo ano Portugal seja de forma trágica o único país em recessão", afirmou Louçã, após o encontro com José Sócrates.

CDS-PP quer compromissos só para matérias urgentes
As negociações sobre a ajuda externa só devem versar compromissos em matérias urgentes e resguardar as reformas estruturais para o período após as eleições, sustentou o presidente democrata-cristão, no encontro com José Sócrates, onde esteve acompanhado pelos deputados Pedro Mota Soares, Assunção Cristas, Miguel Morais Leitão e Luís Queiró.

"Uma coisa é tratar daquilo que é urgente, de Portugal ser capaz de honrar os seus compromissos, evitar em nome do interesse nacional qualquer rutura de pagamentos ou financiamentos e tranquilizar as pessoas quanto à estabilidade do sistema bancário; outra coisa é aquilo que é essencial Portugal fazer para nunca mais voltar a cair numa situação destas - e isso faz parte do debate (no sentido construtivo da palavra) que vamos ter até às eleições de 05 de junho", defendeu.

Paulo Portas entende que o pedido de intervenção externa deve-se à adoção de sucessivas “políticas erradas para as quais o Governo foi devidamente alertado e não agiu com razoabilidade".

Por isso, o democrata-cristão entende ser necessário “resguardar o essencial, porque Portugal tem reformas a fazer nos próximos anos para que nunca mais volte a cair na atual situação vexatória".

PCP também afasta compromissos quem condicionem futuro Governo

No mesmo sentido, os comunistas entendem que "será profundamente ilegítimo se o Governo assumir compromissos mais ou menos duradouros à revelia do povo português", isto é, que condicione o partido vencedor das eleições de 5 de junho.

"Quer se queira quer não, a soberania não reside no FMI, mas continua a residir no povo português", declarou o secretário-geral do PCP, que acrescentou ter comunicado a recusa do seu partido "ao pacto de submissão, num processo em que cada vez mais se verifica o saque a este país".

"Ainda hoje os tais mercados, que não acalmam, aumentaram as taxas de juro para valores insuportáveis, numa demonstração clara que não é esta negociação que resolve o problema da extorsão a que o país está sujeito. Não estamos perante uma ajuda, mas perante uma intervenção externa. Não se dá a um náufrago com sede água salgada - é isto que está em causa na dita negociação", sustentou.

Jerónimo de Sousa insiste que é preciso procurar "um outro rumo, que não o de pedir dinheiro emprestado em condições leoninas", acrescentando que o PCP vai apresentar alternativas para resolver a atual situação, como o reforço da produção nacional, a renegociação das parcerias público-privadas e diversificação das fontes de financiamento.

Sacrifícios não podem ser “os mesmos”
O Partido Ecologista "Os Verdes" voltou a transmitir, após o encontro com José Sócrates, a oposição à decisão do Governo em recorrer a "uma intervenção externa" para ultrapassar a crise financeira.

"Os Verdes sempre disseram que havia outro caminho do que o recurso ao pedido de intervenção externa por parte do FMI e que passava pela exigência junto da Comissão Europeia da reestruturação da dívida", sustentou o responsável do Partido Ecologista "Os Verdes", José Luís Ferreira.

Neste sentido, o deputado propôs “tributar as mais-valias tributárias em sede de IRS ou pôr a banca a pagar uma taxa de IRC semelhante à tributação que é feita junto das pequenas e médias empresas”, sustentando que os "sacrifícios não poderão continuar a ser para os mesmos".
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