Eduardo Ferro Rodrigues é o novo presidente da Assembleia da República, sucedendo a Assunção Esteves. A eleição do antigo líder do Partido Socialista, que concorria contra o social-democrata Fernando Negrão, ficou consumada esta sexta-feira, à primeira volta, na sessão plenária inaugural da XIII Legislatura. Com aplausos à esquerda e críticas à direita.
Na sua primeira intervenção enquanto presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues sustentou que a “história de compromissos e convergências” tem “forçosamente de se repetir”, dado que “nenhuma força teve maioria absoluta”, o que acarreta uma responsabilidade “acrescida” para a câmara.
Em seguida, fez incidir as suas palavras na última comunicação do Presidente da República ao país, marcada pelo diagnóstico de “inconsistência” que Cavaco Silva reservou à solução de governo que lhe foi levada por PS, PCP e Bloco de Esquerda.
“Assim como não há deputados de primeira e segunda, também não há grupos parlamentares de primeira e de segunda, coligações aceitáveis e outras banidas”, clamou o novo presidente do Parlamento, que exigiria ainda respeito pela “soberania da Assembleia da República”. O presidente da Assembleia da República é a segunda figura na hierarquia institucional do Estado.
Nos momentos que antecederam a votação, subiam já de tom as críticas do partido de Passos Coelho à investida socialista.
Defendendo a candidatura de Fernando Negrão, o líder parlamentar do PSD saíra a terreiro para evocar “uma boa tradição” da democracia portuguesa: fazer eleger para a Presidência do Parlamento um candidato proposto pela força política mais votada nas legislativas.
“Não há nenhuma altura na nossa história democrática em que não tenha sido esse partido a propor e a fazer aprovar o presidente da Assembleia da República. É mais uma das boas tradições da nossa democracia que o PS quer travar e inverter”, reprovava Luís Montenegro.
Com a soma das bancadas da esquerda a pesar mais do que PSD e CDS-PP no hemiciclo, a eleição de Ferro Rodrigues ficou decidida à primeira volta. O nome do deputado socialista reuniu 120 votos, contra 108 de Negrão.
À direita, silêncio seguido de críticas
Votaram neste processo os 230 deputados eleitos nas legislativas de 4 de outubro. Houve dois votos em branco. Se entre os partidos da esquerda parlamentar a eleição de Ferro Rodrigues foi saudada com aplausos – os socialistas aplaudiram de pé -, PSD e CDS-PP receberam o resultado em silêncio.
A primeira intervenção, após a eleição de Eduardo Ferro Rodrigues, coube a Luís Montenegro. O dirigente social-democrata foi duro nas palavras: “Não começou bem o seu mandato”.
Embora tenha ressalvado que aceita o desfecho da eleição desta sexta-feira, o líder da bancada parlamentar laranja voltou a lamentar o que considerou ser uma quebra de tradição. Acusou depois o novo presidente da Assembleia da República de ter descurado a imparcialidade, reclamando respeito pela vontade declarada pelo eleitorado no início do mês.
Adiante, em tom análogo, o líder parlamentar do CDS-PP faria a mesma crítica a Eduardo Ferro Rodrigues e ao PS.
Nuno Magalhães procurou enunciar “a diferença entre cumprir uma tradição e quebrar as regras”.
“Vontade de mudança”
Dada a palavra a António Costa, ouviu-se novo recado com o Presidente da República por destinatário. O secretário-geral do PS manifestou mesmo o desejo de que a legislatura agora aberta seja “de mudança e de construção de um novo estado da nossa democracia”.
Costa salientou o cariz secreto da votação para a Presidência da Assembleia da República, para propugnar que a escolha de Ferro Rodrigues foi feita em “consciência” e em total liberdade por cada um dos deputados.
Foi também uma resposta, segundo o dirigente socialista, a “quaisquer forças que queiram bloquear a vontade de mudança”.
“Nova correlação de forças”
À esquerda da bancada do PS, Pedro Filipe Soares, à frente do reforçado grupo parlamentar do BE, tratou também de endereçar fortes críticas a Cavaco Silva, lembrando que em democracia “não há votos de primeira nem votos de segunda”.
“Uma pessoa um voto, todos e todas iguais, todos os votos valem o mesmo”, vincou.
Por sua vez, o líder parlamentar comunista fez notar que “a eleição do presidente da Assembleia da República tem naturalmente um significado simbólico, mas também um significado político”: “Porque ela dá expressão à nova correlação de forças que resulta das eleições do passado dia 4 de outubro”.
João Oliveira argumentou ainda que foi cumprido “o preceito constitucional” com a eleição de Ferro Rodrigues.
Também Heloísa Apolónia quis chamar a atenção para a “nova correlação de forças” do Parlamento português.
Depois de saudar a nova composição da Assembleia da República, a deputada do Partido Ecologista “Os Verdes” dirigiu “um cumprimento muito especial” a Ferro Rodrigues, desejando-lhe “os maiores sucessos e os maiores êxitos” e pedindo-lhe para “dignificar” a instituição.
“Houve forças políticas que se comprometeram com uma continuidade de políticas e outras que se comprometeram com os eleitores com uma mudança de políticas”, apontou Heloísa Apolónia. As primeiras, enfatizou, “perderam a maioria absoluta”.
“A vitória da democracia”
Já à saída do hemiciclo, uma vez garantida a eleição de Ferro, o líder do PS insistiu na ideia de que “os portugueses nas urnas foram inequívocos, ao dizerem que querem uma nova orientação política”.
“Aquilo que foi possível hoje ver aqui é que a vontade que os portugueses depositaram na maioria dos seus representantes teve a possibilidade de se exprimir de uma forma inequívoca na eleição do novo presidente da Assembleia da República”, frisou António Costa.
“Estão criadas boas condições para que aquilo que é a vontade maioritária dos portugueses possa ter efetiva tradução nesta Assembleia da República”, reiterou.
Para depois passar a nova barragem de críticas dirigidas a Cavaco Silva: “Depois de ontem termos ouvido um discurso tão infeliz, em que procurou, por um lado, discriminar neste arco de representação democrática aqueles que valem mais e outros deputados que valeriam menos, grupos parlamentares de primeira e grupos parlamentares de segunda, hoje aqui a Assembleia, na sua soberania, reafirmou que todos os portugueses são iguais, que todos os portugueses têm o mesmo direito a voto e cada um dos seus representantes vale por igual nesta casa”.
“É a vitória de democracia”, declarou Costa, para voltar a acenar com o derrube, a breve trecho, do governo minoritário de PSD e CDS-PP.
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