Moção de censura. Iniciativa do Chega foi chumbada no Parlamento

por RTP
Foto: Miguel A. Lopes - Lusa

O Governo enfrentou esta sexta-feira a sua primeira moção de censura, apresentada pelo Chega, que foi chumbada por PSD, PS, CDS, IL, BE, PAN e Livre. O PCP absteve-se e apenas o partido de André Ventura votou a favor. O debate surgiu no seguimento de uma polémica que envolve Luís Montenegro e uma empresa da família do primeiro-ministro. O chefe de Governo garantiu que a transmissão da quota da empresa foi "perfeitamente legal".

O Governo liderado por Luís Montenegro enfrentou esta sexta-feira a sua primeira moção de censura, levada ao Parlamento pelo Chega, menos de 11 meses após tomar posse. Com o chumbo prometido, a moção “Pelo fim de um Governo sem integridade, liderado por um primeiro-ministro sob suspeita grave” foi originada pela situação da empresa da qual Luís Montenegro foi sócio até junho de 2022 e que foi entretanto passada à mulher e filhos.
Só o Chega votou a favor da moção de censura. Todos os restantes partidos, à exceção do PCP, que se absteve, votaram contra. O deputado não-inscrito, Miguel Arruda, votou ao lado do seu antigo partido que avançou com esta iniciativa.
André Ventura, líder do Chega, ainda admitiu na quinta-feira retirar a moção, caso o primeiro-ministro prestasse esclarecimentos de viva voz ou através de documentação dirigida à Assembleia da República.

O partido considerou que as condições exigidas não foram satisfeitas e a semana acabou com a discussão desta sexta-feira no plenário, com Luís Montenegro a considerar esta moção de censura um “tiro ao lado”, insistindo que a empresa familiar de consultoria agora detida pela mulher e filhos não pode ser considerada uma imobiliária.

O primeiro-ministro defendeu que a empresa foi criada para toda a família antes de ser líder do PSD e adiantou ainda que os seus imóveis não têm qualquer tipo de enquadramento relacionado com as alterações à Lei dos Solos.

"Na minha vida até hoje declarei tudo o que tinha a declarar. Paguei tudo o que tinha a pagar. Esclareci tudo o que tinha a esclarecer", afirmou.

Durante o debate, o primeiro-ministro pediu que fossem distribuídos pelos deputados os rendimentos do agregado familiar dos últimos 15 anos e garantiu que dele apenas podem esperar transparência.

"Sabem o meu património e a sua origem. Sabem os meus rendimentos. Sabem onde moro. A partir de hoje até sabem qual é a minha estratégia pessoal e familiar. A partir de hoje, só respondo a quem for tão transparente como eu, ou seja, que seja capaz de fazer tudo aquilo que eu fiz", declarou Montenegro.
Ventura diz que o primeiro-ministro "não pode nunca estar sob suspeita"
O líder do Chega considerou que "um primeiro-ministro não pode nunca estar sob suspeita". Na abertura do debate da moção de censura, Ventura afirmou que a razão para a Assembleia da República estar a discutir uma moção de censura "é a incapacidade, a falta de transparência e obstinação de um primeiro-ministro em não responder".

Para Ventura, está em causa “um caso de incompatibilidade patrimonial, flagrantemente evidente”.

Falando dos casos conhecimentos nos últimos dias envolvendo os ministros da Coesão, do Trabalho e da Justiça, André Ventura ironizou que o Governo "mais parece uma agência da Remax". PSD questiona Ventura sobre imobiliário no Chega
Hugo Soares, líder parlamentar social-democrata, perguntou ao presidente do Chega quantos deputados tem na sua bancada com interesses no imobiliário e que debateram as alterações à chamada Lei dos Solos.

O deputado considerou que o debate da moção de censura ao Governo tinha "acabado" com o discurso do primeiro-ministro, em que Luís Montenegro – defendeu – explicou o percurso e as atividades da sua empresa familiar.

Hugo Soares rejeitou também a tese do conflito de interesses em relação a Luís Montenegro e passou ao contra-ataque, perguntando a André Ventura quantos deputados tem na sua bancada com ligações ao setor do imobiliário.


