A partir de 1978, o que restava do Grupo Katins viu a sua autonomia cada vez mais limitada e os seus passos cada vez mais vigiados pelos serviços de informações da RDA. Assim terminava uma experiência prometedora, que durante algum tempo teve veleidades de inovar a cultura da produção audio-visual no leste da Alemanha e mesmo no leste da Europa.
Nos anos seguintes, as tensões agravaram-se, o "Grupo Katins" foi reorganizado como redacção de Alltag im Westen (Quotidiano no Ocidente), igualmente liderada por Katins, mas em 1978 também esta começaria a ser posta em causa.
Por um lado, alguma heterodoxia formal na realização dos documentários mantivera sempre o Grupo Katins e a redação sua sucessora debaixo do olhar perscrutante e desconfiado da "burocracia de Adlershof" (na foto: estúdios de televisão de Adlershof). Por outro lado, a normalização de relações da RDA com boa parte do mundo capitalista tinha tornado menos necessários os técnicos estrangeiros, agora facilmente substituíveis por alemães orientais com acesso a vistos nos seus passaportes (Prase, 220).
Mantinha-se a necessidade dos bons ofícios de Franz Dötterl para a aquisição de equipamentos sujeitos a embargo, mas, à medida que ia afrouxando a quarentena diplomática e comercial imposta à RDA, já nem essa era suficiente para lhe garantir inteiramente o anterior estatuto especial.
Sabine Katins e Franz Dötterl tinham entretanto subscrito com um total de cinco membros do grupo uma carta pondo em causa a direcção da televisão leste-alemã e em especial a pessoa de Heinz Adameck (na foto). Segundo Katins na entrevista a Prase, Dötterl tinha a aspiração de revolucionar os métodos da televisão da RDA e, com o tempo, das televisões do bloco de Leste.
Katins foi convocada por Werner Lamberz que a criticou por terem posto em causa a direcção da televisão de uma forma "nunca vista". A reunião foi inconclusiva e Katins descreve-a como decepcionante. Lamberz, apesar da fama que tinha de reformador, não tencionava mudar nada de essencial.
Em 2 de março, a emissão do filme Wenn es vor dem Frühstück klingelt (Quando tocam à campainha antes do pequeno almoço), marcada para 23 desse mês, seria adiada. Depois, ao ser finalmente emitido, uma crítica favorável publicada no diário Berliner Zeitung pareceu desautorizar o adiamento. Com efeito, a autora da crítica era Gisela Hermann, a cônjuge do candidato ao Politburo Joachim Hermann (curiosamente um ultra-ortodoxo, que outros membros do partido designavam como “boneco do ventríloquo Honecker”).
Um novo adiamento verificou-se algumas semanas depois, e desta vez com a emissão, marcada para 25 de abril, de um novo filme sobre Portugal, que suscitaria novo apelo de Dötterl às instâncias dirigentes do partido.
Steinmetz cita também o seu co-autor Tilo Prase a respeito dos motivos para o declínio do Grupo Katins. Ele lembra que Dötterl tinha acesso às instâncias superiores do partido e que isso lhe incutiu uma auto-confiança excessiva e uma atitude abertamente crítica, que depois lhe foi fatal.
No princípio de maio, Dötterl e Katins voltaram a estar em Portugal e disso dava conta um relatório da mesma Stasi logo no dia 12, acrescentando que a viagem foi feita sem o conhecimento da direcção da televisão e que uma nova viagem estava prevista em junho, à Suíça, onde tencionavam reunir-se com todos os grupos de filmagem que ambos tinham em actividade no estrangeiro.
Em 14 de agosto, novo relatório da Stasi referia que Dötterl e Katins procuraram um aparelho de escuta em espaços que utilizavam habitualmente. Pela sua mudança de comportamento (ou seja, por se limitarem daí em diante a conversas inócuas), pareciam tê-lo encontrado. E observava também que cada novo elemento do grupo era testado, para verificar se tinha algumas "ligações à Segurança".
Em 13 de dezembro de 1978, a Stasi mostrava-se inquieta com uma conferência de imprensa que Dötterl convocara em Bona, focada nas perseguições que tinha sofrido na Alemanha ocidental e em França, mas obviamente destinada a reforçar também a sua posição nos confrontos com a "burocracia de Adlershof". Dötterl não podia, contudo, ser impedido de realizar a conferência de imprensa, que contou com a presença de vários jornais e agências noticiosas comunistas: L’Humanité, Tass, Pravda, entre outros, todos depois a fazerem-se eco do evento em termos favoráveis.
Portugal, último reduto da autonomia do grupo
Outra relação de Dötterl e Katins que inquietava o SED era com o partido português. Um dos motivos de inquietação era certamente o entusiasmo que o trabalho do grupo suscitava entre os dirigentes do PCP. Álvaro Cunhal referiu-se a ele em 1977, dizendo que se lhe devia “uma das mais extraordinárias documentações fílmicas sobre a revolução portuguesa”.
Referia, em especial, que Dötterl se deslocara a Portugal em 12 de fevereiro para organizar um arquivo de filmes para o PCP, e que havia uma carta de Cunhal (na foto, em reunião com Dötterl) para Honecker confirmando este propósito da visita. Mas considerava necessário disciplinar a dupla Dötterl-Katins e opinava que uma condecoração a atribuir à realizadora no próximo 1º de maio deveria ser cancelada, por esta estar, “aos olhos dos camaradas que vivem o dia-a-dia, tão comprometida [com as irregularidades disciplinares] como F.D.”.
Em 26 de março, novo relatório da Stasi compensava a referência favorável a Dötterl na carta de Cunhal, referindo a existência de queixas contra ele por parte da direcção do PCP, alegadamente pelo efeito corruptor que teria entre a militância do partido a sua prática de distribuir presentes valiosos. E dava conta do plano de dispersar os membros do Grupo Katins por outros departamentos da televisão, explicando esse plano com o facto de estarem todos “mais ou menos corrompidos”.
Por seu lado, a dupla Dötterl-Katins não se dava por vencida. Em 16 de abril, Katins enviava uma carta a Walter Heinz, da direcção de Adlershof, lembrando que as imagens e sons recolhidos em Portugal para a realização de dois filmes não pertenciam à televisão da RDA, que nada pagou dos seus custos, e sim à agência Nordreporter.
Aí lembrava também que o filme “As crianças de Camarate” estava a ser produzido para as comemorações da ONU sobre o ano internacional da criança e o filme “Os jovens pioneiros de Portugal” estava a ser produzido para o PCP.
Algum tempo depois, Dötterl e Katins dobravam ainda a parada e, em carta de 6 de junho assinada por ambos, insistiam em que o nome de Dötterl aparecesse como regie de câmaras e produção na ficha técnica do filme "Andere über uns" ("Outros sobre nós"). Se não houvesse resposta no prazo de 14 dias, acrescentavam, não autorizariam a reprodução do filme, tanto mais que a televisão até então nada pagara dos seus custos.