Inquérito à TAP. Relatório preliminar conclui que Finanças desconheciam indemnização de Alexandra Reis
O relatório preliminar de 180 páginas da comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP foi entregue no Parlamento pouco antes das 0h00 desta quarta-feira. No documento redigido pela deputada socialista Ana Paula Bernardo, conclui-se que o Ministério das Finanças só soube dos 500 mil euros pagos à ex-administradora Alexandra Reis quando o valor foi publicado no portal da CMVM. Já o Ministério das Infraestruturas "teve conhecimento". Por outro lado, Frederico Pinheiro só é mencionado por uma vez num quadro com a lista de audições. Decisão justificada com a necessidade de evitar que o documento fosse contaminado com o caso que envolveu o ex-adjunto do ministro João Galamba e o SIS.
"A CPI apurou não existirem evidências de que a tutela acionista da TAP, o Ministério das Finanças, tivesse tido conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis, não tendo existido comunicação nem por parte da TAP, nomeadamente do PCA (presidente do Conselho de Administração) ou do CFO (administrador financeiro) enquanto principais interlocutores com esta tutela, nem por via do MIH (Ministério das Infraestruturas e da Habitação), nem pela própria Alexandra Reis", afirma-se no relatório preliminar, ao qual a RTP teve acesso.
O relatório conclui assim que "o Ministério das Finanças teve conhecimento no momento da publicação no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) do comunicado enviado pela TAP no dia 4 de fevereiro", ao passo que o "Ministério das Infraestruturas e Habitação teve conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis", tendo o então Pedro Nuno Santos atendido à vontade da ex-presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, de substituir Alexandra Reis na administração da transportadora aérea. No final o processo, deu "a sua aceitação ao valor acordado entre as partes".
Ainda segundo o relatório preliminar, Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes, ex-secretário de Estado das Infraestruturas, "assumiram as suas responsabilidades políticas na gestão deste processo, tendo apresentado as suas demissões em 28 de dezembro de 2022".Após as demissões, Pedro Nuno Santos revelou em comunicado ter encontrado uma troca de mensagens com Hugo Mendes e a sua chefe de gabinete, de que não se recordavam, a qual indica que souberam e anuíram politicamente à indemnização de 500 mil euros paga a Alexandra Reis.
Quanto ao recurso à aplicação WhatsApp, o relatório salienta que "foi recorrente". "Todavia não se pode inferir que o processo decisório deste Ministério não seja formal", ressalva-se no documento.
Recorde-se que, na sequência do relatório da Inspeção-Geral de Finanças que reprovou o acordo de saída de Alexandra Reis da TAP, o Governo exonerou o então presidente do Conselho de Administração, Manuel Beja, e a CEO, Christine Ourmières-Widener, determinando por último a destituição da indemnização.
"Até ao momento de elaboração do relatório, não foi recebida informação formal confirmando a devolução da indemnização de AR (Alexandra Reis), não obstante a comunicação social já ter veiculado essa informação", aponta o relatório.
Da TAP para a NAV
O relatório preliminar da comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP exclui qualquer ligação entre a saída de Alexandra Reis da companhia e a sua nomeação para a presidência da NAV, ou pressão ou intervenção política por parte do Executivo.
"Não existem evidências de qualquer conexão entre a saída da TAP e o convite e respetiva nomeação para a NAV", assinala o texto de Ana Paula Bernardo.
"O perfil, as sólidas competências e o conhecimento profundo do setor por parte de Alexandra Reis foram os motivos apontados pelos então governantes para esta escolha".
"Melhorar os processos de classificação"
O Governo, recomenda-se no relatório de 180 páginas, deve melhorar o processo de classificação de documentos e a articulação entre tutelas financeira e sectorial.
Uma das seis recomendações ao Executivo passa por "melhorar os processos de classificação de documentos (e, de forma conexa, os processos de gestão documental), para garantir que a documentação seja adequadamente classificada, tramitando nos gabinetes governamentais e entre estes e as empresas com a correta classificação e, quando aplicável, com exigidas garantias de segurança dos documentos".
Faz-se também referência às relações entre tutelas, nomeadamente os ministérios das Finanças e das Infraestruturas e Habitação, em matéria de gestão de empresas públicas.
"No exercício da função acionista/tutela de gestão, garantir a melhoria da articulação entre a tutela financeira e setorial, assegurando que a divisão e conexão de responsabilidades é clara e concebida para servir o interesse público; esta melhoria deve ser refletida nomeadamente na definição de orientações e objetivos (incluindo a avaliação do desempenho no cumprimento dos mesmos) e também na proposta, designação e destituição dos titulares dos órgãos sociais ou estatutários".
"Garantir a celebração dos contratos de gestão no momento da assunção de funções pelo gestor (sem prejuízo do seu ulterior ajustamento), com definição de metas quantificadas que concretizem as orientações definidas para a empresa", é outra das recomendações ao Governo.
Defende-se ainda o fortalecimento dos "canais de relacionamento institucional entre Governo e as empresas do setor público empresarial, garantindo que as responsabilidades são concretizadas nos prazos devidos, pelos canais formais e de forma transparente, como a emissão atempada de orientações para as empresas, para que estas disponham de todos os instrumentos necessários no ciclo de gestão".O relatório preliminar aponta que os 55 milhões de euros pagos ao ex-acionista David Neeleman para sair da TAP resultaram de uma negociação, embora não tenha havido consenso quanto à obrigação de proceder a este pagamento.
