"Não há nada de irregular". As duras críticas de Magalhães e Silva ao Ministério Público

por Graça Andrade Ramos - RTP
Rodrigo Antunes - Lusa

Magalhães e Silva consultou a maior parte do processo de acusação que envolve o seu cliente, empresário Lacerda Machado, nas investigações ao alegado tráfico de interesses e de corrupção nos negócios do lítio e do hidrogénio verde, concluindo que o Ministério Público classificou de forma "errada", como criminal, um "processo político-administrativo".

Um erro que, admitiu, poderá levar à queda do próprio Ministério Público.

Magalhães e Silva referiu não ter visto nos volumes que consultou nada que justifique todo o processo em curso. 

"Há aqui todo um conjunto de operações com um investidor, que necessitava da intervenção de vários orgãos do Estado", a qual "teve lugar", descreveu esta noite à saída do Tribunal Central de Instrução Criminal, no Campus de Justiça, em Lisboa, sublinhando não ter "vislumbrado" no processo "qualquer contrapartida para os intervenientes privados ou públicos".

Magalhães e Silva acrescentou que não espera que seja decretada pelo tribunal qualquer medida de coação privativa de liberdade e criticou o facto de o seu cliente ter sido detido: "Se o doutor Lacerda Machado tivesse sido notificado para ser constituído arguido e prestar declarações, nesse mesmo dia, ou no dia seguinte, o faria, não era preciso o show-off da detenção".

Outros avogados dos restantes quatro arguidos confirmaram também esta noite, após consultarem o processo, que os seus clientes, tal como Lacerda Machado, deverão responder às perguntas que lhes forem feitas já a partir de quinta-feira à tardepelo juiz de instrução criminal, Nuno Dias Costa, que conduz o processo nesta fase, admitindo não poderem determinar quanto tempo irão demorar estas averiguações.
"Para já estamos a consultar o processo", confirmou somente Tiago Rodrigues Bastos, advogado de Vítor Escária, o chefe-de-gabinete de António Costa, revelando que não viu "nada de novo" relativamente ao já revelado terça-feira.

Rodrigues Bastos recusou ainda comentar a notícia avançada esta noite pela SIC de que foram apreendidos no gabinete do seu cliente, no decurso das buscas do MP, 75.800 euros em dinheiro.

"Não vou prestar nenhum esclarecimento sobre a matéria aqui, vou prestar lá dentro e depois falaremos no final. Não vou discutir na praça pública o que está nos autos. Posso-vos dizer que está tranquilo, está confiante, não está preocupado para além do normal com a situação", disse aos jornalistas à saída do tribunal.

Disse também não ter ficado surpreendido com o que leu nos autos, por não ser nada de novo face ao que já se conhecia, e disse também entender que não se justifica que seja decretada qualquer medida privativa da liberdade do seu cliente, assim como não se justificaria que tivesse sido detido.

Os cinco arguidos deverão continuar pelo menos mais uma noite nos calabouços da PSP.
"Elo de ligação"
"Continuo confiante", afirmou o advogado de Lacerda Machado, um dos melhores amigo de António Costa, revelando que o processo que consultou é "essencialmente a criminalização de um processo político-administrativo".

O advogado confirmou que o seu cliente foi um "elo de ligação" entre "investidores e o Governo", qualificando esta atividade como "uma função útil", ao "estar em causa e é preciso que se perceba isto, o segundo maior projeto depois da Autoeuropa", que "implicava investimentos até 3,5 mil milhões de euros que no seu desenvolvimento podia chegar aos 27 mil milhões".

Magalhães e Silva afirmou ainda que Lacerda Machado está igualmente confiante, apesar da "tristeza própria" e com "ânimo para se defender".

"Já consultei dois terços dos volumes e até agora não encontrei provas inequívocas de qualquer situação de corrupção", garantiu. "As provas são essencialmente escutas e pelas escutas podemos verificar que não há nada de irregular em toda esta atividade".
As escutas a António Costa. "99%" pessoais
De acordo com o jornal Observador, a certidão extraída do processo com vista à abertura de um inquérito autónomo sobre a atuação de António Costa, foi entretanto remetida pela PGR para o Supremo Tribunal de Justiça, na última terça-feira. 

Em declarações após consultar o processo, Magalhães e Silva revelou que as restantes escutas na posse do Ministério Público e que compõem sete volumes, abrangem "99 por cento relações entre as pessoas, sem qualquer relevância para o processo".

"Penso que há apenas uma escuta que pode ter relevância e que não está apensa ao processo e é exatamente a que está referida como estando no Supremo Tribunal de Justiça e que dará lugar a uma investigação de que falou o comunicado da PGR", referiu.

Admitindo não conhecer o teor dessa escuta, Magalhães e Silva disse esperar que "o Supremo Tribunal de Justiça faça a averiguação que entender, sendo certo que, até este momento, a única coisa que nós temos é uma conversa entre dois intervenientes neste processo, que terá referido a disponibilidade do primeiro-ministro para facilitar o que quer que fosse neste âmbito. O que é que isso vale?" questionou.

"Quando chegarmos ao fim, espero que isto possa manter o Ministério Público de pé", afirmou, admitindo que tal "possa não acontecer", devido à "falta de provas", "que não estão reunidas".


"É uma situação grave", considerou ainda. "É uma errada classificação do Ministério Público daquilo que é um processo político-administrativo", insistiu.

O processo inclui 27 volumes, dos quais sete relativos a escutas realizadas ao longo de três anos.

com Lusa
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