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Eutanásia, a votação que aproxima comunistas e democratas-cristãos

por Carlos Santos Neves - RTP
“A eutanásia não é uma terapia, é a execução da morte de alguém”, insistiu a deputada do CDS-PP Isabel Galriça Neto, que é também médica Mohammed Salem - Reuters

O Parlamento discute e vota na generalidade, esta semana, quatro projetos de lei com vista à despenalização e à regulação da morte medicamente assistida, elaborados por PAN, BE, PS e PEV. O tema é fraturante na sociedade como entre os assentos de São Bento, onde PCP e CDS-PP, com argumentações separadas, se preparam para votar no mesmo sentido: não.

Foi em conferência de imprensa, na passada quinta-feira, que os comunistas confirmaram o voto de sentido negativo. O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, foi então taxativo: despenalizar a eutanásia corresponderia a um “passo no sentido do retrocesso individual”, além de não constituir “uma questão prioritária”.A deputada do CDS-PP Isabel Galriça Neto considera que a legalização da eutanásia permitirá que "pessoas que não estão no fim da vida, não estão conscientes, que teriam muitos meses para viver, que têm doenças mentais, possam ser mortas”.


“O PCP afirma a sua oposição a legislação que institucionalize a provocação da morte assistida seja qual for a forma que assuma, a pedido sob a forma de suicídio assistido ou de eutanásia, bem como a eventuais propostas de referendo sobre a matéria”, frisou o deputado.

Ainda de acordo com o Partido Comunista, “a legalização da eutanásia não pode ser apresentada como matéria de opção ou reserva individual”. E “o direito a matar ou a matar-se não é um sinal de progresso, mas um passo no sentido do retrocesso individual, com profundas implicações sociais, comportamentais e éticas”.

Já a deputada do CDS-PP – e médica – Isabel Galriça Neto martelou nas últimas horas as razões na base da oposição do partido e Assunção Cristas à eutanásia e ao “direito de ser morto por outra pessoa”.

“Mas que direito? O que estamos a falar é do direito a ser morto por outra pessoa. Esse direito não existe e é perigosíssimo”, sustentou, em declarações recolhidas pela agência Lusa. Para Galriça Neto, o que está em causa com a eutanásia “não é uma terapia, é a execução da morte de alguém”.

Os democratas-cristãos, que preferiam ver ascender à primeira linha do debate político o direito a cuidados paliativos, advertem para o que consideram ser um efeito “rampa deslizante”. E avançam mesmo com uma estimativa de quatro mil mortes anuais por via da eutanásia, número que a deputada retira de uma extrapolação do contexto holandês, “com 6500 casos por ano”.

“É a realidade que alerta”, afirma, de dedo apontado a países onde a prática está legalizada.

Outro dos argumentos do partido é o da “voragem” ou “precipitação” de submeter esta matéria à apreciação da Assembleia da República, o que, na opinião manifestada por Galriça Neto, implica “trair os eleitores”.
“Novas respostas humanistas”

Entre as fileiras laranjas haverá liberdade de voto. “A questão é de consciência e cada deputado terá liberdade de voto para decidir consoante a sua consciência sobre esta matéria tão delicada”, vincou Rubina Berardo, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, também ouvido pela Lusa.Os quatro diplomas, que serão votados na terça-feira, estabelecem que só maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável podem solicitar a morte medicamente assistida. Intenção que terá de ser confirmada por três vezes.


O PSD vai assim “abordar o debate” sob “várias perspetivas” e “sempre de maneira serena e tranquila”, levando em linha de conta “o sinal” a dar “à sociedade portuguesa”.

Rubina Berardo estará entre os opositores aos quatro projetos de lei.

O partido Pessoas-Animais-Natureza, Bloco de Esquerda, PS e Partido Ecologista “Os Verdes”, autores dos quatro projetos de lei, mostram-se convictos de que a nova legislação passará pelo crivo parlamentar.

“Esperemos que haja muitos deputados, especialmente do PSD, que votem ao lado destas iniciativas”, afirmou o deputado do PAN André Silva. Esta foi a única formação partidária que incluiu no programa para as últimas eleições legislativas o tema da eutanásia.

André Silva não hesita em defender que “uma classe política evoluída tem de estar consciente das novas realidades sociais e aberta para novas respostas humanistas”.

A deputada Maria Antónia Almeida Santos, que na esteira do XXII Congresso do PS substituirá João Galamba como porta-voz socialista, afiança ter captado “muitas opiniões” a favor da legalização da eutanásia nos últimos meses.

“Se o Parlamento reflete, de alguma forma, a vontade da sociedade, há uma grande adesão a este tema, que é difícil”, assinalou.

Pelo PEV, Heloísa Apolónia mostra-se também convicta de que os projetos vão passar numa Assembleia da República dotada de legitimidade para decidir. É uma questão de “autodeterminação” das pessoas, disse.

“As pessoas têm o direito de viver, mas não têm a obrigação de viver sofrendo atrozmente com base numa doença fatal e absolutamente incurável”, advogou a deputada ecologista.

O bloquista José Manuel Pureza considera igualmente que, feito o debate, é chegado o momento de o Parlamento se pronunciar: “Portanto, vamos a votos”.
Referendo? Não

Quanto à possibilidade de o tema vir a ser colocado ao país em consulta popular, todos os partidos parecem inclinar-se para a negativa.Na passada sexta-feira, dia em que o antigo Presidente da República Aníbal Cavaco Silva saiu a público para repudiar os projetos de lei, o líder do PSD, Rui Rio, lamentou a pressão dos segmentos contra a despenalização da eutanásia.


“Não vemos o referendo como uma primeira opção”, explicou Isabel Galriça Neto, lembrando que, no imediato, é preciso decidir sobre os quatro diplomas submetidos ao Parlamento. “Não seremos nós a propor o referendo, cá estaremos para ver a evolução da situação”, acrescentou.

Recorde-se que há mais de um ano, quando apenas se conhecia a vontade bloquista de avançar com um anteprojeto, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, admitia não excluir “à partida” a via referendária.

O tom é semelhante nas palavras da socialista Maria Antónia Almeida Santos: “É um assunto que diz respeito a direitos, direitos fundamentais não se referendam”.

André Silva, do PAN, é perentório ao argumentar que “os direitos fundamentais não se referendam”, tendo em conta os riscos de “preconceito, populismo, teorias do medo e chantagem”. Em linha análoga, a deputada do PEV Heloísa Apolónia entende que “matérias desta natureza de Direitos Humanos não são referendáveis”.

“A hipótese de referendo foi usada por quem queria obstaculizar este processo legislativo”, aponta, por sua vez, o bloquista José Manuel Pureza.

No primeiro discurso que fez aos delegados ao Congresso do PS, na noite de sexta-feira, António Costa designou como exemplos de expansão da liberdade pela mão do partido a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a legalização do casamento e da adoção homossexuais e, atualmente, a despenalização da morte medicamente assistida.

“Há novas oportunidades de alargar esse espaço, respeitando a consciência de cada um, não impondo a ninguém qualquer comportamento, mas assegurando a todos que o queiram ter uma morte digna e poder recorrer à eutanásia, como na próxima semana defenderemos na Assembleia da República”, clamou o secretário-geral socialista.

O Parlamento produziu entretanto um dossier dedicado aos quatro projetos de lei, integrando os pareceres já emitidos e um vídeo explicativo da ARTV.

c/ Lusa
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