O PS de Ferro e Sócrates, da maioria absoluta à bancarrota

por por Sandra Machado Soares, Pedro Zambujo, Pedro de Góis, Miguel Teixeira - RTP

Continuamos a contar a história do partido socialista, na semana em que assinala 50 anos. Um partido que depois de Guterres apostou em Ferro Rodrigues como líder da oposição, para vir a ser surpreendido por uma decisão do presidente Jorge Sampaio. Teve depois a liderança de José Sócrates - da maioria absoluta à bancarrota, com um dos mandatos mais controversos para os socialistas.

O anúncio do pântano político deixa o país sem primeiro-ministro, o partido sem secretário-geral e põe o PS a correr em contra-relógio. Com eleições marcadas para dali a menos de três meses, há nomes que recusam avançar para a liderança. E o partido une-se em torno de Ferro Rodrigues.

“Sei que me candidato depois de uma derrota eleitoral autárquica do nosso partido, e de um momento económico desfavorável. Recebemos do eleitorado uma mensagem”, admite Ferro Rodrigues.
Foto: Pedro Góis - RTP

A sucessão é feita sem dramas, com Ferro e Guterres em harmonia na passagem de testemunho.

Sem tempo para fazer o luto, o partido segue diretamente para a estrada.

Pedro Silva Pereira relembra aqueles momentos. “O doutor Ferro Rodrigues era a solução natural para a sucessão do engenheiro António Guterres, a partir do momento em que o doutor António Vitorino declarou a sua indisponibilidade. Aquelas eleições legislativas são uma missão muito difícil para o partido socialista”.

Foto: Pedro Góis - RTP

As sondagens e o anunciado acordo à direita causam desânimo. Durão Barroso acaba por vencer como esperado, mas são as eleições mais renhidas de sempre em Portugal. “Por um voto se ganha, por um voto se perde, e nós efetivamente perdemos por pouco mais de 2% dos votos”, diz Ferro Rodrigues.

A derrota honrosa não põe em causa a liderança de Ferro, mas abre um dos mais conturbados períodos do partido.

Há derrapagem das contas públicas e o país vai de tanga.

“Senhor deputado, os senhores deixaram Portugal de tanga!”, diz o primeiro-ministro Durão Barroso, no Parlamento.

Revelam-se casos de corrupção entre autarcas e estruturas locais.

Logo a seguir, o processo Casa Pia. Paulo Pedroso, braço direito de Ferro Rodrigues, é detido em plena Assembleia da República.

“Se não fosse uma situação trágica, dar-me-ia uma vontade de rir. Eu tenho a certeza absoluta que isto é uma montagem e uma infâmia. A vontade de porem o meu nome na lama é perfeitamente óbvia”, diz Ferro.

O nome do secretário-geral é citado em depoimentos, vários dirigentes são apanhados em escutas. A tensão cresce dentro do PS, mas o partido não cede na defesa dos seus. Paulo Pedroso acaba por ser libertado, e vai direto da cadeia ao parlamento.

Mesmo com o PS em carne viva, o governo da direita também não tem vida fácil - e o Presidente da República não deixa de ser incómodo. Tem intervenções que ficam para a história.

“O problema orçamental da vida portuguesa, merecendo atenção, não é o único. Há mais vida para além do orçamento”, diz Jorge Sampaio, então Presidente da República.

Para a história, mas mais discreta, a crise da cimeira das Lajes - com Jorge Sampaio a bloquear o envio de tropas portuguesas para o Iraque.

Em 2004, o país vota nas europeias. E à longa crise que o PS atravessa, soma-se a morte do cabeça de lista Sousa Franco na reta final da campanha.

A noite eleitoral é menos eufórica, apesar do melhor resultado de sempre do PS. Uma vitória que também é de Ferro Rodrigues.

“É uma liderança de resistência e combate, que enfrenta o fim do ciclo do engenheiro António Guterres, depois enfrenta também o impacto do processo casa pia no partido socialista, e ele acaba por conduzir o partido socialista a uma grande vitória, a uma prometedora vitória nas eleições europeias”, lembra Pedro Silva Pereira.

Dessas eleições, sai o convite para Durão Barroso ser presidente da Comissão Europeia, e deixar de ser primeiro-ministro. A maioria de direita diz que tem condições para novo governo, o PS e a restante esquerda exigem eleições.

A decisão está nas mãos de Jorge Sampaio, que decide ao contrário do que pensa o PS e o amigo próximo e de longa data Ferro Rodrigues.

“Decidi dar oportunidade à atual maioria de formar um novo governo, pelo que enderecei o convite ao presidente do PSD, agora que, neste quadro, estão esgotadas outras possibilidades”, discursa Sampaio.

Ferro demite-se logo a seguir às palavras do presidente. “Não ficaria de bem com a minha consciência e com a forma que vejo como vejo a ação política, serviço por causas e valores, se não manifestasse desta forma, por atos e não apenas por palavras, a minha frontal oposição à decisão do senhor Presidente da República”.

