Cumprida a ponderação que prometera fazer durante a noite, José de Matos Correia anunciou esta quinta-feira a demissão da presidência da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos. O social-democrata alega não poder “pactuar” com “um atropelo à democracia”. Na resposta, o PS instou a oposição a avançar potestativamente para uma nova comissão.
O deputado social-democrata justificava então a sua posição com “dúvidas” sobre a capacidade de acautelar o “respeito dos interesses das minorias”, ou seja, dos braços parlamentares de PSD e CDS-PP.
Em nova conferência de imprensa, ao final da manhã, José de Matos Correia repetiu os argumentos.
“O lugar de presidente de uma comissão parlamentar e, por maioria de razão, de uma comissão parlamentar de inquérito impõe a quem o exerce um conjunto de deveres, um conjunto de obrigações. Eu não faço nem nunca fiz política quando exerço funções parlamentares e cumpri estritamente essa regra na presidência desta comissão parlamentar de inquérito”, começou por afirmar.
“Mas isso não significa que esteja disponível para, com o meu silêncio ou com a minha omissão, pactuar com um conjunto de atitudes que, do meu ponto de vista, violam a lei, são um atropelo à democracia e põem em causa o modo normal de funcionamento de uma comissão parlamentar de inquérito”, acentuou.
Matos Correia quis assinalar que os trabalhos da comissão têm sido marcados pelo que considerou ser “uma enorme acrimónia política”.
“Não foi um bom princípio, mas é uma circunstância com a qual todos temos que viver. Diferente é não respeitar aquilo que são os direitos dos diferentes grupos parlamentares e em particular os direitos dos grupos parlamentares que requerem a constituição de uma comissão de inquérito”, continuou.
“Risco de desaparecer”
Ainda segundo Matos Correia, “ao longo dos últimos tempos notou-se e foi patente para todos na comissão parlamentar de inquérito uma tentativa, que eu considero contrária à lei, de limitar o objeto da comissão por força de uma decisão e de uma interpretação dos grupos parlamentares maioritários que sistematicamente esvaziaram o objeto da comissão parlamentar de inquérito”.O Presidente da República escusou-se entretanto a comentar a demissão de Matos Correia, frisando que não se pronuncia sobre a vida interna de outros órgãos de soberania, nomeadamente o Parlamento.
“Por várias vezes, as últimas das quais patentes no que se passou na reunião de ontem, os grupos parlamentares maioritários se arrogaram o direito que a lei lhes não confere de reinterpretar, de acordo com as suas intenções e os seus objetivos, o objeto da própria comissão parlamentar de inquérito”, acrescentou.
“O que está aqui em causa não são conflitos ou confrontos partidários. O que está aqui em causa é a necessidade de refletirmos muito seriamente sobre se queremos ou não queremos comissões parlamentares de inquérito, se queremos ou não queremos respeitar os direitos das minorias, minorias que agora são estas, mas que no futuro serão outras”, fez notar.
“Se aquilo que se passou nesta comissão de inquérito se repetir para futuro, isso significará que estas comissões parlamentares de inquérito pura e simplesmente correm o risco de desaparecer porque a sua utilidade está posta em causa”, completou.
Questionado sobre uma eventual associação entre a sua decisão e a postura dos partidos da direita, Matos Correia sustentou tratar-se de uma escolha “pessoal”.
Recorde-se que os grupos parlamentares que suportam o Governo - PS, BE e PCP – voltaram ontem a rejeitar o acesso da comissão de inquérito a comunicações entre o ministro das Finanças, Mário Centeno, e o ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos, António Domingues, sobre as condições para que este último aceitasse liderar o banco público.
Sobre esta tomada de posição da maioria de esquerda, relativamente a mensagens de telemóvel de Centeno, Matos Correia afirmou que “o ponto não é esse”.
“O ponto é saber se os direitos que os grupos parlamentares proponentes de uma comissão têm de acordo com a lei podem ser obstaculizados de forma artificiosa por uma maioria conjuntural que neste momento é de esquerda, mas que se esta orientação fizer vencimento será seguramente utilizada ou poderá ser utilizada por uma maioria de direita com prejuízo para uma maioria de esquerda. E eu não estou disponível para compactuar como meu silêncio para que esse risco possa vir a verificar-se”, concluiu.
Uma nova comissão?
A reação socialista ao bater de porta de José de Matos Correia coube a Carlos César. Também a partir da Assembleia da República, o líder parlamentar do PS questionou a argumentação do deputado do PSD e desafiou mesmo a oposição de direita a avançar de forma potestativa para a formação de uma nova comissão de inquérito, desta feita sobre a correspondência de Mário Centeno.Em entrevista à Antena 1, o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, deixou claro que a oposição tem nesta altura "tudo em cima da mesa, incluindo uma nova comissão potestativa".
“O senhor deputado Matos Correia, aparentemente, ou se enganou na comissão a que presidia ou pretende presidir a outra comissão. Esta comissão parlamentar de inquérito foi criada e destinava-se a proceder a uma indagação das situações que levaram à necessidade de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e aos atos praticados nesse sentido, até sensivelmente ao ano de 2015”, atalhou César.
“Não estão no âmbito desta comissão outras diligências sobre outras matérias”, explicou. Para enunciar, depois, um repto.
“Se o PSD e o CDS entendem necessário inquirir situações no âmbito da correspondência privada ou oficial que possa ter levado à demissão da anterior administração da Caixa Geral de Depósitos, tem ao seu dispor, no Regimento, o direito potestativo, que é como quem diz o direito com força obrigatória, de constituir outra comissão parlamentar de inquérito para esse fim”.
“O Partido Socialista entende que uma tal comissão pode ser constituída desde que respeite aquilo que é muito importante que os partidos que prezam a democracia e os direitos em geral devem respeitar, que é a Constituição portuguesa, que é a lei e que é o Regimento da Assembleia”, reforçou o dirigente socialista.
“Os portugueses estão de certeza cansados desta saga que o PSD e o CDS têm montado à volta da Caixa Geral de Depósitos”, estimaria ainda Carlos César.