Entrevista a João Caetano. "Prevê-se uma subida da extrema-direita"

por Andrea Neves - correspondente da Antena 1 em Bruxelas
"Vamos, muito provavelmente, ter em países como como a Alemanha, por exemplo, a AfD como segunda força política mais votada" Karina Hessland-Wissel - Reuters

João Caetano, do Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta, dá como "muito clara" a expectativa de "uma subida da extrema-direita" nas eleições para o Parlamento Europeu. "As sondagens não deixam margem para dúvidas", sublinha.

Prevê-se uma subida da Extrema-Direita nestas Eleições Europeias?

Sim, prevê-se uma subida da extrema-direita. Essa é muito clara, sabendo nós que a extrema-direita – ou os partidos que estão à direita do Partido Popular Europeu – é uma realidade diversa. É bom que percebamos isso, sobretudo se depois entrarmos na lógica das possíveis alianças do PPE com alguma destas forças. Mas seguramente que os partidos à direita – da direita radical, da extrema-direita – vão subir porque as sondagens não deixam margem para dúvidas.

E é uma subida que pode mesmo colocar a extrema-direita como uma força política muito relevante?

Sim, as sondagens preveem que a extrema-direita possa ultrapassar os liberais – prevê-se, para os liberais, uma descida significativa uma vez que devem ficar abaixo dos socialistas e do PPE – mas também pode suceder – de novo, de acordo com as sondagens – que os dois partidos de direita radical possam ter juntos – os Conservadores e Reformistas e o Identidade e Democracia – mais mandatos do que o grupo socialista, o que seria uma alteração significativa.

Porque há uma dúvida que também ainda existe: serão esses dois grandes grupos parlamentares de direita, de extrema-direita, capazes de se unir ou não? Se conseguirem fazê-lo podem vir a ser a segunda maior força do futuro Parlamento Europeu.

A subida da extrema-direita pode prejudicar, ou pelo menos dificultar, algumas das políticas europeias?

Sim, desde logo todas as políticas que têm que ver com a consolidação do mercado interno, em matéria económica e financeira, nomeadamente a união bancária. Essa é uma das dificuldades que vai surgir também em tudo o que tem que ver com políticas migratórias ou com a própria política de defesa da União Europeia.



Agora, também há que ter conta o seguinte: nós não sabemos – e não podemos antecipar com precisão – qual vai ser o comportamento das forças políticas, no contexto pós-eleitoral. Assiste-se a um fenómeno, que não é muito falado mas no qual que vale a pena refletir: é possível os partidos de direita radical, da extrema-direita, se possam moderar com propósitos de governação ou de influenciar a política europeia? Isso não é impossível. Aliás, a aproximação de Ursula Von der Leyen, por exemplo, a Georgia Meloni poderá vir nessa linha. De facto, há que reconhecer que Meloni – goste-se ou não se goste – foi apresentada como uma ameaça de extrema-direita e tem tido uma posição, dentro de um contexto e de linhas conservadoras, relativamente moderada.

Daí que Von der Leyen, também como candidata a Presidente da Comissão Europeia, estabeleça três grandes linhas – designadamente a do Estado de Direito e a do Europeísmo, para além da relação com Putin – e é possível que esses partidos cumpram essas exigências.

A ação climática também pode ficar comprometida com a subida da extrema-direita no Parlamento Europeu?

Com certeza, porque como eu há pouco referia – e isso vale a pena ter em conta – as direitas, o próprio PPE e os partidos ou os grupos à direita têm posições com sensibilidades muito diversas e na questão climática também há diversas posições.

No entanto, há uma linha dominante que atravessa quer os Conservadores e Reformistas quer a Identidade e a Democracia: são céticos sobre as alterações climáticas e podem dificultar as políticas europeias nesse domínio, claramente.

Esta subida da extrema-direita pode levar a que esta força seja capaz de exigir algum dos lugares de topo das Instituições da União Europeia?

Eu diria que é difícil, diria mesmo que é improvável.

Agora o que é provável, no meu entendimento, é que haja um acordo em determinado contexto, um acordo de forças políticas à direita do PPE, no sentido de dizer “nós permitimos, nós viabilizamos a escolha, por exemplo, de Ursula Von der Leyen para Presidente da Comissão Europeia, mas queremos ganhos em termos de políticas europeias”.

É preciso não esquecer o seguinte, falando concretamente do presidente da Comissão Europeia: é uma escolha por um lado, dos Chefes de Estado e de Governo dos países da União Europeia no Conselho Europeu – onde estão fundamentalmente os primeiros-ministros, onde estão os governos – e depois também no Parlamento Europeu.