O partido está com o líder, e acha incompreensível a decisão de Sampaio. O corte de relações de muitos socialistas com Sampaio dura vários anos. A nomeação de Santana Lopes foi vista como uma traição ao eleitorado.

Pedro Silva Pereira torna-se o braço direito de um dos candidatos à sucessão de Ferro. José Sócrates é eleito secretário-geral do PS, vencendo Manuel Alegre e João Soares.
Foto: Pedro Góis - RTP

“O PS aqui está, pronto para fazer aquilo que os portugueses esperam que nós façamos”, diz Sócrates.

Não terá que esperar muito para ir a eleições. Apenas quatro meses depois de ter dado posse a Santana Lopes, Jorge Sampaio decide dissolver o parlamento e convocar eleições, na mais controversa decisão da presidência.

“O país assistiu a uma série de episódios que ensombrou decisivamente a credibilidade do governo e a sua capacidade para enfrentar a crise que o país atravessa”, argumenta o Presidente.

O país volta a ir a votos, com o PS de cara nova. Sócrates sente o entusiasmo nas ruas e os socialistas atrevem-se a sonhar.

“Nós sentíamos o ânimo, a mobilização, a esperança nas ruas do país durante aquela campanha, um movimento quase elétrico de dinamismo e confiança. A vitória com maioria absoluta na noite eleitoral não foi uma surpresa”, reitera Silva Pereira.

“Com esta vitória, cai um velho mito da política portuguesa - o mito de que só a direita podia ambicionar uma maioria absoluta no parlamento”, argumenta Sócrates no festejo da vitória.

O PS tem um governo, uma maioria e um presidente, mas volta a dividir-se a caminho das presidenciais de 2006.

Dois históricos avançam para a corrida - Manuel Alegre e Mário Soares, o último a tentar um inédito terceiro mandato. A direção do partido apoia Soares e impede Alegre de utilizar símbolos do PS.

Apesar disso, Soares tem um resultado desastroso e fica atrás de Alegre. Cavaco Silva vence à primeira volta.

“Não haverá nenhum ajuste de contas dentro do PS”, assegura o secretário-geral.

O início da coabitação de Sócrates com Cavaco é harmonioso, e acompanhado de uma era de obras e inaugurações. Há aumentos de salários, novos apoios sociais, avanços também no aborto e no casamento homossexual.

“Há um sem número de movimentos reformistas na sociedade portuguesa, que é acompanhado por um movimento de controlo da situação das contas públicas. Portugal, no início do primeiro governo de José Sócrates, estava em procedimento por défice excessivo, e em 2008 reduz o défice para abaixo de 3%, um ano antes do previsto”, refere agora à RTP Silva Pereira.

Mas em 2009, a crise financeira já vai deixando marcas no país.

O PS perde as europeias desse ano, mas consegue vencer as legislativas, já sem maioria absoluta.

“O povo falou, e falou bem claro - o PS foi novamente escolhido para governar Portugal, e foi escolhido sem nenhuma ambiguidade”, diz Sócrates.
Foto: Pedro Góis - RTP 

Por esta altura, também a relação com Belém se torna hostil. Cavaco Silva avisa que “há limites para os sacrifícios dos portugueses”.

O PS volta a ser o partido da austeridade. Cresce a tensão social e degrada-se a situação financeira. Com os mercados em pânico, em março de 2011 Sócrates vai a Bruxelas apresentar um derradeiro pacote de sacrifícios. São três letras e um número que mudam a história do país - PEC 4.

“O que está em causa neste momento é defender o nosso país da necessidade de recorrer a qualquer programa de ajuda externa”, diz o primeiro-ministro. Mas desta vez, Sócrates ouve um "não" do PSD de Pedro Passos Coelho.

“Uma única razão explica esta crise - e essa razão é a sofreguidão pelo poder, a impaciência pelo poder. Em consequência, apresentei agora mesmo ao senhor Presidente da República a demissão do cargo de primeiro-ministro”.


A decisão põe uma bomba-relógio no país, e precipita os acontecimentos. 15 dias depois do pedido da demissão, o primeiro-ministro é finalmente obrigado a pedir ajuda externa.

O PS vai a votos com o peso da bancarrota às costas - tal como já tinha acontecido no passado. E tal como tinha acontecido no passado, o país dá uma maioria à direita.

“Esta derrota eleitoral é minha e quero assumi-la por inteiro esta noite. Entendo por isso que é chegado o momento de abrir um novo ciclo político na liderança do PS...(gritos)...não tornem isto mais difícil do que já é”, admite Sócrates.

A saída de Sócrates não o retira do debate político - o nome ecoa durante muitos anos como arma de arremesso, como um incómodo dentro do PS.

“É claro que existem incomodidades. eu estou sobretudo interessado em que o partido socialista mantenha viva a noção do que foi a sua experiência governativa, porque ela trouxe ao país muitas coisas muito importantes”, refere Silva Pereira.

Afastado da vida política, em pouco tempo Sócrates voltará a assombrar o PS numa das maiores crises do partido.
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