"Não está no meu horizonte". Mário Centeno garante estar fora da corrida à Presidência
O governador do Banco de Portugal garantiu esta quarta-feira, na Grande Entrevista da RTP, que não será candidato a Belém nas eleições de 2026. "Não vou ser candidato à Presidência da República", assegurou Mário Centeno. "Não está no meu horizonte que isso aconteça".
“Nunca faço nada com desprendimento (…) porque há sempre um compromisso naquilo que eu tenho feito do ponto de vista da minha presença pública e em cargos desta natureza”, acrescentou.
Questionado sobre um possível regresso a outros cargos políticos, Centeno respondeu que, neste momento, a sua função é ser governador. “Tenho um conjunto de responsabilidades, a nível europeu inclusive, incluídas nesta função. É aí que estamos e é aí que eu quero que fiquemos”, assegurou.
Sobre o perfil do futuro presidente, o ex-ministro das Finanças concordou que este deve ter um domínio das matérias económicas e financeiras. “Obviamente esperamos que as lideranças dos países tenham consciência dos riscos, das soluções e do caminho” a ser seguido, afirmou.
Em relação a uma sondagem da Pitagórica segundo a qual Mário Centeno é quem tem mais apoio para ser candidato presidencial, o governador respondeu que “são sondagens” e que não quer “nem sobre, nem subvalorizá-las”.
“Há uma projeção na sociedade portuguesa (…) da minha intervenção enquanto ministro, enquanto governador, e provavelmente isso reflete-se nessa avaliação”, declarou. “Eu, obviamente, fico satisfeito que haja uma avaliação com eco na população”, mas “é só isso”.
Salário de Hélder Rosalino “não chega a ser um caso”
Para Mário Centeno, o facto de o Banco de Portugal não pagar o salário de quase 16 mil euros a Hélder Rosalino, escolhido pelo Governo para o cargo de secretário-geral, nem sequer chega “a ser um caso”.
“Este tema não chega sequer a ser um caso. O Banco de Portugal não se recusou a pagar nenhum salário, simplesmente porque o Banco de Portugal não pode pagar salários da administração pública. Isso é financiamento monetário, vai contra os tratados e vai contra a lei orgânica do BdP”, explicou.
“Se houve precedentes, eles estão fora da lei. Aquilo que nós temos de a cada momento fazer é aplicar a lei. A lei é muito clara sobre esse aspeto”, declarou, acrescentando que falará “sobre todos esses temas na Assembleia da República na semana que vem”.
O governador referiu ainda que “todos os salários do Banco de Portugal têm um acordo coletivo de trabalho por trás” e que “todas as pessoas que trabalham no BdP têm um enquadramento, em termos da sua inserção laboral dentro do Banco, muito claro e idêntico a todas as outras empresas em Portugal”.
“Temos obtido resultados extraordinários para Portugal”
Num balanço sobre o seu mandato de governador, Mário Centeno afirmou que a instituição definiu “a confiança e a proximidade como a chave do plano estratégico do Banco de Portugal para estes cinco anos e é isso que temos feito”.
“Temos obtido resultados extraordinários para Portugal”, declarou, exemplificando com três indicadores.
“O banco que ficou melhor classificado nos testes de stress europeus em 2023 foi um banco português; os dois bancos que ficaram em primeiro lugar nos testes de resiliência do sistema de resolução bancária europeu foram dois bancos portugueses; o sistema bancário português está no top cinco dos sistemas bancários nacionais entre todos os países da União Europeia”, enumerou.
“Isto são tudo indicadores que mostram a enorme transformação que o sistema bancário sofreu na última década e que se foi reforçando nos últimos anos. É um trabalho coletivo, onde o supervisor obviamente tem uma palavra a dizer”, vincou o responsável.
Centeno garante independência enquanto governador
Acerca da sua passagem do Governo do ex-primeiro-ministro António Costa para a governação do Banco de Portugal, Mário Centeno considerou que a sua independência como governador “é muito fácil de avaliar”.
“Eu tenho uma relação muito próxima com todas as instituições da República. Eu comunico de forma bastante regular quer com a Presidência da República, quer com o senhor primeiro-ministro, em relação aos resultados das análises do Banco de Portugal”, avançou.
Para o governador, “a independência não é um estado de espírito”, mas sim “a capacidade técnica de afirmar e de analisar de forma autónoma, consciente e rigorosa aquilo que são não só as nossas análises, como as decisões que temos de tomar”.
Questionado sobre se gostava de continuar a exercer funções num segundo mandato, Centeno respondeu que o seu foco é completar o mandato atual e assegurou que nunca desempenhou as suas funções “para passar com dez”, mas sim com a qualidade que consegue colocar nesse desempenho.
“Estamos a crescer acima do nosso potencial”
O ex-ministro das Finanças explicou ainda o abrandamento da economia nacional, afirmando que a economia portuguesa “está inserida num contexto económico vasto, em particular o europeu, que está ele próprio em desaceleração e em crescimento muito baixo”.
