Guterres. O quarto secretário-geral do PS, dos Estados Gerais ao "pântano político"

por por Sandra Machado Soares, Pedro Zambujo, Pedro de Góis, Miguel Teixeira - RTP

1992 - 2002. Uma das declarações que ficaram na história da política nacional foi de António Guterres. "O pântano político" é ainda hoje várias vezes citado. António Guterres ganhou as eleições com um empate surpreendente no número de deputados no parlamento. Governou com orçamento limiano e demitiu-se depois da pesada derrota nas autárquicas de 2001. Foi o quarto secretário-geral dos socialistas. Saltou da política doméstica para os palcos internacionais.

Naquela noite eleitoral ainda houve um abraço a Jorge Sampaio. Mas António Guterres já estava a preparar, há muito, o dia seguinte.

O PSD festeja a maioria absoluta. A segunda. "Aconteceu. Era muito aquilo que os que andavam nesta campanha esperavam. Sinto-me muito feliz".

O PS de Jorge Sampaio não só perde as eleições como não consegue evitar a segunda maioria absoluta de Cavaco Silva. "Ao eleitor despontado quero dizer que assumo eu inteira responsabilidade. De qualquer modo uma coisa é certa: Continuo determinado!", dizia o secretário-geral.

No dia seguinte às eleições, na reunião do secretariado nacional, Guterres senta-se ao fundo da mesa e diz que está "em choque".

A decisão estava tomada. "Sou candidato à liderança do PS", afiança Guterres. "Eu não me resigno com o resultado das eleições de 6 de outubro".

Olhando para esse momento, Augusto Santos Silva conta que tinha apoiado Jorge Sampaio contra Guterres, que acabou por ganhar. "Todas estas disputas deixam marcas, no caso do PS eu diria que em um dois anos essas marcas foram superadas, em primeiro lugar por causa de ação de pessoas como Jorge Coelho ou Ferro Rodrigues que tudo fizeram para que houvesse um reagrupamento e sobretudo pela dinâmica política".
Foto: Pedro Góis - RTP

Jorge Coelho já era o homem do aparelho socialista. Fez tudo para evitar uma disputa fratricida. Guterres e Sampaio eram camaradas do “grupo do sótão” e tinham estado juntos na conspiração e na oposição a Mário Soares.
 
Nos bastidores, os apoiantes de Sampaio falavam em traição. Mas António Guterres consegue ganhar o partido no congresso de 1992.

Não fica sozinho a fazer oposição ao governo. No Palácio de Belém, Mário Soares continua a arrasar o Cavaquismo. É o principal orador do Congresso Portugal que Futuro? – um manifesto contra a situação.
 
Mário Soares acusava o governo de "arrogância tecnocrática de certos quadros, alheios às preocupações dos simples cidadãos".

Cavaco Silva não reagia. "Eu não posso pronunciar-me porque não conheço. Passei o dia todo ontem numa excursão familiar ao Pulo do Lobo, no Alentejo profundo, no Guadiana, próximo de Mértola e incomunicável. Regressei a Lisboa já depois da meia-noite. Mas mesmo que conhecesse não me pronunciava porque eu quero ficar como o primeiro-ministro que mais se empenhou para um bom relacionamento com a Presidência da República. E sabe mesmo que eu tenho dado ordens ao meu partido para que todos ajudem o Dr. Mário Soares a terminar com grande dignidade o seu mandato porque ele bem o merece", garantia.

Cavaco Silva colocou Pulo do Lobo no mapa.

António Guterres viajou até ao Japão. No Largo do Rato vivia-se o desconforto de ver o Presidente a assumir o papel de líder da oposição."Causa sempre alguma perturbação quando os presidentes em funções desempenham atividades que num certo sentido beliscam aquelas que são as atividades próprias dos partidos da oposição, nesse sentido causou algum incómodo", relembra Santos Silva.

Era um incómodo com o Presidente de então, mas também com o futuro Presidente. Jorge Sampaio anuncia a candidatura a Belém ao mesmo tempo que o secretário-geral quer o PS concentrado nas legislativas.

