Mariana Vieira da Silva: "Objetivo do PSD é que o voto substitua os esclarecimentos do primeiro-ministro"

por João Alexandre

Fotografias de Gonçalo Costa Martins

Um dia após o parlamento rejeitar uma nova moção de censura ao Governo e com a perspetiva de eleições legislativas antecipadas, o PS mostra-se preocupado com a possibilidade de o país voltar a ir a votos sem que estejam esclarecidas todas as dúvidas sobre a empresa da família de Luís Montenegro.

"A maior preocupação que tenho neste momento é que o país vote sem isto estar esclarecido, porque, nos últimos dias, há muitas coisas que soam a algo que se passa do outro lado do Atlântico. E, o objetivo do PSD é fazer com que o voto substitua os esclarecimentos", afirmou, em declarações à Antena 1, a socialista Mariana Vieira da Silva.

Para a deputada e ex-ministra do Governo de António Costa, os partidos políticos têm, neste momento, a "obrigação de impedir que se crie a ideia de que eleições substituem o esclarecimento", considerando que o esclarecimento por parte do chefe do Executivo e presidente do PSD é "fundamental".

"O país precisa de saber se tem a certeza que este primeiro-ministro e, na verdade, todos os que lhe sucedam - porque é assim que funciona em política, se deixarmos abrir um precedente ele será utilizado -, está verdadeiramente em exclusividade ou não. E, todos os indicadores que nós vamos tendo é que esta empresa [a Spinumviva] continua a receber avenças mesmo depois de Luís Montenegro passar a ser primeiro-ministro. Esta é a questão que precisa de ser esclarecida", insistiu, no programa Entre Políticos, a ex-ministra do PS. Para a deputada socialista, as eleições legislativas antecipadas só serão uma inevitabilidade na medida em que Luís Montenegro não preste mais esclarecimentos.

"Tanto quanto nós conhecemos, neste momento, da posição dos partidos, serão [uma inevitabilidade], mas há uma pessoa que as pode evitar, que é Luís Montenegro. Desde o início deste processo que está nas mãos de uma única pessoa esclarecer e sanar este problema de forma a evitar que aconteça o que tem estado a acontecer", sublinha.

Já sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito anunciada pelo PS, Mariana Vieira da Silva adianta que será centrada nas questões relacionadas com a "exclusividade" de Luís Montenegro, ou seja, salienta a socialista, um inquérito que permita compreender a "relação desta empresa com o universo familiar e o tipo de avenças que a empresa recebe".

"Oposição queria Governo e primeiro-ministro a assar no pelourinho"

Hugo Carneiro, deputado e vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, insiste que, anunciada e entregue a moção de confiança ao Governo, é ao PS que cabe travar a hipótese de o país voltar a eleições legislativas antecipadas.

"Eu concordo que não deve haver eleições. Primeiro, porque o país tem muitos problemas para resolver que nos foram deixados pelo PS ou, por outro lado, problemas novos que surgiram pelas circunstâncias do contexto internacional. A conjuntura internacional não é fácil, desde a eleição da nova administração norte-americana à questão da Ucrânia. Devíamos evitar a crise, mas esperemos para ver como é que o PS vai votar a moção de confiança", disse o deputado, no programa Entre Políticos.

O deputado social-democrata critica ainda a forma como a posição tem tratado o caso e envolver Luís Montenegro e aponta a dois partidos em particular: PS e Chega: "A oposição - com particular responsabilidade para o PS e para o Chega - queria que o Governo e o primeiro-ministro ficassem a assar no pelourinho durante os próximos meses, porque acham, ou achavam, que assim alcançariam um melhor resultado eleitoral no momento que lhes fosse conveniente". E acrescenta: "O primeiro-ministro foi muito claro naquilo que disse [na declaração ao país] em face de todos os esclarecimentos que prestou. E foram muitos e sobre as mais diversas questões. Pedro Nuno Santos apresentou quatro questões no debate da moção de censura do Chega que foram todas respondidas, mas, no debate da moção de censura do PCP, já não eram essas quatro que interessavam, já era uma coletânea de 40 e andaram a ver o que os outros partidos ou a imprensa fizeram".

