O Ministério Público (MP) considera que o ministro das Infraestruturas, João Galamba, arguido no processo dos negócios do lítio e do hidrogénio, agiu ilegalmente para desbloquear procedimentos relacionados com a Start Campus em beneficio da empresa.
O despacho de indiciação do MP, a que a Lusa teve hoje acesso, refere que o arguido João Galamba "agiu livre e lucidamente em conjugação de esforços e de fins" com os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves (sócios da Start Campus), bem como com Diogo Lacerda Machado (advogado, consultor e amigo do primeiro-ministro António Costa) e Vítor Escária (chefe de gabinete do primeiro-ministro), decidiu ilegalmente "nos procedimentos administrativos e legislativos relativos à Start Campus e imprimindo maior celeridade" à apreciação do negócio em causa.
João Galamba e o arguido Nuno Lacasta (presidente da Associação Portuguesa do Ambiente/APA) estão indiciados de, ainda em conjugação de esforços com Afonso Salema, Rui Oliveira Neves, Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária, ordenarem a diversos funcionários da APA e do AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) a "adequarem os procedimentos administrativos e legislativos envolvendo a Start Campus àquele plano que previamente delinearam, desde logo conferindo maior celeridade aos mesmos", o que conseguiram em parte.
Considera o MP que recaía sobre João Galamba e Nuno Lacasta os "deveres de igualdade, proporcionalidade, justiça, isenção, imparcialidade, rigor, transparência e legalidade na atuação da administração" pública, deveres esses que ambos "violaram com intenção de beneficiar indevidamente, como beneficiaram, a arguida Start Campus e o respetivo Data Center de Sines, ferindo a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e a credibilidade destas".
Com maior detalhe, o despacho do MP menciona que em 19 de outubro de 2020, Diogo Lacerda Machado e outras pessoas reuniram-se pelo menos com Galamba - então secretário de Estado Adjunto e da Energia - a quem apresentaram o projeto.
Na mesma data, adianta o documento, Galamba contactou telefonicamente com Hugo Mendes - então secretário de Estado Adjunto e das Comunicações - transmitindo-lhe que tinha mantido a dita reunião e, referindo-se aos promotores do projeto, declarou: "aquilo é uma empresa irlandesa, duas empresas portuguesas, um fundo Americano e o Diogo Lacerda Machado".
No decurso dessa reunião, Diogo Lacerda Machado e os demais representantes do projeto transmitiram a João Galamba que pretendiam receber do Governo "apoio político" e "apoio no licenciamento".
No dia seguinte, em conversa telefónica com um seu amigo, Galamba refere que "querem apoio político e no licenciamento".
À pergunta do amigo sobre se "o primeiro-ministro já percebe a importância disto", responde: "Tem pessoas à volta dele que percebem".
Dias depois, Diogo Lacerda Machado e outras pessoas reuniram-se pelo menos com Pedro Siza Vieira - então ministro de Estado da Economia e da Transição Digital - a quem também apresentaram o projeto.
Após a implementação do projeto, mormente com a aquisição do capital da Start Campus por empresas investidoras, este foi apresentado em 23 de abril de 2021 num evento, na qual estiveram presentes, juntamente com Afonso Salema, Galamba, Siza Vieira e o próprio primeiro-ministro, António Costa.
O MP afirma que Afonso Salema e Rui Oliveira Neves passaram a contactar diretamente e com muita regularidade João Galamba, mesmo depois de este último iniciar funções como ministro, sendo que tais contactos tiveram lugar não apenas em reuniões formais na Secretaria de Estado ou Ministério, mas também em refeições e troca de mensagens.
No despacho do Ministério Público constam vários almoços e jantares entre Afonso Salema e Rui Oliveira Neves e João Galamba.
Um dos almoços referenciado, em 28 de setembro de 2022, no restaurante "Trinca Espinhas", em Sines, que teve um custo de 564,45 euros, pago na totalidade por Afonso Salema.
Diz o MP que no decurso desse almoço, João Galamba assegurou a Afonso Salema que iria aprovar os atos necessários ao reforço da capacidade de injeção da rede elétrica de Sines, por forma a abranger o Data Center.
A investigação aos negócios do lítio e hidrogénio, que deu origem à demissão do primeiro-ministro, tem nove arguidos, cinco dos quais estão detidos: Vítor Escária, Diogo Lacerda Machado, Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, Afonso Salema e Rui Neves, administradores da sociedade Start Campus.
Entre os arguidos estão ainda João Tiago Silveira, advogado e antigo porta-voz do PS, e a empresa START -- Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus SA.
No âmbito desta investigação, António Costa é alvo de um inquérito autónomo do MP no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos do processo terem invocado o seu nome como ter tido intervenção para desbloquear procedimentos administrativos e legislativos relacionados com os projetos.