E aí o que nós temos são governos que vão desde a tal direita, radical ou extrema-direita – no caso da Hungria de Viktor Orbán, no caso da Itália de Georgia Meloni com Matteo Salvini que pertencem às duas famílias à direita do PPE – e que vão até, digamos, até aos liberais. Não há nenhum Chefe de Governo que seja dos partidos de esquerda ou dos verdes, o que significa que houve um ganho de causa dos partidos da direita radical ou de extrema-direita nos últimos anos. E isso é muito relevante. Isto no plano do Conselho Europeu, dos chefes de Estado e de Governo.

Se se confirmar a subida destes dois grupos parlamentares nas eleições, é natural que também queiram ter influência na escolha. Isto não quer dizer – custa-me a crer, como é óbvio – que haja um presidente da Comissão Europeia. Que venha dessas forças políticas. Isso é impossível.

Agora, a alternativa a este cenário é a de haver um acordo – para os lugares de topo – entre o PPE, os socialistas europeus e porventura os próprios liberais, ainda que numa posição menos favorável, porque os três terão seguramente a maioria dos parlamentares e também a maioria dos Chefes de Governo.

O que vai acontecer não se sabe. Eu acho que há que admitir – como ponto de razoabilidade – que não se sabe, que não se pode determinar o que vai acontecer. E tudo isso, todos esses cenários alternativos podem também acontecer até porque é preciso ter em conta a profunda diversidade. O sistema partidário europeu estará fortemente estilhaçado porque há linhas de clivagem não apenas entre diferentes famílias políticas mas nas próprias famílias políticas, nos próprios partidos políticos. Uma delas, para mim talvez a mais ou uma das mais relevantes, tem que ver com a questão dos direitos humanos.

Hoje em dia, cada vez menos se verifica aquilo que nós podemos dizer, uma posição – já não digo por unanimidade, porque essa nunca existiu – mas uma posição de consenso sobre o valor dos direitos dos direitos humanos. E quando digo sobre o valor digo também sobre o próprio catálogo dos direitos Humanos.

Mas a subida da extrema-direita é uma realidade comum a vários países da União Europeia?

Sim, e é verdade que há cinco anos se dizia – escreveu-se muito sobre isso –que a Extrema-direita iria subir vertiginosamente e isso não se verificou. Mas nestas eleições, eu diria, é muito pouco provável que não haja a surpresa que foi anunciada há cinco anos e que não se verificou. Eu acho que desta vez vai mesmo haver uma subida significativa.

Nós vamos, muito provavelmente, ter em países como como a Alemanha, por exemplo, a AfD – os neonazis – como a segunda força política mais votada à frente do SPD à frente dos Verdes. O mesmo se diga na França, um caso ainda mais extraordinário, com a extrema-direita com quase o dobro dos mandatos do partido Emmanuel Macron.

E depois há aqui uma outra situação que vale a pena procurar perceber: uma das críticas que alguns setores conservadores ou de direita radical fazem na Europa é a da desconfiança em relação ao eixo franco-alemão
E nos últimos anos, o que se verificou foi que , sobretudo com a saída de Angela Merkel, Macron tem mantido uma posição relevante. Teve uma posição muito importante, há cinco anos, na escolha – depois de se afastar o candidato defendido pelo PPE para Presidente da Comissão Europeia, que era alemão –foi ele próprio que protagonizou a busca de uma solução alternativa para se chegar a Ursula Von der Leyen. Mas neste momento Macron está numa posição muito debilitada. Vamos ver que capacidade de influência é que vai ter no próximo Conselho Europeu, sobretudo se se verificar uma descida significativa do seu partido nas eleições.

A Europa viveu sempre, desde os fundadores, não apenas do projeto político, mas das personalidades e nomeadamente dos líderes do eixo franco-alemão.

E pode acontecer que na Alemanha a coligação que está no poder desça em toda em toda a linha – Olaf Scholz não é de facto uma figura marcante nem na Alemanha, nem na Europa – e que Emmanuel Macron fique com menor capacidade de influência – tem tido vários insucessos nas suas tentativas, designadamente na questão da trágica guerra na Ucrânia.

Portanto, precisamos mesmo de ver os resultados, porque se houver uma descida significativa do partido de Macron e dos liberais em geral, vamos ver até que ponto é que haverá uma linha de solidariedade, por exemplo, entre ele e o PPE, entre ele e Von der Leyen. isto porque não me parece que se Von der Leyen se recandidata – e sendo o PPE o grupo parlamentar com o maior número de mandatos – ela não venha a ser reconduzida.
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