O Executivo deverá também "avaliar globalmente o quadro regulatório do setor empresarial do Estado (SPE) para evitar o excesso de regulamentação, leis inaplicáveis e procedimentos burocráticos que possam dificultar a agilidade na interação entre o governo e as empresas, ou criar entropia na dinâmica operacional do negócio".
E "melhorar a prestação de contas à sociedade em matéria de setor empresarial do Estado, disponibilizando online e de forma acessível toda a informação atualizada relativa não só aos resultados obtidos pelas empresas, mas também ao cumprimento das obrigações de gestão pelo acionista Estado e pelas administrações das empresas".
"Classificação, desclassificação, tratamento e utilização"
No que diz respeito aos trabalhos das comissões de inquérito parlamentares, Ana Paulo Bernardo sustenta que "importa prosseguir o trabalho já encetado" em matéria de "classificação, desclassificação, tratamento e utilização das informações consideradas sensíveis, sigilosas ou reservadas, garantindo o adequado equilíbrio entre a proteção e segurança documental e o acesso ágil por parte de todos os que estão credenciados para a ela aceder, de modo a assegurar uma maior eficácia aos trabalhos dos membros da comissão".
Quanto às empresas, são enunciadas recomendações de ação a partir dos casos da TAP, a primeira das quais passaria por "assegurar a transparência da ligação entre a remuneração dos administradores e o desempenho a longo prazo da empresa, para que os acionistas e os cidadãos possam avaliar os custos e os benefícios dos planos de remuneração e a contribuição dos esquemas de incentivos para o desempenho da sociedade".
"Nas empresas públicas, tal deverá passar pelo cumprimento integral do RJSPE (Regime Jurídico do Setor Público Empresarial), nomeadamente no que se refere aos contratos de gestão".A comissão de inquérito à TAP apurou que, na lista de documentos do Tribunal de Contas recebidos pela Parpública para a auditoria anterior, não constam referências aos fundos Airbus, informação que será incluída na nova auditoria.
Apela-se ainda para que se avalie "a conveniência da realização de outsourcing (contratação de trabalho externo) em áreas funcionais críticas para a empresa, sobretudo aquelas que exigem uma forte especialização temática indispensável à integridade do funcionamento da empresa do ponto de vista do cumprimento de requisitos normativos".
"Caso exista opção por aquele mecanismo deve ser garantida a inexistência de conflito de interesses que possam comprometer a integridade da sua análise ou consultoria".
Evitar "alguma contaminação"
O relatório preliminar apenas refere por uma vez o nome de Frederico Pinheiro. Uma opção que surge justificada com a necessidade de evitar "alguma contaminação".
É na introdução do documento que a deputada relatora justifica a opção de não se debruçar sobre os incidentes nas instalações do Ministério das Infraestruturas, a envolver Frederico Pinheiro, ou o recurso aos serviços de informações por parte do Governo para a recuperação de um computador levado pelo ex-adjunto do ministro João Galamba.
"Este é um relatório sobre a TAP. Não pretende ser um diário da CPI (comissão parlamentar de inquérito). É um relatório sobre a gestão da empresa e a gestão da tutela política da TAP. E aqui importa ter presente que foi isso que nos foi exigido", argumenta a deputada socialista.
"Procurou-se assim evitar a exposição, e até mesmo alguma contaminação do relatório, a um conjunto de ações, situações e discussões que foram sendo arrastadas para a comissão de inquérito da TAP", escreve.
Estes acontecimentos "ocuparam bastante tempo" dos trabalhos, mas "efetivamente não constituem o seu objeto e, em alguns casos, são matérias que exigirão análise e atuação noutras sedes que não esta comissão".
"Estamos a referir-nos a situações como os acontecimentos que ocorreram nas instalações do Ministério das Infraestruturas na noite de 26 de abril de 2022, a atuação do SIS (Serviço de Informações de Segurança) na sequência do referido incidente ou ainda a existência de uma reunião no dia 17 de janeiro, com a presença da CEO da TAP (na altura Christine Ourmières-Widener) e de um deputado do Partido Socialista, que antecedeu uma audição realizada na Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação", sublinha o relatório.
"A sua não inclusão neste relatório não desvaloriza a sua pertinência ou relevância, mas tão somente que, conforme já referido, os mesmos devem ser analisados e apurados e, se for esse o entendimento, assumidas as correspondentes ações corretivas pelas entidades, organismos ou órgãos competentes e apropriados para o efeito".Relativamente aos incidentes com Frederico Pinheiro, na noite de 26 de abril, refere-se que "o caso foi já remetido para as entidades policiais relevantes, do qual resulta a abertura de inquérito no Ministério Público" e que "este inquérito decorrerá independentemente e para lá dos trabalhos desta comissão".
Sobre a intervenção do SIS, a deputada escreve que "a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, competente em razão da matéria, já ouviu o diretor do SIS - e a secretária-geral do SIRP (Sistema de Informações da República Portuguesa), tendo já sido prestados esclarecimentos sobre a situação".
Quanto à reunião preparatória de uma audição na comissão parlamentar de Economia, que envolveu a ex-presidente executiva da TAP e pelo menos um deputado do PS, em janeiro, Ana Paula Bernardo enfatiza que teve lugar em "data anterior à própria aprovação" da comissão de inquérito.
"Logo que foram levantadas dúvidas sobre aquela reunião, a CPI tomou as diligências necessárias", remetendo o dossier para a Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, "comissão competente para o efeito", que "já emitiu parecer".