Oposição critica "arrogância" sem maioria absoluta

por RTP
"O exercício do poder surge aos olhos dos cidadãos como um circuito fechado do qual se sentem excluídos", disse Ferreira Leite Tiago Petinga, Lusa

O conteúdo do programa submetido ao Parlamento pelo novo Executivo socialista mereceu esta quinta-feira um chumbo transversal a toda a Oposição, que criticou a postura de José Sócrates num contexto de perda da maioria absoluta. A política educativa, o casamento homossexual e um pacote de medidas sociais dominaram um discurso governativo que apenas captou aplausos no PS.

O alargamento das condições de acesso ao subsídio de desemprego e o aumento em 1,25 por cento das pensões de reforma mais baixas foram as medidas de cariz social preparadas por José Sócrates para o primeiro grande confronto parlamentar com uma Oposição reforçada pelo escrutínio de 27 de Setembro. A que se somaram a promessa de um reforço dos meios de investigação judiciária, a defesa de códigos de conduta para as empresas de capitais públicos e a extensão das unidades de combate à criminalidade violenta da PSP e da GNR.

Em temas de fractura política e mesmo ideológica, o primeiro-ministro mostrou-se pouco aberto a grandes revisões do rumo definido no programa do XVIII Governo Constitucional. Na Educação, voltou a pôr de parte uma suspensão do actual modelo de avaliação de desempenho dos professores, circunscrevendo a margem de actuação a um aperfeiçoamento do sistema, em concertação com as estruturas sindicais do sector. No tema do combate à crise económica, tornou a dar ênfase ao investimento público, no que seria secundado, durante a tarde, pelo ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. Para responder aos apelos à realização de um referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, prometeu apresentar, a breve trecho, uma proposta de legalização contra "todas as formas de discriminação", reivindicando para tal a "legitimidade do mandato popular".

A maratona do debate sobre o programa do Governo reservaria a Sócrates uma catadupa de ataques dos partidos da Oposição, à esquerda e à direita dos socialistas, contra aquilo que consideram ser a postura anacrónica de um poder executivo que já não pode contar com o respaldo da maioria absoluta.

Programa abre caminho a perda de "independência económica"

A ser concretizado, o programa do Governo para a XI Legislatura dará lugar à "ruína" do país. A avaliação foi levada à Assembleia da República pela presidente do PSD, que disse mesmo ser "preferível" que as linhas programáticas do Executivo do PS sejam "uma ficção".

"Sublinho esta afirmação: se este programa fosse executado, como não tem meios para tal, traduzir-se-ia em maior endividamento, o que seria a perda da nossa independência económica", sustentou Manuela Ferreira Leite, que acusou ainda o primeiro-ministro de deixar sem resposta a questão "de como vai pagar tudo aquilo que se propõe fazer". O PSD, insistiu, vai continuar a opor-se a uma política "enganosa" de "grandes investimentos em infra-estruturas".

Na resposta a Ferreira Leite, o líder da bancada parlamentar socialista, Francisco Assis, disse que o PSD está hoje a divergir de "praticamente todos os governos europeus", incluindo os "do centro e do centro-direita".

"Não pode fazer comparações entre vários países quando nós estamos numa situação completamente diferente. Não há ninguém que esteja com o nosso nível de endividamento", devolveu Manuela Ferreira Leite.

"Favores e teias de interesses"

Durante o tarde, a líder social-democrata recuperaria um tema que aqueceu o debate - a necessidade de pugnar pela "transparência da actuação dos poderes públicos". Depois de o deputado do PSD José Pacheco Pereira ter medido forças com José Sócrates a propósito do processo Face Oculta, Manuela Ferreira Leite disse que os socialistas deixaram os portugueses desconfiados face ao poder. E convictos de que "há favores e teias de interesses e nunca se conseguirá saber a verdade das coisas".

"O nível de confiança nas instituições públicas tem diminuído drasticamente. Fomentou-se e justificou-se o êxito individual, quebraram-se cadeias de solidariedade e de cooperação, faz-se ameaças à liberdade de expressão e o exercício do poder surge aos olhos dos cidadãos como um circuito fechado do qual se sentem excluídos", argumentou Ferreira Leite.

"Na falta de instituições sólidas e credíveis, confia-se nas pessoas, favorecendo-se o exercício de poderes autocráticos na Administração Pública despudoradamente politizada e colocada ao serviço do partido do poder", reforçou.

"Esta é, de facto, a pesada herança que o PS herda do PS anterior, da sua teimosia e da sua arrogância", concluiu Ferreira Leite.

Portas critica Governo "vítima das oposições"

"O PS ganhou as eleições, mas ganhou-as com maioria relativa. Perdeu mais de meio milhão de votos, mas nunca o ouvi dizer quer é preciso rectificar, corrigir, alterar. Tem legitimidade para governar porque teve maioria relativa. Mas está ou não está disponível para corrigir as políticas?". A pergunta foi lançada pelo líder do CDS-PP, que aconselhou o primeiro-ministro a "reflectir" sobre os resultados das eleições legislativas.

"Parece-me que quer agora um argumento segundo o qual é vítima das oposições. Mas ainda não creio que nenhuma oposição em particular ou em conjunto o tenha martirizado", frisou Paulo Portas, aludindo à ausência de moções de rejeição do programa do Governo.

