Jerónimo de Sousa contrapõe "questão política" à leitura de Pinto Monteiro

por RTP
"Independentemente dos imbróglios jurídicos e das interpretações que se possam fazer, sobra sempre a questão política" Hugo Delgado, Lusa

O secretário-geral do PCP reage à interpretação que o Procurador-Geral da República (PGR) fez das escutas do processo Face Oculta com a ideia de que é “inaceitável”, no “plano político”, influenciar os média. Pinto Monteiro considera que “influenciar os órgãos de comunicação social não é crime”. Para Jerónimo de Sousa, “sobra sempre a questão política”.

"Pode não ser crime, mas no plano político é inaceitável". É desta forma que Jerónimo de Sousa reage às últimas declarações do Procurador-Geral da República sobre as escutas do processo Face Oculta que envolvem José Sócrates. Entrevistado pela revista Visão, Pinto Monteiro sustentou que não viu "indícios que apontem para o cometimento do crime de atentado ao Estado de Direito, que não foi certamente previsto para casos como este". O secretário-geral dos comunistas leva a leitura do caso para lá "dos imbróglios jurídicos".

"A questão de fundo é dizer que é legítimo influenciar os órgãos de comunicação social. Legítimo pode ser, mas creio que não é curial", afirmou o secretário-geral do PCP, que falava em Espinho à margem de uma conferência sobre política na Escola Secundária Doutor Manuel Laranjeira.

No entender de Jerónimo de Sousa, "independentemente dos imbróglios jurídicos e das interpretações que se possam fazer, sobra sempre a questão política": "Do nosso ponto de vista, com arquivamento ou sem arquivamento, é preciso que as instituições continuem a procurar aprofundar esclarecimento cabal".

"O primeiro-ministro não se deve sentir confortado, dizendo que já disse tudo. Deve continuar a prestar os esclarecimentos que forem necessários para o apuramento da verdade e isto não significa condenar ninguém antes de qualquer julgamento", acentuou Jerónimo de Sousa.

Caso "meramente político"

Na entrevista à Visão, Pinto Monteiro defende também que "o chamado caso das escutas é neste momento meramente político". De acordo com o Procurador-Geral da República, "pretende-se conseguir determinados fins políticos utilizando para tal processos judiciários e as instituições competentes".

"É velho o esquema. Como facilmente se constata na Procuradoria-Geral da República, poucos políticos relevantes escaparam a esta armadilha política", acrescenta Pinto Monteiro.

Segundo uma fonte ligada ao processo, citada pela agência Lusa, o Procurador-Geral considerou, no despacho relativo às escutas, que não existia qualquer menção de que o primeiro-ministro tivesse proposto ou apoiado um plano de interferência em órgãos da comunicação social. No despacho de arquivamento, adianta a mesma fonte, Pinto Monteiro conclui que, do conjunto analisado de escutas, não se infere que José Sócrates tenha proposto ou apoiado a compra da TVI pela Portugal Telecom - o Procurador-Geral da República argumenta mesmo que existe menção de descontentamento por parte do primeiro-ministro, por não o terem informado da alegada operação.

Questionado pela Visão sobre a leitura do magistrado do Ministério Público de Aveiro responsável pelo processo Face Oculta, que alegou haver "indícios muito fortes da existência de um plano" do Executivo socialista "visando o controlo da TVI", Pinto Monteiro responde: "Tenho muita consideração pelo senhor procurador de Aveiro, que é um bom magistrado, mas, obviamente, como PGR, não estou obrigado a concordar com as suas opiniões jurídicas".

"Eventuais propostas, sugestões, conversações sobre negociações que, hipoteticamente, tenham existido no caso em apreciação não têm idoneidade para subverter o Estado de Direito. Poderão ter várias leituras nos planos político, social ou outros, mas isso não corresponde, necessariamente, à constituição de crime", argumenta ainda o Procurador-Geral da República.

Jerónimo de Sousa recusa-se a fazer "juízo de valor"

Perante as perguntas dos jornalistas sobre as condições de Pinto Monteiro para permanecer à frente da Procuradoria-Geral da República, o secretário-geral do PCP disse não querer "fazer nenhum juízo de valor em torno disso".

"Seria fazer um juízo de valor apressado pensar que está em causa o seu mandato e acho que neste momento isso não se deve colocar", sublinhou Jerónimo de Sousa, sem deixar de assinalar a existência de "uma contradição", uma vez que "as escutas, a publicação de algumas delas, não corresponderam à lei, mas a interpretação dos seus conteúdos pelo Procurador é um entendimento que merece, pelo menos, discussão".

"É evidente que, se pressionarem algum jornalista directa ou indirectamente, começa a estar em causa o direito à livre expressão, o direito à liberdade de imprensa e o direito profissional", concluiu.

Associação Sindical dos Juízes quer publicação de despachos

O presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses sublinha, por seu turno, que a liberdade de expressão "é um valor que todos devem cultivar". António Martins recusa-se a comentar o arquivamento decidido pelo Procurador-Geral da República, mas volta a apelar para que todos os despachos sejam tornados públicos.

"Em 26 de Novembro nós dissemos claramente num comunicado que emitimos que as decisões das autoridades judiciárias, todas, quer as de primeira instância quer as das últimas entidades judiciárias, deveriam ser públicas para que os motivos do cimento de todos os factos pudessem ser livremente acessíveis. Isso era imperioso numa democracia", frisou António Martins.

"A liberdade de expressão é dos valores que, numa democracia, todos nós devemos cultivar. Sem isso, uma democracia seguramente não é plena no sentido da palavra", declarou o presidente da Associação Sindical dos Juízes, acrescentando que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa "são valores que todos nós, enquanto cidadãos, não podemos deixar de cultivar e de pugnar por eles".

Sessão do CSMP para esclarecer "várias questões jurídicas"

O Procurador-Geral da República enviou esta quinta-feira aos membros do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) a convocatória para uma reunião a 2 de Março, que deverá abordar o caso das escutas que envolvem o primeiro-ministro. "Esclerecer várias questões jurídicas" é o único ponto oficial na agenda do encontro.

No âmbito do processo Face Oculta, que incide sobre alegados casos de corrupção envolvendo empresas privadas e do sector empresarial do Estado, foram constituídos 18 arguidos, entre os quais o antigo ministro socialista Armando Vara.

Em escutas realizadas no decurso da investigação, foram interceptadas conversas entre Vara e Sócrates. Pinto Monteiro concluiu que o conteúdo das escutas não tinha relevância criminal. Por sua vez, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, considerou que as escutas não eram válidas, pois envolviam o primeiro-ministro e o juiz de instrução criminal de Aveiro não tinha competência para as autorizar.

PUB