Ventura não respondeu à questão, pelo que Hugo Soares declarou que iria entregar na mesa da Assembleia da República um documento em que "constam os nomes dos deputados do Chega" com interesses no ramo do imobiliário.

Hugo Soares declarou ainda que a moção de censura do Chega era no fundo "uma moção de autocensura", tendo como origem Miguel Arruda - deputado acusado por furto de malas no aeroporto de Lisboa e que passou depois à condição de deputado independente - e André Ventura como seu "padrinho".

Em resposta, o líder do Chega disse o seu partido já não tem nas suas fileiras Miguel Arruda, enquanto o PSD continua a ter Miguel Albuquerque: "Senhor deputado Hugo Soares, há uma grande diferença entre PSD e Chega. Se eu olhar para trás, aqui no Parlamento, já não vejo na nossa bancada o deputado Miguel Arruda. Se vocês no PSD olharem para trás, ainda têm Miguel Albuquerque no vosso partido".

A segunda intervenção da bancada do PSD, de um total de 15 nesta fase do debate, mereceu uma repreensão por parte do presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco. Isaura Morais chamou ao presidente do Chega "André Censura".
"Quem não deve não teme", diz Pedro Nuno Santos
Apesar do anúncio de que não iria alinhar na moção do Chega, o líder do PS desafiou o primeiro-ministro a prestar todos os esclarecimentos para que não reste nenhuma suspeita porque "quem não deve não teme", recusando transformar o voto contra a moção de censura num voto de confiança.

Criticando a "manobra de diversão" do Chega, que afirmou ter como "objetivo desviar a atenção dos problemas graves, de polícia, criminais de falta de educação parlamentar que têm marcado a vida do Chega nas últimas semanas", Pedro Nuno Santos deixou um aviso: "Não pode transformar o voto contra do PS num voto de confiança. Se apresentasse uma moção de confiança nós também chumbaríamos essa moção de confiança".

Na resposta, o primeiro-ministro começou por se associar a Pedro Nuno Santos "quando colocou o dedo na ferida relativamente à intenção do Chega com a apresentação desta moção de censura".

"O Chega apresentou a moção de censura por todas as razões, menos para fazer cair do Governo porque o Chega não quer que o Governo caia. Essa para mim é uma evidência", disse Montenegro
, considerando que os problemas do partido de André Ventura, apesar desta "manobra de distração, não acabaram".
Montenegro não divulga clientes

Pedro Nuno Santos apelou a Luís Montenegro para que não deixasse "nenhuma margem para dúvida, nenhuma suspeita sobre o primeiro-ministro de Portugal", porque "quem não deve não teme" e deixou três perguntas a Luís Montenegro.

"Quero perguntar-lhe quem são os seus clientes. Um primeiro-ministro não pode ter clientes mistério", começou po perguntar, querendo ainda saber que serviços foram prestados e por qual preço e também "quem prestou os serviços de consultoria da sua empresa", nomeadamente depois de Montenegro ter deixado a sociedade.

Para o líder do PS, o primeiro-ministro "irritou-se e vitimizou-se", mas um chefe do executivo "tem que dar esclarecimentos a toda a gente", ao Parlamento e aos jornalistas, como Montenegro "sempre exigiu quando estava na oposição aos membros do Governo do PS".

O primeiro-ministro lamentou estas questões do líder do PS não por as colocar, mas sim por considerar que Pedro Nuno Santos "sabe as respostas": "Não devo, não posso estar a divulgar quais são os clientes desta empresa por uma questão de respeito aos clientes, não é por minha causa. Se alguns deles quiserem tomar a essa iniciativa não tenho nenhum problema com isso", justificou.

"Estarei sempre inibido, impondo-me a mim mesmo a inibição total de intervir em qualquer decisão que impacte diretamente com essa empresa em particular. Sei muito bem fazer essa avaliação e eu creio que o senhor deputado confia bem que eu não deixarei de fazer essa aplicação seguindo as regras de conduta aplicáveis aos membros do Governo e até as regras que se aplicam por força da lei administrativa aos conflitos de interesses", assegurou.

Tópicos
PUB