Paulo Portas assinalou, por outro lado, que o aumento das pensões anunciado pelo primeiro-ministro se traduz em apenas "três euros": "Para quem tem 243 euros de reforma, passa a ter 246. Não acha que tem margem para investir melhor na área social?".

O presidente do CDS-PP propôs, em seguida, a afectação de parte de uma fatia das verbas do Rendimento Social de Inserção ao aumento das pensões de reforma.

Na resposta, Sócrates instou os partidos na Oposição a "terem um bocado de humildade", deixando uma pergunta: "Quais foram as razões que levaram os portugueses a manterem-me como primeiro-ministro?"

Bloco de Esquerda denuncia "declaração de guerra" aos professores

Na sua primeira intervenção, o coordenador político do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, exortou o primeiro-ministro a substituir o actual modelo de avaliação dos professores, o que corresponderia à sua "primeira lei ponderada e concreta".

Irónico, Francisco Louçã reconheceu que José Sócrates "fez um esforço para corrigir o seu ministro dos Assuntos Parlamentares, aludindo a uma declaração à TSF em que Jorge Lacão disse que a suspensão do modelo de avaliação em vigor estava fora de questão. Ainda assim, vincou, o Governo "insiste em perder tempo numa avaliação que é uma declaração de guerra incompetente e inconclusiva".

Também o dirigente do Bloco levou a debate o processo Face Oculta, desafiando Sócrates a respeitar "uma prioridade republicana que é o princípio da transparência", no momento em que há uma "grande corrupção tentacular organizada a atacar o país". O PS, lembrou, "recusou tudo o que era sensato, recusou emergência e meios".

Numa reedição de argumentos, José Sócrates instaria, depois, Francisco Louçã a "ter presente que o PS ganhou as eleições". Sublinhou, adiante, que a proposta do Bloco de Esquerda para a avaliação dos professores impõe a suspensão imediata do actual modelo, quando já estão avaliados "quase 49 mil professores".

Governo perdeu "legitimidade para fazer o que quer"

O secretário-geral do PCP fez também a leitura dos resultados das legislativas de 27 de Setembro para dizer que os socialistas deixaram de ter a "legitimidade" para fazerem o que querem. Por outro lado, a Assembleia da República tem "legitimidade para fiscalizar e legislar".

Quanto às propostas inscritas no programa do Governo, Jerónimo de Sousa considera que o país está confrontado com ideias que "dão para hoje", mas "não respondem à realidade dos problemas candentes da sociedade portuguesa" - o combate à crise e ao desemprego e uma maior justiça social.

Jerónimo saudou o alargamento do acesso ao subsídio de desemprego, acompanhado da redução do período de descontos para um ano, mas propugnou de imediato a expansão do período de atribuição daquela prestação social.

O dirigente comunista questionou, depois, o primeiro-ministro sobre as injustiças sociais, designadamente no domínio fiscal, em matéria de combate ao desemprego: "Que combate é esse, senhor primeiro-ministro? Repartir sacrifícios entre os que têm emprego e os que não têm? Aplicar refinadamente a flexissegurança?".

No tema da avaliação dos professores, Jerónimo de Sousa descartou qualquer apoio dos comunistas a "manobras dilatórias, tocando aqui ou acolá para deixar tudo na mesma". Suspender a avaliação, retorquiu José Sócrates, seria "irresponsável, um péssimo serviço à escola pública e um péssimo sinal às famílias".

PEV contra "aberração" na avaliação de docentes

Pelo Partido Ecologista "Os Verdes", a deputada Heloísa Apolónia mostrou-se convicta de que a Oposição vai estar em condições de reunir um consenso em torno da suspensão do modelo de avaliação de desempenho dos professores. Um sistema, afirmou, que é "uma aberração" apoiada em "quotas que minimizam os bons professores" e que foi instituído "para poupar dinheiro e para não permitir a progressão dos professores na carreira".

"Tem alguma dúvida de que esta avaliação vai ser objecto de uma suspensão acaso todas as oposições sejam responsáveis com o que defenderam no passado?", perguntou a deputada a José Sócrates.

O primeiro-ministro respondeu, então, que "uma aberração" seria acabar com a avaliação dos docentes, ou considerar que "o melhor é ter um sistema público de ensino sem condições para premiar o desempenho, o mérito e o esforço".

Os resultados do combate à corrupção na anterior legislatura, atirou ainda Heloísa Apolónia, "não foram grande coisa".

Sócrates deixaria sem resposta uma pergunta do PEV sobre o tema da regionalização. Heloísa Apolónia quis saber se o conteúdo do programa do Governo sobre aquela matéria, a tratar "na próxima legislatura", constitui uma "gaffe da cópia do programa eleitoral para o programa do Governo e na verdade o que o Governo quer é implementar a regionalização nesta legislatura", ou "sub-repticiamente a passagem dessa concretização para a outra legislatura, procurando nesta apenas angariar apoios para a causa".

No que diz respeito ao subsídio de desemprego, a deputada do PEV lembrou que a medida anunciada por Sócrates vai abarcar "oito a dez mil" beneficiários, numa altura em que "há 300 mil pessoas que não recebem" aquele apoio.

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