"Chegámos a um ponto de termos a imprensa a dizer ou a questionar onde é que o primeiro-ministro dorme, se ele joga golfe ou se licenciou as obras para a casa, portanto, já estamos nesse patamar", lamenta Hugo Carneiro.

PCP insiste que moção de censura foi útil: "É evidente que sim"

Após ter ouvido o secretário-geral do PS acusar o PCP de, ao propor uma moção de censura, ter "mordido o isco" lançado pelo Governo, António Filipe considera que foi a proposta dos comunistas a desbloquear uma situação que considera ter sido criada pelo próprio primeiro-ministro.

"É evidente que foi útil porque, na verdade, o primeiro-ministro, naquela comunicação que fez [no sábado] mostrou vontade de tudo menos de apresentar uma moção de confiança. Foi uma ameaça vã e creio que a reação que houve de imediato por parte do PCP obrigou a que todos viessem a jogo, portanto, deixou as coisas mais claras", afirma, em declarações à Antena 1, o deputado comunista.

António Filipe considera ainda injusta a forma como "muitos comentadores" se referiram à proposta do PCP que acabou chumbada pela maioria dos deputados da Assembleia da República.

"Cheguei a ouvir numa televisão que o PCP era o idiota útil e, afinal, verificou-se que não, porque logo no início do debate da moção de censura o Governo veio reconhecer a inevitabilidade da apresentação de uma moção de confiança", diz. O deputado do PCP defende ainda que, com os desenvolvimentos do caso a envolver a empresa familiar de Luís Montenegro, o Governo tinha uma "morte anunciada".

"Não havia outra saída para esta situação de crise instalada. Nós não vamos criar uma crise política, a crise política foi criada a partir do momento em que se tornou evidente a situação em que estava o primeiro-ministro e, portanto, a moção de censura funcionou como o desbloqueador de uma situação que era a de um Governo que tinha uma morte anunciada", diz António Filipe, que entende ainda que as eleições devem acontecer o mais depressa possível: "Quanto mais tarde pior. O problema não é saber se o país entra em crise, a questão é como é que o país sai da crise que está instalada".

IL acusa Montenegro de ser o "principal responsável" pela crise política

Em declarações à Antena 1, a líder parlamentar da Iniciativa Liberal não quis revelar o sentido de voto do partido em relação a uma moção de confiança ao Governo, mas considera que é Luís Montenegro o responsável pela crise política.

"Não tenho dúvidas de que o grande responsável é o primeiro-ministro. Nós andamos a brincar com coisas sérias, porque o país precisa de estabilidade. Acho que todos reconhecemos isso. O país precisa de um governo a funcionar. Tem inúmeros problemas que continuam longe de estar resolvidos e muitos que carecem mesmo de intervenção urgente", sublinhou, no programa Entre Políticos, Mariana Leitão, que lamenta o "taticismo político" que está a "imperar sobre a resolução dos problemas".

Para a líder parlamentar da IL - e anunciada candidata presidencial com o apoio do partido -, o primeiro-ministro teve "inúmeras oportunidades" para "matar o assunto", desde logo, diz, através da "desvinculação da suspeição" que recai sobre a empresa familiar.
"Luís Montenegro podia não resolver tudo, mas certamente não estaríamos hoje nesta situação se o tivesse feito de forma perentória, acabando com qualquer ligação àquela empresa - que é o grande alvo da suspeição que, entretanto, se criou à volta deste tema", insiste. Nesse sentido, a líder parlamentar e deputada liberal defende que o chefe do Governo tem "total responsabilidade" neste caso que "arrastou todo o Governo" para uma situação que tem "única e exclusivamente a ver com a sua [de Luís Montenegro] própria vida", sublinhando a deputada que, no entender dos liberais, a opção de Montenegro foi de uma "total e completa imprudência" e de "pouco sentido do Estado".
"Era importante que houvesse aqui muita sensatez por parte das pessoas que têm responsabilidades políticas, tanto da parte do Governo como da parte dos partidos da oposição", conclui.
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