“Portugal tem tido a capacidade de convergir com a média da área do Euro já num período muito prolongado de tempo – vamos quase em dez anos, com exceção do ano 2020”, declarou, acrescentando que “isso é um grande sucesso da economia portuguesa, muito significativo”.
Centeno explicou que, em 2022, foram atingidos níveis de pleno emprego, sendo por isso normal a desaceleração que se seguiu como consequência. “Os fatores de crescimento das economias têm componentes estruturais e componentes cíclicas. As componentes estruturais mantêm-se em Portugal; nós temos estabilidade financeira”, disse.
No âmbito das componentes estruturais, o governador do BdP referiu a educação, considerando que “Portugal está a fazer uma revolução e uma transição única na sua história já centenária”.
“Portugal nunca na sua história teve uma aproximação aos níveis de qualificações mais elevados do mundo como aquele que está a acontecer neste momento”, frisou.
“Estamos a crescer acima do nosso potencial (…) e portanto alguma tendência de desaceleração é absolutamente natural. Acresce a isto o facto de que a Europa não está a crescer”.
O governador disse ainda que, “genericamente, a inflação está controlada”.
“Esta subida é o espelho de reduções muito fortes nos preços da energia (…) há um ano atrás. Neste momento, estão-se a nivelar os preços sem grandes extensões de aumento, mas como estamos a comparar com momentos em que os preços da energia estavam de facto muito baixos, temos esta pequenina variação”, explicou.
A “montanha-russa” da economia
Sobre o alerta acerca do défice lançado pelo Banco de Portugal, Centeno lembrou que o papel desta instituição é de aconselhamento.
“Num barco, há muitas funções distintas, mas todos têm o mesmo objetivo: que o barco, de forma estável, possa avançar. É essa a função do Banco de Portugal, sempre foi assumida como tal, em todos os momentos. É uma função de aconselhamento”, elucidou.
O governador do BdP referiu que “estamos todos a remar no mesmo sentido, e esse sentido é que as políticas económicas permitam uma evolução estável da economia”.
“As políticas económicas têm como função ser estabilizadoras”, explicou. “A economia funciona um pouco como se fosse uma montanha-russa: tem pontos altos, depois baixa, o ciclo económico é assim (…). As políticas económicas têm como função fazer com que isto seja uma montanha-russa pouco emocionante. Tem de ser contracíclica”.
Sobre a divergência entre o BdP e o Governo acerca da descida do IRC, uma das bandeiras do executivo cujos efeitos a instituição considera que poderão ser residuais ou nulos, Mário Centeno explicou que “o Banco de Portugal é um dos pilares da análise económica no país”.
“O que é produzido no Banco de Portugal tem um ciclo de maturidade e de escrutínio muito significativo. Nós utilizámos o modelo económico que surgiu já na primeira década deste século”, indicou.
O resultado, à luz deste modelo, “depende da utilização que as empresas fazem dessa redução. Se esse valor for reinvestido na empresa e aumentar a capacidade da empresa em termos produtivos, o impacto é positivo”.
Riscos externos: EUA, guerras e crises na Europa
Mário Centeno foi ainda questionado sobre os riscos externos que podem condicionar a evolução da economia, como a tensão comercial com os Estados Unidos no novo mandato de Donald Trump ou as crises na Alemanha e França.
“Nós continuamos, infelizmente, a enfrentar muitos riscos. Felizmente, a maior parte desses riscos são externos, o que significa que o tempo dos desequilíbrios estruturais em Portugal acabou. Temos de fazer os possíveis para não voltar a eles”, considerou.
Para Mário Centeno, “na Europa, a posição de viajar no lugar do copiloto pode ser cómoda às vezes, mas há momentos em que ela já não nos serve”.
O governador defendeu também que não nos podemos esquecer que a guerra na Europa “ainda existe” e que “é uma guerra até com caráter civilizacional”.
“É evidente que o fim de qualquer conflito militar é um objetivo em si mesmo, porque há pessoas a sofrer, há pessoas a morrer, a economia ressente-se”, mas “a forma como a guerra terminar vai determinar muito daquilo que é o resultado do dia seguinte”, declarou.
Sobre a tomada de posse de Donald Trump, agendada para 20 de janeiro, Centeno disse ser “crucial” a resposta que a Europa conseguir dar. “A Europa tem um caminho pela frente. A Europa é o maior estabilizador da economia e da política no mundo, ainda hoje”, afirmou.
“Não temos nenhum risco sistémico gerado pela resposta da Europa nem à pandemia nem à inflação. Tivemos enorme sucesso no combate à inflação. A utilização de dinheiros públicos foi feita de forma muito mais consciente na Europa sustentável do que nos Estados Unidos”, acrescentou o responsável.