Diniz de Almeida: a derrota "vergonhosa" dos golpistas

por António Louçã, Nuno Patrício
Diniz de Almeida diante do RAL-1, no 11 de março

Diniz de Almeida, um dos mais destacados operacionais da revolução de Abril, comandou também, no 11 de Março, a resistência do Ralis (Regimento de Artilharia de Lisboa) e foi um dos principais vencedores dessa jornada. O seu testemunho tem uma importância central para entender o 11 de Março.

Em declarações recentes a uma reportagem da RTP, o antigo piloto e golpista César Neto Portugal afirmara que os meios aéreos enviados em 11 de Março contra o Ralis apenas se destinavam a intimidar a sua guarnição. Diniz de Almeida responde às declarações de Neto Portugal, lembrando o fogo real aberto contra a unidade, o morto e os feridos que esse fogo causou, os estragos que produziu.
O próprio Diniz de Almeida esteve, juntamente com um soldado, a operar uma metralhadora pesada. Não pode garantir que essa arma tenha acertado nos aparelhos que sobrevoavam a unidade e sabe que nenhum deles foi abatido. Mas também é certo que foram impedidos de cumprir a sua missão e que nenhum dos helicópteros conseguiu aterrar dentro da unidade para aí desembarcar as tropas que deviam tomá-la.

Do lado dos atacantes, o balanço da operação foi "vergonhoso", por se tratar de uma tropa especial que atacava de surpresa um quartel guarnecido por tropa normal, mas sem nada conseguir dos seus objectivos.

Diniz de Almeida descreve o dispositivo de defesa criado pela unidade, com a ocupação de edifícios circunvizinhos. Desse modo, os páraquedistas enviados para cercarem a unidade, e para a tomarem, ficavam, eles próprios, cercados entre as tropas que tinham permanecido dentro do quartel e o anel de tropas que fora colocado em redor.

A inversão de papeis encontra-se condensada no episódio que protagonizou o próprio Diniz de Almeida, ao surpreender, pelas costas, um páraquedista que se julgava em posição de sitiante do Ralis. Diniz de Almeida poupou-lhe a vida e limitou-se a mandá-lo retirar.
Sobre a assembleia militar ocorrida na noite de 11 para 12 de Março, Diniz de Almeida recorda que lá esteve muito pouco tempo (presumivelmente apenas no início), apenas o tempo suficiente para ler um documento aprovado no Ralis e de voltar a sair para enfrentar os muitos problemas que havia fora.
Recordando o sangue que derramaram os golpistas do 11 de março, Diniz de Almeida reage com desdém perante os que algum tempo depois começaram a acusar a esquerda militar de algum desabafo emitido na assembleia de 11 para 12 de março sobre o fuzilamento merecido pelos golpistas. E recorda também que muitas vezes essa virtuosa indignação vem dos mesmos que aplaudiam os crimes de guerra cometidos pela tropa colonial. Cita, a propósito, o seu livro "Ascensão, apogeu e queda do MFA" (vol. I, pg. 65), onde se relata como um capitão comando se ufanava de cortar as orelhas aos prisioneiros para fazer porta-chaves, e de fuzilá-los para dissuadir a guerrilha de minar as estradas.

Mais, o mesmo capitão vangloriava-se de cortar a cabeça a cada prisioneiro executado e de espetá-la num pau, para intimidar. E o capelão, consultado sobre a moralidade deste procedimento, só se lembrou de perguntar se a cabeça era cortada aos prisioneiros com eles em vida, ou depois de serem abatidos. Respondida a pergunta, sentenciou que nada havia a censurar à decapitação de um cadáver.
Do 11 de Março ao 25 de Novembro

Em poucos meses, alguns dos protagonistas da revolução mudaram radicalmente de atitude. O 11 de Março foi um ponto de viragem para muitos. Nesse dia, os páraquedistas que se renderam no Ralis foram mandados em paz e ficaram a digerir as lições da jornada. No 25 de Novembro, iriam surgir na barricada oposta à que tinham ocupado no 11 de Março.

A nível individual também se conhecem casos comparáveis. Salgueiro Maia ia fazendo a sua aprendizagem e, no ambiente provinciano de Santarém, essa aprendizagem era necessariamente lenta. Até ao 11 de Março as suas relações com o spinolismo não tinham ainda atravessado situações-limite. Mas a intentona golpista desse dia contribuiu para aproximá-lo da esquerda militar, especialmente através de uma forte cumplicidade com Diniz de Almeida, com quem já tinha em Novembro um pacto de não-agressão.
No que se refere aos acontecimentos do próprio 25 de Novembro, Diniz de Almeida recorda ter assistido ao diálogo do major Arlindo Ferreira com Otelo, transmitindo-lhe uma mensagem dos páraquedistas e à resposta de Otelo, a avalizar a saída daquela unidade. Diniz de Almeida avisou Otelo que essa decisão iria necessariamente ter graves consequências. Disse-lhe que ele próprio iria para o Ralis, para ter a unidade pronta e aguardando ordens. Aguardou-as durante várias horas e, quando finalmente telefonou para o Copcon, comunicou-lhe o coronel Artur Baptista que Otelo tinha ido para casa e não atendia o telefone.

Diniz de Almeida contactou várias unidades como a Escola Prática de Artilharia, depois a Escola Prática de Serviço de Material. Mas foi-se apercebendo que a ausência de Otelo semeava a dúvida e a incerteza.

Quando finalmente conseguiu contactar por telefone com Otelo, este já tinha ido entregar-se à Presidência da Repúblicase e já se encontrava lá detido. Deu-lhe a entender por meias palavras que esperava, mais uma vez, alguma solução vinda do Ralis. Mas Diniz de Almeida explicou-lhe que os estragos causados pelo próprio Otelo já dificilmente poderiam ser reparados.
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