Houve um telefonema e um silêncio. Sampaio confessou, mais tarde, que Guterres “ficou absolutamente à rasca” por ter feito o anúncio à margem do partido.

Por essa altura, António Guterres preparava os “Estados Gerais”. Andou pelo país, chamou independentes, pediu ideias. No documento final estava um programa eleitoral.

"Houve uma certa resistência do que é vulgar chamar-se o aparelho do partido mas uma resistência muito fugaz", refere Santos Silva. "Acredita que os Estados Gerais foram decisivos para a vitória de 1995? Não tenho mínima dúvida sobre isso", admite.

Mas o PS sabia que boas propostas não chegam para ganhar eleições. E, pela primeira vez, a política socorreu-se de um publicitário. Edson Athayde apostou na “razão e no coração”, depois de 10 anos de cavaquismo.

Ainda faltavam quatro meses para campanha eleitoral. Uma gafe entrou na história, pela voz de Guterres. "O produto interno bruto são cerca de 3 mil milhões de contos… portanto 6 por cento de 3 mil milhões… 6 x 3 18… um milhão… enfim é fazer as contas"...

“Um casinho na campanha”, admite Santos Silva à luz do presente. "Foi uma perturbação, uma perturbação de percurso, um acidente de percurso. (...)O que aconteceu era o mais inesperado tendo em conta a personalidade e o perfil de António Guterres. Ele sabia os números todos de cor e salteado".

É a noite do regresso ao poder. Guterres ganha por muitos. Fernando Nogueira, herdeiro de Cavaco Silva na liderança dos sociais-democratas, não resiste à derrota. O PSD elege um novo líder, que ajuda a governação Marcelo Rebelo de Sousa deixa passar três Orçamentos do Estado.

"O PSD fará tudo para que Portugal entre no Euro na primavera de 1998. Fará tudo o que for necessário", diz Marcelo.
 
Foram quatro anos de diálogo e negociação constantes. Pela primeira vez um governo minoritário cumpriu a legislatura até ao fim.

Os socialistas colecionavam vitórias. Jorge Sampaio tinha ganho as Presidenciais, ainda para mais a Cavaco Silva. Foi a desforra de 1991 – quando foi derrotado pela maioria absoluta.

Nas eleições de 1999 socialistas queriam mais. O resultado surpreendeu. Os portugueses decidiram um empate. Ficou a um deputado da maioria absoluta.

"Sai daqui desiludido? Não, saio daqui satisfeitíssimo e cheio de vontade de trabalhar", responde Guterres.
 
Sem a tão desejada maioria absoluta, começaram os “orçamentos limano”. Daniel Campelo, do CDS, foi decisivo: era o deputado 116.

Santos Silva recorda o impacto destes orçamentos. "Foi um incómodo para o governo, foi um incómodo para o partido. Foi uma decisão muito difícil que nos demorou muitas horas”, refere. “O país não tinha orçamento ou o PS aceitava o voto favorável do eng. Daniel Campelo”, lembra.
Foto: Pedro Góis - RTP

O segundo governo de António Guterres não foi bem-sucedido.
 
A queda da ponte Hintze Ribeiro, em Castelo de Paiva, exibe as fragilidades do país que está longe de Lisboa. Morrem 59 pessoas. Jorge Coelho sai do Governo. “A culpa não pode morrer solteira”, diz. O governo perde um dos pilares mais importantes.
 
Polémicas como a coincineração ou os touros de morte, em Barrancos, desgastam o primeiro-ministro.
A derrota, por muitos, nas eleições autárquicas de 2001, precipitam uma decisão.

“Ccom inteira lucidez devo reconhecer que se nada fizesse o país cairia inevitavelmente num pântano político, que minaria as relações de confiança entre governantes e governados. Por isso pedirei ao Sr PR que me receba para lhe apresentar o meu pedido de demissão das funções de primeiro-ministro”, assume Guterres.

É a saída de cena de António Guterres, mas só da política doméstica. O palco internacional veio a seguir.
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